domingo, 5 de junho de 2022

A desobediência civil. Henry David Thoreau.

A desobediência civil

Henry David Thoreau. Tradução de Sérgio Karam, Porto Alegre, Editora L&PM Pocket, 2002.


O melhor governo é o que governa menos”, aprimorada da seguinte expressão: “O melhor governo é o que absolutamente não governa” 1 iniciam uma das maiores obras literárias políticas da história de crítica ao autoritarismo do Estado. “Desobediência Civil” é considerada para alguns a bíblia dos anarquistas. Porém, como sabemos, os anarquistas não possuem bíblias e nem “Cristos”, o que nos faz entender também que em algumas passagens a crítica do autor mais se parece com o que nos Estados Unidos se chama por programas minimalistas, ou seja, daqueles que defendem a menor intervenção possível do Estado na Economia. Para os atuais anarco-capitalistas, nosso autor deve realmente ser uma bíblia. Mas não é somente a tais homens que a obra influência. Gandhi e tantas outras lideranças de militância pacifista se espelham no norte americano que foi preso por se recusar a pagar por seus impostos, mesmo tendo sido avisado diversas vezes de que isso iria acontecer.


Thoreau tem sua importância na luta contra o Estado. Ele faz durante boa parte da obra, uma crítica ao militarismo, a escravidão (até então vigente nos EUA), contra a existência do Estado e da autoridade constituída, entre outros. Thoreau também é contra a invasão e tomada do território Mexicano por parte do Exército dos EUA e mostra que isso deve custar o que for necessário ao seu país:


Este povo deve deixar de ter escravos e de fazer guerras ao México, mesmo que isso lhe custe sua existência como povo”.2


Um pouco anterior:


As objeções levantadas contra a existência de um exército permanente – e elas são muitas e fortes e merecem prevalecer – podem afinal ser levantadas também contra a existência de um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do governo permanente.” 3


Na página seguinte ele dá uma explicação que de certa forma nos faz pensar sobre o porque da existência dos governos.


Pois o governo é uma conveniência pelo qual os homens conseguem, de bom grado, deixar-se em paz uns aos outros, e, como já se disse, quanto mais conveniente ele for, tanto mais deixará em paz seus governados.” 4


Pra que pensar se pensam por nós? Pra que pensar se governam por nós mesmos? E não é por isso que elegemos os políticos? Para não pensarmos? Thoreau não fala em fim dos governos (pelo menos em determinado momento). Não se assume anti governista. Mas clama por um governo melhor.


A grande maioria dos homens serve ao Estado desse modo, não como homens propriamente, mas como máquinas, com seus corpos. São o exército permanente, as milícias, os carcereiros, os policiais, os membros da força civil, etc.” 5


Tal passagem nos lembra uma célebre frase de Chaplin: “Não sóis máquina! Homem é que sóis!” O Estado cria um exército de máquinas e não um exército de homens. Aparentemente, são seres que não valem mais do que cachorros ou cavalos, de acordo com a opinião do autor.


Percebe-se também influência que aparecerá em Stirner no futuro, já em nosso autor: “Aquele que se dá inteiramente a seus semelhantes parece-lhes inútil e egoísta; aquele, porém, que a eles se dá parcialmente é considerado um bem feitor e um filantropo.” 6 Também se percebe forte influência de John Locke em Thoreau quando o Britânico defende o “Direito de Resistência” aqui expresso como Direito de Revolução.


Todos os homens reconhecem o direito de revolução, isto é, o direito de recusar lealdade ao governo, e opor-lhe resistência, quando sua tirania e sua ineficiência tornam-se insuportáveis.” 7


Defende o fim da escravidão e diz claramente que se os negros não se unirem e esperarem dos brancos a sua libertação, jamais serão alforriados. Dá a entender a famosa frase de fundação da Internacional: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Esta luta contra a escravidão está presente em toda obra.


Mostra que existe diferença de tratamento por parte do Estado entre ricos e pobres, dando claramente a entender que o Estado serve aos primeiros e explora os segundos. Defende claramente que burlemos a Lei caso a mesma nos obrigue a praticar injustiças:


Se um homem sem propriedade se recusa pela primeira vez a recolher nove xelins aos cofres do Estado, é preso por prazo cujo limite não é estabelecido por qualquer lei que eu conheça; esse prazo é determinado exclusivamente pelo arbítrio dos que o enviam à prisão. Mas se ele resolver roubar noventa vezes nove xelins do Estado, em breve estará novamente em liberdade.” 8


Continua:


Mas se ela for de natureza tal que exija que nos tornemos agentes de injustiça para com os outros, então propomos que violemos a lei.” 9


Pouco adiante, mas na mesma página ele sentencia: O mal está na própria existência ou na própria constituição do Estado.


Pouco depois defende Cristo como um anarquista que se opõe ao Estado e por isso fora morto.


Cristo respondeu aos seguidores de Herodes de acordo com a situação deles. "Mostrem-me o dinheiro dos tributos", disse ele; e um deles tirou do bolso uma moeda. Disse então Jesus Cristo: "Se vocês usam o dinheiro com a imagem de César, dinheiro que ele colocou em circulação e ao qual ele deu valor, ou seja, se vocês são homens do Estado e estão felizes de se aproveitar das vantagens do governo de César, então paguem-no por isso quando ele o exigir. “Portanto, dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus", Cristo não lhes disse nada sobre como distinguir um do outro; eles não queriam saber isso.” 10


Há seis anos que não pago o imposto per capita. Fui encarcerado certa vez por

causa disso, e passei uma noite preso; enquanto o tempo passava, fui observando as paredes de pedra sólida com dois ou três pés de espessura, a porta de madeira e ferro com um pé de espessura e as grades de ferro que dificultam a entrada da luz, e não pude deixar de perceber a idiotice de uma instituição que me tratava como se eu fosse apenas carne e sangue e ossos a serem trancafiados.” 11


Somos todos presos, escravo do Estado:


Vi que apesar da grossa parede de pedra entre mim e os meus concidadãos, eles tinham uma muralha muito mais difícil de vencer antes de conseguirem ser tão livres

quanto eu.” 12


Quem é criminoso? Quem está dentro ou fora das prisões? Onde está o perigo senão nas idéias? Não há como trancafiá-las.


