sábado, 4 de junho de 2022

Fichamento da obra "A teoria da revolução no jovem Marx" de Michel Lowy, Editora Vozes.

Fichamento realizado na época da faculdade e publicado agora por mim apenas para objetivo pedagógico. Para quem quiser conhecer um pouco mais da obra deste grande Sociólogo, vale muito a pena comprar o livro.

INTRODUÇÃO:

1 - Observações Metodológicas

A) Premissa de um estudo marxista do marxismo

“Parece-nos que o estudo marxista da evolução político-filosófica do jovem Marx implica duas medidas essenciais:


a- Inserir essa evolução na totalidade histórico-social, de que faz parte, nos quadros sociais que a condicionam: a sociedade capitalista do século XIX, o movimento operário anterior a 1848, a intelligentsia neo-hegeliana, etc. Isso não significa que a evolução do pensamento do jovem Marx é um simples “reflexo” dessas condições econômicas, sociais, políticas, mas que ela não pode ser “explicada” em sua gênese e “compreendida” em seu conteúdo sem essa análise sócio-histórica.

b- Não separar artificialmente, na análise do conteúdo da obra, os ‘juízos de valor”, a “ciência” da “ética” – a categoria marxista da práxis é precisamente a superação dialética dessas contradições. Da mesma forma, não separar a obra teórica de Marx de sua atividade prática, “o homem de ciência” do “homem político”: a ciência, para ele deveria ser revolucionária e a revolução, “científica”...”


B) Quadros sociais do marxismo: O proletariado


“No decorrer deste trabalho, verificamos que, pelo menos em suas linhas gerai, o conhecimento dos quadros sociais e históricos era absolutamente indispensável para:


1. Compreender a evolução do pensamento de Marx, suas transformações, suas crises, seus saltos qualitativos, seus “cortes”, suas “conversões políticas”, suas reorientações, etc...

2. Separar o essencial do secundário ou acidental e descobrir elementos importantes que, de outro modo, poderiam passar despercebidos.

3. Desvendar a significação real – concreta e histórica – das categorias vagas, dos termos ambíguos, de fórmulas “enigmáticas”, etc.

4. Situar cada elemento no todo e estabelecer as conexões internas do conjunto.”


C) A ciência revolucionária do jovem Marx


(J.Hyppolite, Études sur Marx et Hegel, Paris, Marcel Rivière, 1955, p.154 Apud. Michel Löwy) “Sua ciência (a de Marx) não é somente uma ciência da realidade social: ao tomar consciência disso, ela contribui para criar esta mesma realidade ou, pelo menos, para modificá-la profundamente [...].”


2 - A revolução comunista e a auto-emancipação do proletariado

A) O mito supremo do Salvador


“Com a libertação sendo levada a cabo no modo alienado, o novo Estado estabelecido pelo “Libertador” não pode ser, também ele, senão alienado.”


B) A auto-emancipação operária


“A atitude dos trabalhadores durante as conjunturas revolucionárias traduz o caráter eminentemente prático da tomada de consciência: a experiência da ação popular armada, a acentuação dos conflitos sociais, a desmistificação dos “grandes homens” das camadas dominantes, numa palavra, a práxis revolucionária, traduz-se no nível da consciência de vanguarda e das massas pela radicalização das aspirações igualitárias e a eclosão do projeto de auto libertação.”


C) O comunismo de massas de Marx


“A idéia central do “comunismo de massas” de Marx é a autolibertação das massas por meio da revolução comunista. Esta idéia, ou antes, esta constelação significativa de idéias, comporta três momentos dialeticamente ligados, três perspectivas que se implicam mutuamente:


a- Constatação da natureza potencialmente revolucionária do proletariado;

b- Tendência do proletariado para a consciência comunista no curso de sua práxis revolucionária

c- Papel dos comunistas para desenvolver essa tendência até a coerência total. Nesse triplo andamento a estrutura crítico-prática do pensamento de Marx aparece claramente: com base na reflexão crítica sobre o real, é extraída uma possibilidade – e sobre essa possibilidade ele funda um projeto de ação transformadora.”