Não pude deixar de sorrir perante os cuidados com que fecharam a porta e trancaram as minhas reflexões - que os acompanhavam porta afora sem delongas ou dificuldade; e o perigo estava de facto contido nelas.” 13


E então, abriu-se caminho para a vista. A névoa dissipa-se e conseguimos enxergar os olhos do Estado:


Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com a sua prataria, incapaz de distinguir os seus amigos dos inimigos; perdi todo o respeito que ainda tinha por ele e passei a considerá-lo apenas lamentável.” 14


Pouco adiante Thoreau nos conta a respeito de suas lembranças na prisão e continua sua mordaz crítica ao Estado.


Na verdade, eu silenciosamente declaro guerra ao Estado, à minha moda, embora continue a usá-lo e a tirar vantagem dele enquanto puder, como costuma acontecer nestas situações.15


Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente - do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade - e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente.16


Thoreau finaliza a obra dizendo que nunca encontrou um Estado perfeito, por mais que procurasse bastante para localizá-lo. Sinal de que o Estado perfeito não existe e jamais existirá.


Leituras – extraído da obra Walden:


Esta tradução de “Desobediência civil” pela Editora L&PM, Coleção Pocket, também traz trechos da obra “Walden” de Thoreau ao término. É uma crítica do autor a ausência de projetos educacionais e culturais nos EUA e da importância do ato de ler, estudar, se informar para construir um país melhor.


O autor também nos fala da importância dos livros e de que estes são o maior patrimônio de uma sociedade e a melhor forma de se transmitir os conhecimentos da mesma. Faz uma forte crítica a sociedade estado-unidense chamando a de imbecil e de responsável pela formação de homens medíocres. Finaliza dizendo que não adianta todo o investimento em infraestrutura se não se pensar na educação dos jovens e adultos e a criação de uma nação de letrados. Este seria para Thoreau um passo para a construção de uma sociedade mais justa.


A importância desta última obra acoplada a primeira é de extrema importância pois reflete a esperança de uma sociedade liberta e justa nos EUA. Apesar de se demonstrar pessimista em algumas ocasiões, talvez pela amargura da prisão, este trecho de “Walden” nos traz a esperança de um país melhor.

1 Op. Cit. Pg. 5.

2 Pg. 15.

3 Pg. 6.

4 Pg. 7.

5 Pg. 10.

6 Pg. 12.

7 Pg. 12.

8 Pg. 24.

9 Pg. 25.

10 Pg. 32.

11 Pg. 36.

12 Pg. 36.

13 Pg. 37.

14 Pg. 37.

15 Pg. 45.

16 Pg. 55.

Prefácio da 1ª Edição e Posfácio da 2ª Edição. O Capital, Karl Marx.

Prefácio da 1ª Edição e Posfácio da 2ª Edição.

O Capital, Karl Marx.

 

Desde a publicação da primeira edição do Livro I de “O Capital” em 25 de julho de 1867 à 24 de janeiro de 1873, publicação do Posfácio da segunda Edição, passaram-se exatamente 5 anos e 5 meses e 29 dias. Dez anos após a publicação do Posfácio da Segunda Edição, Marx morre em 14 de março de 1873, sem conseguir preparar a publicação da Terceira Edição Alemã e deixando para Engels a organização do segundo e do terceiro Volume de “O Capital”.


Engels mantêm por respeito a Marx, por respeito as normas técnicas padronizadas e usuais em todo o mundo da época, as medidas padrões da época (britânica) em todas as traduções seja para qualquer idioma que fosse traduzido. O próprio Engels explica que somente “havia na Alemanha tantos tipos de peso e medida quantos dias do ano; além disso, havia duas espécies de marco(...)duas espécies de florim e ao menos 3 de táler, das quais uma cuja unidade era o ‘novo dois terços’.”


Prefácio da 1ª Edição


Marx neste documento deixa claro que o Volume I da obra em questão é uma continuação de “Contribuição à Crítica da Economia Política”. Ele faz um estudo da natureza da mercadoria, do valor, do trabalho, da especulação capitalista, da mais-valia, e principalmente do “modo de produção capitalista e as suas relações correspondentes de produção e de circulação”.


Marx cita nesta obra a criação e desenvolvimento das categorias de análise:


Além disso, na análise das formas econômicas não podem servir nem no microscópio nem reagentes químicos. A faculdade de abstrair deve substituir ambos.”


A presença do pensamento evolucionista é forte, Marx acredita que a classe operária britânica era o exemplo, a vanguarda das classes operárias mundiais:


O país industrialmente desenvolvido mostra ao menos desenvolvido tão somente a imagem do próprio futuro”


Uma nação deve e pode aprender das outras. Mesmo quando uma sociedade descobriu a pista da lei natural do seu desenvolvimento (...) ela não pode saltar nem suprimir por decreto as suas fases naturais de desenvolvimento.”


Posfácio da 2ª Edição


Para Marx o capitalismo era um estágio historicamente transitório da evolução:


À medida que é burguesa, ou seja, ao invés de compreender a ordem capitalista como um estágio historicamente transitório de evolução, a encara como a configuração última e absoluta da produção social, a Economia Política só pode permanecer como ciência enquanto a luta de classes permanecer latente ou só se manifestar em episódios isolados.”


Marx explica em sua fundamentação:


Meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta. Para mim, (...) o ideal não é nada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem.”


Sobre a dialética hegeliana, finaliza:


É necessário invertê-la, para descobrir o cerne racional dentro do invólucro místico.”

Pequeno fichamento com comentários sobre o capítulo IV de O Capital de Marx.

Pequeno fichamento com comentários sobre o capítulo IV de O Capital de Marx. Novamente, não se deseja aqui quebrar os direitos de propriedade da editora. Essas citações são um incentivo para compra, leitura e estudo da obra do autor.

Capítulo IV - Capital. Karl Marx.

O Capítulo IV chamado “Transformação do Dinheiro em Capital” inicia a Seção II sob o título de “A Transformação do Dinheiro em Capital”. Este capítulo é divido em três partes desenvolvendo inicialmente a fórmula geral do capital, contradições da fórmula geral e compra e venda da força de trabalho.


Primeira Parte


A Fórmula Geral do Capital


Esta parte tenta designar as duas fórmulas básicas de circulação de mercadorias. São elas:


M-D-M

Vender para comprar.


D-M-D

Comprar para vender.


Cada um dos dois ciclos é a unidade das mesmas fases contrapostas e, em ambos os casos, essa unidade é medida pelo surgimento de três contraentes, dos quais um apenas vende, outro apenas compra, mas o terceiro alternadamente, compra e vende.”


Ou seja:


D-M-D-M-D-M-D-M...


Para Marx o dinheiro possui duas formas, mercadoria e capital.


A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário, uma finalidade em si mesma, pois a valorização do valor só existe dentro deste movimento sempre renovado. Por isso o movimento do capital é insaciável.”


Comprar para vender, ou melhor, comprar para vender mais caro, D – M – D, parece ser decerto apenas uma espécie do capital, a forma peculiar do capital comercial.”


Segunda Parte


Contradições da Fórmula Geral


O capital pode ser gerado através da equação:


D – M – D


Onde, no momento da venda da mercadoria comprada, adiciono um valor “x” à M e revendo M acrescentado de “x”. Exemplo:


D – M (+ x) = Capital

A mais-valia não pode se originar da circulação, que, portanto, em sua formação deve ocorrer algo por trás de suas costas e que nela mesma é invisível.”


Capital não pode, portanto, originar-se da circulação e, tampouco, pode não originar-se da circulação. Deve, ao mesmo tempo, originar-se e não se originar dela.”


Nosso possuidor de dinheiro, por enquanto ainda presente apenas como capitalista larvar, tem de comprar as mercadorias por seu valor, vendê-las por seu valor e, mesmo assim, extrair no final do processo mais valor do que lançou nele. Sua metamorfose em borboleta tem de ocorrer na esfera da circulação e não tem de ocorrer na esfera da circulação.”


Terceira Parte


Compra e Venda da Força de Trabalho


Para Marx existe diferença entre mercadoria e produto. A mercadoria tem a função de promover o capital e o produto tem apenas a função de ser necessário à subsistência.


Para se tornar mercadoria o produto não pode ser produzido como meio de subsistência imediato para o próprio produtor. Se tivéssemos pesquisado mais: sob que circunstâncias todos os produtos tomam ou também apenas a maioria deles toma a forma de mercadoria, então se teria descoberto que isso só ocorre com base em um modo de produção bem específico, o capitalismo.”


... o trabalhador adianta ao capitalista o valor de uso da força de trabalho; ele deixa consumi-la pelo comprador, antes de receber o pagamento de seu preço; por toda a parte, portanto, o trabalhador fornece crédito ao capitalista.”


A força de trabalho é utilizada, descartada e revezada no intuito de se manter a força de produção:


As forças de trabalho subtraídas do mercado pelo desgaste e morte precisam ser continuamente substituídas ao menos por um número igual de novas forças de trabalho.”

Fichamento da obra Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx.

Fichamento realizado durante minha faculdade de ciências sociais na puc-sp no primeiro semestre de 2004 na disciplina de Sociologia III. As citações aqui expostas são meramente um convite à compra da obra e a leitura da mesma. São para fins pedagógicos.

I – Burgueses e Proletários


A história de toda a sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classe.”


...o opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstituição revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito.”


A sociedade moderna burguesa, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu antagonismos de classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das velhas.”


Historicamente, a burguesia desempenhou um papel revolucionário. Onde quer que tenha assumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. [...] Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e em nome das numerosas liberdades conquistadas estabeleceu a implacável liberdade de comércio. Em suma, substituiu a exploração, encoberta pelas ilusões religiosas e políticas, pela exploração aberta, única, direta e brutal.”


A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as relações de produção e, com elas todas as relações sociais.”


A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia a invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar toda a parte, criar vínculos em toda a parte.”


Com o rápido aprimoramento de todos os meios de produção, com as imensa facilidades dos meios de comunicação, a burguesia arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. [...] Força todas as nações, sob pena de extinção, a adotarem o modo burguês de produção; força-as a adotarem o que ela chama de civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria-se um mundo a sua imagem.”


Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária disso foi a centralização política. Províncias independentes, ligadas apenas por laços federativos, com interesses, leis, Governos e tarifas diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, um só código de leis, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária.”


[...] as relações feudais da propriedade mostraram-se incompatíveis com as forças produtivas em pleno desenvolvimento. Transformaram-se em outros tantos entraves a serem despedaçados; foram despedaçados. Em seu lugar implantou-se a livre concorrência, com uma constituição social e política própria, com a supremacia econômica e política da classe burguesa.”


[...] a história da indústria e do comércio é, simplesmente, a história da revolta das forças produtivas modernas contra as condições modernas de produção, contra as relações de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio.”


Na mesma proporção que a burguesia, ou seja, o capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores moderno, que só podem viver se encontrarem trabalho, e só encontram trabalho na medida em que aumenta o capital. Esses trabalhadores são obrigados a vender-se diariamente, são uma mercadoria, um artigo de comércio, sujeitos, portanto, às vicissitudes da concorrência, às flutuações do mercado.”


O proletariado passa por diferentes estágios de desenvolvimento. A partir do seu nascimento começa a luta com a burguesia.”


II – Proletários e Comunistas

A característica particular do comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. [...] expressão final do sistema de produção e apropriação que é baseado em antagonismos de classes, na exploração de muitos por poucos.”


Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição pessoal na produção, mas também uma posição social.”


O comunismo não priva ninguém do poder de apropriar-se dos produtos da sociedade; o que faz é privá-lo do poder de subjugar o trabalho alheio por meio dessa apropriação.”


Os trabalhadores não tem pátria. Não podemos tomar deles aquilo que não possuem. Como o proletariado pretende adquirir a supremacia política, tornar-se a própria nação, é nesse sentido, ele mesmo nacional, embora não no sentido burguês da palavra.”


A supremacia do proletariado os fará desaparecer ainda mais rápido. A ação comum nos países civilizados é uma das principais condições de emancipação do proletariado.”


As idéias da classe dominante de uma época são sempre as idéias da classe dominante”


A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações tradicionais.”


O poder político propriamente dito é o poder organizado de uma classe para oprimir outra.”


III – Literatura Socialista e Comunista

Os pequenos burgueses e os pequenos camponeses da Idade Média foram os precursores da burguesia moderna. Nos países de baixo nível de desenvolvimento industrial e comercial, essas classes ainda vegetam lado a lado com a burguesia em ascensão.”


Os socialistas burgueses querem todas as vantagens das condições sociais modernas sem as lutas e perigos. Querem o estado atual da sociedade sem os elementos que a revolucionam e a destroem. Desejam a burguesia sem o proletariado.”


IV – A Posição dos Comunistas em Relação aos Vários Partidos de Oposição


Mas o Partido Comunista nunca se esquece de despertar nos operários uma consciência nítida do antagonismo hostil entre a burguesia e o proletariado, para que os trabalhadores alemães usem adequadamente, como armas contra a burguesia, as condições sociais necessariamente criadas pelo regime burguês, a fim de que, uma vez destruídas as classes reacionárias na Alemanha, possa ser travada a luta contra a própria burguesia. [...] porque a revolução burguesa na Alemanha será prelúdio imediato de uma revolução proletária.”