I – A PASSAGEM PARA O COMUNISMO (1842-1844)

1 - A Gazeta renana


A) O estado e o interesse privado

“A maior repreensão feita por Marx ao interesse privado, representado nesse artigo pelos proprietários de florestas, cuja “alma miserável nunca foi aclarada nem atravessada por um pensamento de Estado”, é contra a pretensão de transformar o Estado em instrumento de seu uso, as autoridades do Estado em domésticos a seu serviço, os órgãos do Estado em “orelhas, olhos, braços e pernas com os quais o interesse do proprietário de florestas escuta, espiona, avalia, protege, apodera-se e corre”

“Num verdadeiro Estado não existe propriedade fundiária, nem indústria, nem substância material que possa, enquanto elemento bruto, entrar em acordo com o Estado. Existem somente forças espirituais e é somente em sua reconstrução estatal, em seu renascimento político, que as forças são admitidas no Estado”.


2- Ruptura e transição (1843)


A) A crítica da filosofia do estado de Hegel


“À luz dessas considerações, é preciso encarar o significado da solução proposta por Marx: a “verdadeira democracia”. De maneira alguma trata-se aqui da democracia republicana burguesa, mas de uma transformação radical, que implica a supressão do Estado político alienado e da sociedade civil “privatizada”. Para ele, a palavra democracia tem um sentido específico: abolição da separação entre o social e o político, o universal e o particular.”


B) A correspondência com Ruge


“Rejeita a atitude dos filósofos que “tinham a solução de todos os enigmas inteiramente preparadas em sua escrivaninha” e para os quais “esse tolo mundo esotérico tinha apenas que estender as mãos para que os frutos da ciência absoluta lhes caíssem totalmente maduros”.”


3- A adesão ao comunismo


B) Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel


“...uma tal revolução só pode ser cumprida apenas por uma classe que não seja uma “classe particular” da sociedade civil, mas uma classe universal, que não tem nenhum privilégio para defender, que não tem nenhuma classe abaixo dela, o proletariado.”


II – A TEORIA DA REVOLUÇÃO COMUNISTA (1844-1846)


1- Marx e o movimento operário (1844-1845)


C) O cartismo


“Os dois temas centrais da União operária são:

  1. A unificação do proletariado: Flora Tristan começa por meio de uma crítica radical das associações artesanais (Associação de oficiais, mutuais, etc.) – crítica que se inspira em “reformadores” como Perdiguier, Moreau, Gosset, mas os supera amplamente, “sociedades particulares cujo único objetivo é aliviar os sofrimentos individuais”, sociedades que “nao podem (e não pretendem) mudar em nada nem mesmo melhorar a posição material e moral da classe operária”; crítica também do corporativismo, “esta organização bastarda, mesquinha, egoísta, absurda, que divide a classe operária numa multidão de pequenas sociedades particulares [...] esse sistema de retalhamento que dizima os operários”. A tal divisão de proletários, “verdadeira causa de seus males”, Flora Tristan opõe a UNIÃO OPERÁRIA cujo objetivo essencial é “construir A UNIDADE compacta, indissolúvel, da CLASSE OPERÁRIA”: “Operários, vocês estão vendo, se vocês quiserem se salvar, vocês têm apenas um único meio: é preciso se UNIR”; “Operários, ponham então de lado todas as suas pequenas rivalidades e, fora de suas associações particulares, formem uma UNIÃO compacta, sólida, indissolúvel”

  2. A auto-emancipação do proletariado. [...] “Se os burgueses, na verdade, eram ‘a cabeça’, tinham como ‘braço’ o povo, do qual sabiam habilmente se servir. Quanto a vocês, proletários, vocês não tem ninguém para os ajudar. É preciso então que sejam, ao mesmo tempo, ‘a cabeça’ e ‘o braço’”.”

D) A revolta dos tecelões silesianos

“Sois a fonte da miséria

Que oprime aqui o pobre

Sois vós que dele arranca

O pão seco da boca

mas vossa prata e vosso bem

um belo dia desaparecerão

como manteiga no sol.

O que será de vós então?”


“ “Então, em junho de 1844, em Peterswalden e Landebielau, na Silésia, levantaram-se um dia cinco mil tecelões, segurando bastões, facas, pedras em seus punhos magros. E travaram uma batalha corajosa contra alguns batalhões de soldados! E saquearam os palácios dos palácios dos príncipes da fábrica, e destruíram os livros de dívidas e as letras de crédito. Não cometeram porém nenhum roubo, nenhuma fraude [...]. Numa palavra: pela primeira vez, em solo da pátria alemã, nessa Silésia habitualmente tão tranqüila, apareceu um sinal precursor da transformação social que dirige o mundo irresistivelmente rumo ao desenvolvimento superior da humanidade”.”