Que as classes dominantes tremam diante da revolução comunista! Os proletários nada têm a perder senão os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!”

sábado, 4 de junho de 2022

Max Weber, Política como vocação.

 

Max Weber. Ciência e política: duas vocações. Editora Cultrix. São Paulo-SP.


Política como vocação:


Max Weber (1864-1920) foi um dos três grandes Sociólogos da história desta Ciência, juntamente com Durkheim e Marx. Weber se propõe neste ensaio, entre outras coisas, descrever o que é a vocação política. Weber nos fala sobre seu entendimento de Política: “conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.” 1 O Estado só pode existir, segundo o autor, se os homens aceitarem sua autoridade e se submeterem a mesma.


Para o autor, existem dois tipos de administrações, o que o governante consegue governar por que existe uma estrutura do funcionalismo independente da vontade do chefe de governo e outro tipo privada ao dono do poder do Estado e que caso caia em mãos de oposição, nada fará para manter a governança necessária das coisas. Também existem dois tipos de funcionários no Estado: os que são geralmente concursados e são conhecidos como funcionários de carreira e aqueles que são funcionários políticos e que são inseridos na máquina Estatal através de indicações políticas. Para Weber, o verdadeiro funcionário deve ser aquele que mesmo contrariado com as ações que deve tomar no seu trabalho, acata as ordens superiores pois são ordens do Estado e seu papel é o de cumpri-las. Já o funcionário político, só faz aquilo que interessa ao seu partido ou liderança pouco se importando com os demais projetos e com o dinheiro público. Pg. 78 e 79.


Weber também critica a Revolução Russa por ter aparelhado o Estado com militantes do Partido Bolchevique e por ter inserido nos cargos da Polícia Política os mesmos ex-policiais da polícia czarista da Rússia. Por ter aberto as portas ao investimento do capital internacional, por ter inserido técnicas do taylorismo e do fordismo nas fábricas além das disciplinas de quartéis nos operários. Tudo aquilo que um regime democrático não faria. Pg. 85.


Acreditava o autor que existiam três tipos de dominação que raramente apareciam sozinhos e geralmente aconteciam de serem percebidos uns ligados aos outros. São eles:


1 - Tipo de Dominação Tradicional: É a autoridade do “passado eterno”, santificados pela falta de memória das pessoas, está no poder pelo hábito, pela tradição, é o velho senhor feudal que se enraizou no comando do feudo a tempos. O velho coronel das regiões secas e semi-áridas do sertão pode ser outro representante deste velho mandatário.


2 – Tipo de Dominação Carismático: Ele se apóia em seus dons da conversação e do discurso. Pode ser o velho político populista que ganha o amor, respeito e obediência das massas mediante seu heroísmo, seus ganhos, caso fosse um guerreiro ou militar vitorioso em suas campanhas. Geralmente pode ser um chefe de partido ou de algum movimento social ou popular numa determinada sociedade.


3 – Tipo de Dominação Legal: Existe outra categoria de autoridade que se empossa baseado num Estatuto, Leis, conjunto de regras previamente definidas ou uma Constituição. É o que Weber chama de dominação racional/legal. Geralmente vence ou é escolhido por sua competência. Um típico exemplo deste tipo de autoridade é o Juiz de Direito que só inicia a carreira da Magistratura por sua sabedoria das Leis e outros quesitos e sua competência por ter sido aprovado numa prova.


Há duas maneiras de se fazer política: Ou se “vive para a política” ou se “vive da política”. Esta é uma explicação muito fácil. O primeiro caso, trata-se geralmente de pessoas que subirão ao comando do Poder do Estado sem outra fonte de renda (ou até geralmente com outra fonte de renda) e sobreviverão graças ao seu salário de político. E assim este política viverá sugando os recursos do Estado para sempre. A outra forma, é aquele em que se tem uma outra fonte de renda e se vive para defender o espírito republicano. Weber acredita que a segunda hipótese, ou seja, os homens que já possuem uma fonte segura de renda, são melhores administradores pois estão livres dos dilemas de seus ganha pães cotidianos.


Conceito de Estado:


O conceito de Estado para Weber está amparado na seguinte sentença: “...devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território (...) reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física.2 Para Weber, assim como para Trotsky, o Estado se fundamenta no uso da força e da violência física. Não existe Estado sem estas qualidades. Acredita-se que Weber, ao pensar num Estado que necessite de tais características, recorre a Thomas Hobbes, Filósofo inglês, autor da obra “Leviatã” de 1651, onde fica exposto que os súditos abrem mão de seus direitos para uso exclusivo da força física nas mãos do Estado afim de preservar a vida e evitar a guerra de todos contra todos. Não que Weber irá concordar que as pessoas hoje em dia abrissem mão de seus direitos, mas assim como Hobbes, que elas devem abrir mão do uso da violência para que o somente o Estado tenha a posse de tal ferramenta.


Weber também irá analisar as condutas dos políticos do passado e de seu presente, argumentando em diversos exemplos o quanto o Estado foi vítima de espoliação e corrupção durante toda a história da Humanidade. Ficará claro que a única forma de se amenizar o mal que se chama corrupção e ausência de espírito republicano entre os políticos que “vivem da política” e não os que “vivem para a política” é aperfeiçoar e aprofundar mecanismos que fortaleçam hábitos e “ethos” em prol da constitucionalidade e respeito às regras do jogo democrático.


Finaliza Weber neste ensaio argumentando que a Política deve ser para os que tem baseado na racionalidade a construção de um novo mundo. Lembra Maquiavel em diversos momentos e que somente a fria mas racional verdade e a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade” devem amparar o governante. E não os obscurantismos das boas almas. A “ética da convicção” é aquela em que o indivíduo acredita tão profundamente e cegamente que sua doutrina ou ideologia seja a mais correta e a irretocável e que por esse motivo quaisquer que forem os atos em seu favor estarão legitimados por uma prévia idéia de que ele e sua proposta de sociedade é que estão ao lado da verdade e da razão. Será por isso que o pedantismo do Marxismo seja também o de ter se auto-intitulado Socialismo Científico? Para o partidário deste tipo de ética, o seu fazer o bem não leva em consideração parte da sociedade que provavelmente ira sofrer diante de uma ação mais radical ou violenta. Por exemplo, um revolucionário que resolve por uma bomba num café de uma avenida cara e chique de uma grande metrópole mundial, matará vários “burgueses” na sua concepção, o que vingará em parte a dor e sofrimento que o proletariado sofre nas periferias das grandes cidades. Tal atitude não leva em conta parcela da sociedade que se prejudicará com seu ato. Já a “ética da responsabilidade” leva em conta tais consequências, mas peca por ser universal, ou seja, é baseada numa regra que não venha a ferir os indivíduos que formam uma determinada sociedade. Provavelmente aí resida a influência do “Imperativo Categórico” Kantiano sobre esta segunda noção de ética que o autor nos fala.


Weber irá tratar também da política partidária suja e inescrupulosa que só vive de abocanhar cargos. Acredita que os Partidos (já em sua época) ficam mais preocupados e furiosos quando os cargos que lhes eram prometidos não são entregues do que se os programas partidários estão sendo desrespeitados.


Considerações:


Podemos pensar em Weber e nos seus conceitos puros de dominação para encaixarmos alguns líderes políticos atuais em seus esquemas? Para alguns Sociólogos e Cientistas Políticos, sim. O ex Presidente Lula foi tido por um Cientista Político Brasileiro em seu primeiro mandato como uma figura do “Tipo de dominação Carismática”. Acreditava tal Cientista que as massas tinham respeito e carinho pelo Presidente pela forma fácil e atraente com que se dirigia ao povo falando geralmente de forma simples e bem humorada, o que acabou cativando o público. Para outros, o Presidente Chaves da Venezuela seria o “Tipo de dominação Tradicional” pois sempre utiliza seu passado de militar revolucionário e mais recentemente ao resistir e sobreviver ao golpe que sofreu quando tentaram retirá-lo do poder.


Os diversos casos de corrupção como os “mensalões” e “mensalinhos” da vida, podem ser analisados sob a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade” de Weber: a primeira pela crença em fazer o bem na política (sem levar em consideração as consequências que irão surgir a partir de seus atos) e a segunda, pelo respeito ao que é do público e não do privado.


Outra questão que devemos tratar das duas éticas de que o autor nos comenta em sua fala, é de certa forma uma inocência a respeito das mesmas. Como é possível uma ética universal (a “ética da responsabilidade”) numa sociedade dividida economicamente, culturalmente e socialmente? Em outras palavras, como é possível uma ética numa sociedade de classes? A meu ver, parece impossível.


Outra questão, quando Weber critica o impulso do militante da “ética da convicção” por somente levar em consideração dos seus atos aquilo que ele acredita e, respeitar somente o que sua doutrina ordena, ele, o militante da “causa revolucionária”, põe em desrespeito todo o restante da sociedade ou parcela importante dela. Portanto, é uma ética parcial perante o restante da sociedade. Aí voltamos a pergunta anterior: é possível uma ética única numa sociedade de classes? Eu acredito que não.

1 Weber, Max. Ciência e Política: duas vocações. Editora Cultrix. São Paulo-SP. Pg.56.

2 Op. Cit. Pg.56.

Pequenas considerações sobre Ideologia Alemã de Marx.

Trabalho de faculdade para a disciplina de Sociologia III realizado no primeiro semestre de 2004. Resenha da obra "Ideologia alemã" de Karl Marx. Como nos outros fichamentos deste blog, vale a pena comprar a obra, ler, estudar e dialogar a respeito.


Ideologia Alemã. Karl Marx. Editora Vozes.

A primeira parte das três divisões de A Ideologia Alemã, Marx nos traz a crítica à concepção materialista intuitiva dos neo-hegelianos. Assim como nas demais duas partes, estas também fazem a crítica ao neo-hegelianismo, na produção da consciência, nas relações produtivas, na noção de propriedade e no projeto comunista de emancipação do proletariado.


O primeiro pressuposto de toda a história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas de produzir seus meios de vida.”


Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.”


Para Marx, a divisão do trabalho em suas diferentes fases de desenvolvimento cria formas de propriedade. A primeira para o autor é a propriedade tribal que tem a escravidão latente na família e que se desenvolve com o crescimento da população. A segunda é a propriedade comunal e estatal da antiguidade que tem como base a escravidão, onde as relações entre classes estão completamente desenvolvidas. A terceira forma é a propriedade feudal ou estamental, na qual a classe produtora são os camponeses servos.


Marx acredita que a única forma de se romper o processo de alienação da consciência da classe trabalhadora é a situação extrema que faz perceber aos explorados suas contradições (a nítida destituição dos proletários sem a propriedade enquanto a elite transborda, esbanja riqueza) com a classe dominante.


Os elementos materiais de uma subversão total são, de um lado, as forças produtivas existentes e, de outro, a formação de uma massa revolucionária que se revolte, não só contra as condições particulares da sociedade existente até então, mas também contra a própria ‘produção da vida’ vigente, contra a ‘atividade total’ sobre a qual se baseia.”


A concepção materialista de história definida por Marx é divida em quatro itens:


  • No desenvolvimento das formas produtivas emana uma nova classe social sem as regalias dos dominadores. Desta classe dominada nasce a consciência comunista graças a sua situação de classe (contraditória à situação da classe dominante, possuidora dos meios de produção).

  • O Estado é expressão prático-idealista nas mãos da elite econômica. Faz-se necessário a luta revolucionária para uma nova direção do Estado.

  • A revolução comunista faz com que a atividade do modo de produção seja orientada para suprimir o resultado do trabalho e superar a dominação de classes e as próprias classes.

  • A transformação dos homens deve ser feita por uma revolução. Uma revolução que faça “varrer toda a podridão do velho sistema e tornar-se capaz de fundar a sociedade sobre bases novas”.

Outro fichamento da obra "O lugar do marxismo na História" de Ernest Mandel.

Fichamento realizado na faculdade. O objetivo desta publicação é apenas de caráter pedagógico e do incentivo a leitura da obra do autor. Se você gostou das passagens abaixo selecionadas, pode e deve comprar o livro.

AS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO

“O marxismo aparece ao mesmo tempo como uma transformação revolucionária e como uma unificação progressiva:

  • das ciências humanas, mais exatamente das ciências sociais;

  • do movimento político de emancipação, antes de tudo das organizações revolucionárias, nascidas da extrema-esquerda da Revolução Francesa;

  • do movimento operário elementar espontâneo, criado pelos próprios trabalhadores, independentemente de qualquer teoria filosófica ou sociológica;

  • do socialismo pré-marxista, ou seja, da elaboração de projetos de uma sociedade melhor, de “soluções para a questão social” essencialmente no nível teórico e ideológico: teorias filosóficas, sociológicas, econômicas combinadas com atividades educativas e filantrópicas (fundação das primeiras colônias “comunistas”).”