2- O corte: teoria da revolução (1844-1846)


A) Os manuscritos de 1844


“ “O ateísmo é o humanismo reconduzido a si mesmo pelo termo médio da supressão da religião, o comunismo é o humanismo reconduzido a si mesmo por aquele da abolição da propriedade privada”.”


C) A sagrada família


“Em outros termos, para ele, o ponto de partida teórico, a raiz histórica, o fundamento filosófico do comunismo há de se encontrar no teorema materialista: “As circunstâncias formam os homens; para transformar os homens, é preciso transformar as circunstâncias”.”

D) Teses sobre Feuerbach


“É revolucionária porque transforma a natureza e a sociedade e, enfim, é crítico-prática em três sentidos: enquanto prática orientada por uma teoria crítica, enquanto crítica orientada para a prática que “critica” (nega) o estado de coisas existente.”


E) A ideologia alemã


“Evidentemente, essa consciência comunista não é fruto de uma reflexão teórica abstrata dos operários, mas do processo concreto e prático da luta de classes: é a posição entre a burguesia e o proletariado que engendrou as idéias comunistas e socialistas.”


III – A TEORIA DO PARTIDO (1846-1848)


1 - Marx e o partido comunista (1846-1848)


B) A liga dos comunistas


“A Liga quer superar, enfim, a divisão do socialismo alemão – entre os “partidos filosóficos” (“verdadeiro socialismo”, etc.) e as seitas artesãs limitadas – reunindo numa única organização a vanguarda comunista da Intelligentsia e a da classe operária. Uma análise da composição sócio-profissional da Liga dos Comunistas, de 1847 a 1852, sugere que essa fusão foi levada a cabo (ao menos parcialmente) – ela nos fornece, ao mesmo tempo, indícios da primeira base social do marxismo.”


“Em suma a Liga dos Comunistas foi, para Marx, uma primeira tentativa prática de superar a contradição entre a organização nacional e internacional do proletariado e de ultrapassar a divisão do movimento comunista entre a conspiração e a “propaganda pacífica” através da criação de um partido que não seja uma seita artesã limitada nem um pseudo-partido de filósofos pequeno-burgueses. Essa tentativa teve êxito apenas muito parcialmente, no entanto preparou o caminho para a aparição, doze anos depois da dissolução da Liga, da Associação internacional dos trabalhadores.”


2 - Os comunistas e o movimento proletário (1847-1848)


“Em suma o partido comunista de Marx não é o herdeiro do “supremo salvador” burguês e utopista; é a vanguarda do proletariado que luta para emancipar-se; é o instrumento da tomada de consciência e da ação revolucionária das massas. Seu papel não é o de agir no lugar ou “acima” da classe operária, mas de orientá-la para o caminho de sua auto-libertação, para a revolução comunista “de massas”.”

IV – PARTIDO, MASSAS E REVOLUÇÃO. MARX DEPOIS DE 1848


E) Marx , Engels e a social-democracia alemã


“Numa carta de 18 de outubro de 1877 a F.A.Sorge, Marx queixa-se de que, “na Alemanha, um espírito ‘podre’ prevalece em nosso Partido, nao tanto nas massas quanto entre os chefes”. Critica particularmente o compromisso dos “chefes” com “todo um bando de estudantes imaturos e doutores muito sábios que querem dar ao socialismo uma feição ‘ideal mais alta’”.”


“Quanto a nós, conforme todo nosso passado, um único caminho nos resta aberto. Há quase quarenta anos, assinalamos a luta de classe como o motor da história mais decisivo e designamos especialmente a luta social entre a burguesia e o proletariado como a grande alavanca da revolução social moderna. Não podemos, portanto, de nenhum modo, nos associar a pessoas que gostariam de suprimir o movimento dessas lutas de classes. Quando a criação da Internacional, formulamos a divisa de nosso combate: a emancipação da classe operária será a obra da própria classe operária. Não podemos conseqüentemente, caminhar junto com pessoas que declaram abertamente que os operários são incultos demais para que eles mesmos se libertem e que devem ser libertados de cima, isto é, por grandes e pequenos burgueses filantropos. Se o novo órgão do Partido toma uma atitude que corresponde a opinião desses senhores (Höchberg e companhia), torna-se burguês e não proletário; tão penoso quanto isso possa ser, só nos resta declararmo-nos publicamente contra o romper da solidariedade, graças à qual representamos o Partido alemão no exterior”.