“Na área das ciências sociais, a apropriação crítica refere-se, sobretudo, a filosofia clássica alemã, à economia política inglesa e a historiografia sociológica francesa, que descobria e aplicara os conceitos de classes sociais e luta de classes.”


“O marxismo aparece, assim, como uma síntese quádrupla:


  • síntese entre as principais ciências sociais;

  • síntese entre as ciências sociais e o projeto de emancipação da humanidade;

  • síntese entre o projeto de emancipação humana e o movimento real de auto-organização e auto-emancipação do proletariado moderno;

  • síntese entre esse movimento operário real e a ação de organização política revolucionárias.”


AS TRANSFORMAÇÕES DAS CIÊNCIAS SOCIAIS PELO MARXISMO


  1. A transformação da filosofia clássica alemã


“Marx e Engels procuraram corrigir essas fraquezas da dialética idealista “recolocando-a sobre seus pés” (subentendido: Hegel a tinha colocado sobre a cabeça, ou seja, de cabeça para baixo). Assim, a mesmo tempo, eles transformaram a dialética idealista em dialética materialista. Esta baseia-se nas seguintes constatações:


    1. A realidade material (a natureza e a sociedade) existem independentemente dos desejos, paixões, intenções e idéias dos que procuram interpretá-la. Ela é uma realidade objetiva, que o pensamento procura explicar.”

    2. “[...] O critério final do grau de veracidade do pensamento, da ciência, é, portanto, prático.”

    3. “[...] Os seres humanos reais e concretos são os seres humanos social e historicamente específicos, ou seja, determinados pelas condições sociais específicas nas quais eles vivem, condições que mudam de acordo com a época histórica.

    4. O movimento de emancipação real que se realiza progressivamente ao longo da história, com saltos para a frente aos quais se sucedem retrocessos graves, não é exclusivamente, nem essencialmente, nem mesmo antes de tudo, do movimento de emancipação espiritual.”


  1. A transformação da historiografia sociológica francesa


“O conjunto dessas relações de produção determina, em última instância, o conjunto das relações sociais – na sociedade de classes – e, assim a própria estrutura da sociedade. Esta é a primeira tese central do materialismo histórico.”


É a base social (a infra-estrutura), são as relações sociais de produção, que determinam em última instância essa superestrutura social, ou seja, que determinam a evolução e as formas predominantes do direito, dos costumes, da religião, da filosofia, das ciências, da arte, da literatura de cada época. É a existência social que condiciona a consciência social. Essa é a segunda tese central do materialismo histórico. Como a classe dominante controla o sobreproduto social e, portanto, toda a sociedade, a ideologia da classe dominante geralmente é a ideologia dominante de cada época.”


“O Estado é um produto da divisão da sociedade em classes, um instrumento de consolidação, de manutenção e de reprodução da dominação de uma determinada classe. Essa é a terceira tese central do materialismo histórico.


  1. A transformação da economia política inglesa


“Marx estabeleceu que o trabalho não é, antes de tudo, uma unidade de medida comum dos diferentes elementos dos custos de produção das mercadorias. Ele é a própria essência do valo. O valor é o trabalho, mas exatamente uma fração do potencial de trabalho (da massa de jornadas de trabalho/horas de trabalho) disponível em uma sociedade determinada durante um período determinado.”


“Todo assalariado produz, portanto, “valor adicional”. Mas como o capitalista paga um salário ao operário e a operária – salário que representa o custo de reprodução da força de trabalho –, ele comprará essa força de trabalho apenas se “o valor adicionado” pelo operário ou operária ultrapassa o valor da própria força de trabalho. Essa fração de valor recentemente produzida pelo assalariado é chamada por Marx de mais-valia. A mais-valia é a diferença entre o valor produzido pela força de trabalho e o valor próprio dessa força de trabalho, quer dizer, a diferença entre o valor produzido pelo trabalhador ou trabalhadora e os custos de reprodução da força de trabalho.”


A SUPERAÇÃO DO SOCIALISMO UTÓPICO


“As diferenças e contradições do socialismo utópico refletem, portanto, em última análise, a imaturidade das condições materiais (econômicas e sociais) nas quais as classes oprimidas pré-proletárias combateram por uma sociedade sem classes. Seu “utopismo” refere-se não ao objetivo a realizar, mas as condições necessárias a sua realização.”


A FUSÃO DO MOVIMENTO OPERÁRIO REAL E DO SOCIALISMO CIENTÍFICO


“Contrariamente à lenda difundida pelo inimigo de classe, os luddistas não eram de modo algum adversários das máquinas, por princípio. O objetivo de suas ações não era a eliminação das máquinas na indústria têxtil, mas sim o aumento dos salários, a luta contra a carestia e o desemprego, e outros objetivos clássicos dos primeiros sindicatos. A tática de inutilizar as máquinas se impões porque os trabalhadores essencialmente alugavam as máquinas dos patrões para trabalhar em casa. Nessas condições, o fato de inutilizar as máquinas foi considerado como meio mais eficaz de combater os fura-greves, o único meio de tornar a greve realmente geral. A burguesia ficou tão assustada com os “quebradores de máquinas’ que fez aprovar uma lei sancionando esse “crime” com a pena de morte.”


O ITINERÁRIO PESSOAL DE MARX E ENGELS


“Nos países em que seus partidários começavam a se organizar, Marx e Engels insistiam para que eles estudassem a formação social concreta o país, para que se apropriassem das tradições de luta locais e traduzissem seu programa na linguagem das organizações operárias e contestatórias existentes; esse é o sentido geral de suas Cartas aos Americanos, de 1848 a 1885.”


RECEPÇÃO E DIFUSÃO DO MARXISMO PELO MUNDO


“A recepção e a difusão do marxismo no mundo devem, portanto, ser examinadas sucessivamente:


  1. no plano estrito da difusão dos escritos de Marx e Engels;

  2. no plano da influÊncia dessas idéias fora do movimento operário propriamente dito, ou seja, nos meios intelectuais, universitários e, em geral, no “espírito do tempo” (as ideologias dominantes nas fases sucessivas pelas quais a sociedade burguesa passa);

  3. no seio do movimento operário organizado;

  4. no seio da classe operária de modo geral;

  5. a nível internacional”


“Entretanto, o marxismo influenciará de maneira crescente, ainda que indireta, as ciências sociais acadêmicas, principalmente a historiografia e a sociologia, impondo uma tomada de consciência da importância do “fator econômico” e dos grupos sociais (ao contrários dos “grandes homens”) na história. Ele remodela assim o conceito mesmo de história, de uma história de Estados e acontecimentos essencialmente político-militares para uma história de sociedades.”

Fichamento da obra "A teoria da revolução no jovem Marx" de Michel Lowy, Editora Vozes.

Fichamento realizado na época da faculdade e publicado agora por mim apenas para objetivo pedagógico. Para quem quiser conhecer um pouco mais da obra deste grande Sociólogo, vale muito a pena comprar o livro.

INTRODUÇÃO:

1 - Observações Metodológicas

A) Premissa de um estudo marxista do marxismo

“Parece-nos que o estudo marxista da evolução político-filosófica do jovem Marx implica duas medidas essenciais:


a- Inserir essa evolução na totalidade histórico-social, de que faz parte, nos quadros sociais que a condicionam: a sociedade capitalista do século XIX, o movimento operário anterior a 1848, a intelligentsia neo-hegeliana, etc. Isso não significa que a evolução do pensamento do jovem Marx é um simples “reflexo” dessas condições econômicas, sociais, políticas, mas que ela não pode ser “explicada” em sua gênese e “compreendida” em seu conteúdo sem essa análise sócio-histórica.

b- Não separar artificialmente, na análise do conteúdo da obra, os ‘juízos de valor”, a “ciência” da “ética” – a categoria marxista da práxis é precisamente a superação dialética dessas contradições. Da mesma forma, não separar a obra teórica de Marx de sua atividade prática, “o homem de ciência” do “homem político”: a ciência, para ele deveria ser revolucionária e a revolução, “científica”...”


B) Quadros sociais do marxismo: O proletariado


“No decorrer deste trabalho, verificamos que, pelo menos em suas linhas gerai, o conhecimento dos quadros sociais e históricos era absolutamente indispensável para:


1. Compreender a evolução do pensamento de Marx, suas transformações, suas crises, seus saltos qualitativos, seus “cortes”, suas “conversões políticas”, suas reorientações, etc...

2. Separar o essencial do secundário ou acidental e descobrir elementos importantes que, de outro modo, poderiam passar despercebidos.

3. Desvendar a significação real – concreta e histórica – das categorias vagas, dos termos ambíguos, de fórmulas “enigmáticas”, etc.

4. Situar cada elemento no todo e estabelecer as conexões internas do conjunto.”


C) A ciência revolucionária do jovem Marx


(J.Hyppolite, Études sur Marx et Hegel, Paris, Marcel Rivière, 1955, p.154 Apud. Michel Löwy) “Sua ciência (a de Marx) não é somente uma ciência da realidade social: ao tomar consciência disso, ela contribui para criar esta mesma realidade ou, pelo menos, para modificá-la profundamente [...].”


2 - A revolução comunista e a auto-emancipação do proletariado

A) O mito supremo do Salvador


“Com a libertação sendo levada a cabo no modo alienado, o novo Estado estabelecido pelo “Libertador” não pode ser, também ele, senão alienado.”


B) A auto-emancipação operária


“A atitude dos trabalhadores durante as conjunturas revolucionárias traduz o caráter eminentemente prático da tomada de consciência: a experiência da ação popular armada, a acentuação dos conflitos sociais, a desmistificação dos “grandes homens” das camadas dominantes, numa palavra, a práxis revolucionária, traduz-se no nível da consciência de vanguarda e das massas pela radicalização das aspirações igualitárias e a eclosão do projeto de auto libertação.”


C) O comunismo de massas de Marx


“A idéia central do “comunismo de massas” de Marx é a autolibertação das massas por meio da revolução comunista. Esta idéia, ou antes, esta constelação significativa de idéias, comporta três momentos dialeticamente ligados, três perspectivas que se implicam mutuamente:


a- Constatação da natureza potencialmente revolucionária do proletariado;

b- Tendência do proletariado para a consciência comunista no curso de sua práxis revolucionária

c- Papel dos comunistas para desenvolver essa tendência até a coerência total. Nesse triplo andamento a estrutura crítico-prática do pensamento de Marx aparece claramente: com base na reflexão crítica sobre o real, é extraída uma possibilidade – e sobre essa possibilidade ele funda um projeto de ação transformadora.”


I – A PASSAGEM PARA O COMUNISMO (1842-1844)

1 - A Gazeta renana


A) O estado e o interesse privado

“A maior repreensão feita por Marx ao interesse privado, representado nesse artigo pelos proprietários de florestas, cuja “alma miserável nunca foi aclarada nem atravessada por um pensamento de Estado”, é contra a pretensão de transformar o Estado em instrumento de seu uso, as autoridades do Estado em domésticos a seu serviço, os órgãos do Estado em “orelhas, olhos, braços e pernas com os quais o interesse do proprietário de florestas escuta, espiona, avalia, protege, apodera-se e corre”

“Num verdadeiro Estado não existe propriedade fundiária, nem indústria, nem substância material que possa, enquanto elemento bruto, entrar em acordo com o Estado. Existem somente forças espirituais e é somente em sua reconstrução estatal, em seu renascimento político, que as forças são admitidas no Estado”.


2- Ruptura e transição (1843)


A) A crítica da filosofia do estado de Hegel


“À luz dessas considerações, é preciso encarar o significado da solução proposta por Marx: a “verdadeira democracia”. De maneira alguma trata-se aqui da democracia republicana burguesa, mas de uma transformação radical, que implica a supressão do Estado político alienado e da sociedade civil “privatizada”. Para ele, a palavra democracia tem um sentido específico: abolição da separação entre o social e o político, o universal e o particular.”


B) A correspondência com Ruge


“Rejeita a atitude dos filósofos que “tinham a solução de todos os enigmas inteiramente preparadas em sua escrivaninha” e para os quais “esse tolo mundo esotérico tinha apenas que estender as mãos para que os frutos da ciência absoluta lhes caíssem totalmente maduros”.”


3- A adesão ao comunismo


B) Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel


“...uma tal revolução só pode ser cumprida apenas por uma classe que não seja uma “classe particular” da sociedade civil, mas uma classe universal, que não tem nenhum privilégio para defender, que não tem nenhuma classe abaixo dela, o proletariado.”


II – A TEORIA DA REVOLUÇÃO COMUNISTA (1844-1846)


1- Marx e o movimento operário (1844-1845)


C) O cartismo


“Os dois temas centrais da União operária são:

  1. A unificação do proletariado: Flora Tristan começa por meio de uma crítica radical das associações artesanais (Associação de oficiais, mutuais, etc.) – crítica que se inspira em “reformadores” como Perdiguier, Moreau, Gosset, mas os supera amplamente, “sociedades particulares cujo único objetivo é aliviar os sofrimentos individuais”, sociedades que “nao podem (e não pretendem) mudar em nada nem mesmo melhorar a posição material e moral da classe operária”; crítica também do corporativismo, “esta organização bastarda, mesquinha, egoísta, absurda, que divide a classe operária numa multidão de pequenas sociedades particulares [...] esse sistema de retalhamento que dizima os operários”. A tal divisão de proletários, “verdadeira causa de seus males”, Flora Tristan opõe a UNIÃO OPERÁRIA cujo objetivo essencial é “construir A UNIDADE compacta, indissolúvel, da CLASSE OPERÁRIA”: “Operários, vocês estão vendo, se vocês quiserem se salvar, vocês têm apenas um único meio: é preciso se UNIR”; “Operários, ponham então de lado todas as suas pequenas rivalidades e, fora de suas associações particulares, formem uma UNIÃO compacta, sólida, indissolúvel”

  2. A auto-emancipação do proletariado. [...] “Se os burgueses, na verdade, eram ‘a cabeça’, tinham como ‘braço’ o povo, do qual sabiam habilmente se servir. Quanto a vocês, proletários, vocês não tem ninguém para os ajudar. É preciso então que sejam, ao mesmo tempo, ‘a cabeça’ e ‘o braço’”.”

D) A revolta dos tecelões silesianos

“Sois a fonte da miséria

Que oprime aqui o pobre

Sois vós que dele arranca

O pão seco da boca

mas vossa prata e vosso bem

um belo dia desaparecerão

como manteiga no sol.

O que será de vós então?”


“ “Então, em junho de 1844, em Peterswalden e Landebielau, na Silésia, levantaram-se um dia cinco mil tecelões, segurando bastões, facas, pedras em seus punhos magros. E travaram uma batalha corajosa contra alguns batalhões de soldados! E saquearam os palácios dos palácios dos príncipes da fábrica, e destruíram os livros de dívidas e as letras de crédito. Não cometeram porém nenhum roubo, nenhuma fraude [...]. Numa palavra: pela primeira vez, em solo da pátria alemã, nessa Silésia habitualmente tão tranqüila, apareceu um sinal precursor da transformação social que dirige o mundo irresistivelmente rumo ao desenvolvimento superior da humanidade”.”


2- O corte: teoria da revolução (1844-1846)


A) Os manuscritos de 1844


“ “O ateísmo é o humanismo reconduzido a si mesmo pelo termo médio da supressão da religião, o comunismo é o humanismo reconduzido a si mesmo por aquele da abolição da propriedade privada”.”


C) A sagrada família


“Em outros termos, para ele, o ponto de partida teórico, a raiz histórica, o fundamento filosófico do comunismo há de se encontrar no teorema materialista: “As circunstâncias formam os homens; para transformar os homens, é preciso transformar as circunstâncias”.”

D) Teses sobre Feuerbach


“É revolucionária porque transforma a natureza e a sociedade e, enfim, é crítico-prática em três sentidos: enquanto prática orientada por uma teoria crítica, enquanto crítica orientada para a prática que “critica” (nega) o estado de coisas existente.”


E) A ideologia alemã


“Evidentemente, essa consciência comunista não é fruto de uma reflexão teórica abstrata dos operários, mas do processo concreto e prático da luta de classes: é a posição entre a burguesia e o proletariado que engendrou as idéias comunistas e socialistas.”


III – A TEORIA DO PARTIDO (1846-1848)


1 - Marx e o partido comunista (1846-1848)


B) A liga dos comunistas


“A Liga quer superar, enfim, a divisão do socialismo alemão – entre os “partidos filosóficos” (“verdadeiro socialismo”, etc.) e as seitas artesãs limitadas – reunindo numa única organização a vanguarda comunista da Intelligentsia e a da classe operária. Uma análise da composição sócio-profissional da Liga dos Comunistas, de 1847 a 1852, sugere que essa fusão foi levada a cabo (ao menos parcialmente) – ela nos fornece, ao mesmo tempo, indícios da primeira base social do marxismo.”


“Em suma a Liga dos Comunistas foi, para Marx, uma primeira tentativa prática de superar a contradição entre a organização nacional e internacional do proletariado e de ultrapassar a divisão do movimento comunista entre a conspiração e a “propaganda pacífica” através da criação de um partido que não seja uma seita artesã limitada nem um pseudo-partido de filósofos pequeno-burgueses. Essa tentativa teve êxito apenas muito parcialmente, no entanto preparou o caminho para a aparição, doze anos depois da dissolução da Liga, da Associação internacional dos trabalhadores.”


2 - Os comunistas e o movimento proletário (1847-1848)


“Em suma o partido comunista de Marx não é o herdeiro do “supremo salvador” burguês e utopista; é a vanguarda do proletariado que luta para emancipar-se; é o instrumento da tomada de consciência e da ação revolucionária das massas. Seu papel não é o de agir no lugar ou “acima” da classe operária, mas de orientá-la para o caminho de sua auto-libertação, para a revolução comunista “de massas”.”

IV – PARTIDO, MASSAS E REVOLUÇÃO. MARX DEPOIS DE 1848


E) Marx , Engels e a social-democracia alemã


“Numa carta de 18 de outubro de 1877 a F.A.Sorge, Marx queixa-se de que, “na Alemanha, um espírito ‘podre’ prevalece em nosso Partido, nao tanto nas massas quanto entre os chefes”. Critica particularmente o compromisso dos “chefes” com “todo um bando de estudantes imaturos e doutores muito sábios que querem dar ao socialismo uma feição ‘ideal mais alta’”.”


“Quanto a nós, conforme todo nosso passado, um único caminho nos resta aberto. Há quase quarenta anos, assinalamos a luta de classe como o motor da história mais decisivo e designamos especialmente a luta social entre a burguesia e o proletariado como a grande alavanca da revolução social moderna. Não podemos, portanto, de nenhum modo, nos associar a pessoas que gostariam de suprimir o movimento dessas lutas de classes. Quando a criação da Internacional, formulamos a divisa de nosso combate: a emancipação da classe operária será a obra da própria classe operária. Não podemos conseqüentemente, caminhar junto com pessoas que declaram abertamente que os operários são incultos demais para que eles mesmos se libertem e que devem ser libertados de cima, isto é, por grandes e pequenos burgueses filantropos. Se o novo órgão do Partido toma uma atitude que corresponde a opinião desses senhores (Höchberg e companhia), torna-se burguês e não proletário; tão penoso quanto isso possa ser, só nos resta declararmo-nos publicamente contra o romper da solidariedade, graças à qual representamos o Partido alemão no exterior”.