terça-feira, 22 de setembro de 2009

Anarquistas expropriadores.

Anarquistas expropriadores.
Bayer, Osvaldo. São Paulo. Editorial Luta Libertária. 2004.

Era chamado também de anarquismo delitivo ou de delitos. Seu período de auge ocorreu na Argentina nas primeiras décadas do século XX, mais especialmente a partir de 1919. Foi um movimento mais intenso, de acordo com o autor do que os expropriadores na Espanha. O primeiro caso foi no dia 19 de maio de 1919. Uma tentativa de roubo a uma casa de Câmbio em Buenos Aires que havia dado errado por despreparo de um de seus executores.

Daí em diante abre dentro do movimento libertário argentino uma pergunta: Deve o movimento se apoiar na causa dos expropriadores para sustentar a causa ideológica? Ou deve recusa-lo? Aparentemente, de acordo com o autor, os anarcosindicalistas da FORA o recusaram desde sempre enquanto os partidários da “Ação Direta” mais próximos do individualismo o defenderam. Já os anarco-comunistas atacarão a proposta desde sempre. É engraçado o autor qualificar os expropriadores de partidários da “Ação Direta” como se os anarcosindicalistas não o fossem. E as greves? Paralisações? Greves de advertência? Sabotagens? Label e tantas outras táticas contra o patronal? Como ficam?

Nestes idos de 1919 em diante, não haverá sequer uma semana no país que não ocorra trégua nos conflitos entre a Liga Patriótica Argentina (entidade fascista de defesa da propriedade privada, da terra e dos latifundiários e da burguesia urbana) contra os expropriadores.

Bayer também nos traz as histórias de trabalhadores rurais (especialmente os peões) que desafiaram o poder local dos delegados de polícia. A polícia tinha o costume de convocar as lideranças para interrogar e pressionar as lideranças anarquistas. Fazia-os tirarem suas armas, e já desarmados passavam por uma espécie de corredor alemão, alguns sendo mortos ao término e outros agredidos quando não torturados. Jacinto Aráuz foi um dos que se negou a entregar a arma e iniciou uma verdadeira cena de cinema dentro da delegacia ao matar diversos policiais e ser morto sem contudo entregar sua arma.Aráuz ficou conhecido como o símbolo do olho por “olho, dente por dente”.

O acirramento entre aqueles que defendem a luta armada dentro do movimento libertário e os que são contra, chega ao ponto de dividir o Comitê de Presos Sociais e Deportados, uns indo de encontro a defesa dos “Protestistas” (partidários do jornal “La Protesta”), ligados a FORA e ao anarcosindicalismo em sua decisão tirada no V Congresso. Outros mais próximos ao Jornal “La Antorcha”, apelidados “Antorchistas”, eram defensores dos partidários da luta armada.

O autor coloca uma expressão pesada na boca de um Jornal anarcosindical sem citar fonte, data, nome do Jornal, ao qual se refere que os anarquistas da Região do Rio Negro, que assumem um assalto depois de muita tortura da polícia, são “delinqüentes vulgares que nada tem que ver com as propaganda e as idéias anarquistas”. Tal afirmação, de acordo com as palavras do autor (sem, repito citar as fontes) provocaria um imenso racha dentro do movimento libertário argentino até sua queda nos 30.

O autor também cita uma espécie de contradição dos anarcosindicalistas de evitar ajuda a outros presos políticos e sociais e de defender Sacco e Vanzeti para que fossem libertados, sendo os dois, depois de vários estudos a respeito de suas militâncias, comprovadamente serem militantes da luta armada.

Durruti em companhia de outros anarquistas espanhóis saem pela América em busca de se levantar fundos para apoio a causa da derrubada da monarquia na Espanha e em apoio ao movimento revolucionário espanhol. Ocorrem assaltos no México, Cuba, Chile e na Argentina onde somente na 3º tentativa conseguem levantar fundos. Voltam os três para a França quando são pegos pela polícia. O governo argentino pede a extradição dos mesmos. A campanha pela soltura de Durruti e amigos se fez tão forte que em alguns momentos parecia muito mais ruidosa do que aquela de Sacco e Vanzeti. Lutavam muitos povos para que os 3 anarquistas não fossem extraditados da França para a Argentina. Como seria um grande desgaste para o Presidente Argentino Alvear, caso os 3 fossem recebidos, julgados e condenados, pediu o Governo Argentino que a França enviasse os mesmos em um de seus navios. A França se nega e esta celeuma acaba sendo a colher de chá que ambos Governos queriam: iriam cozinhar o galo até que o prazo proposto pelo Governo Francês de um mês para a retirada dos três se esgotasse. Não queriam ambos os Governos se desgastar diante de suas respectivas opiniões públicas. Por fim, os três foram soltos e expulsos de imediato para a Bélgica.

O livro também traz a história do anarquista Roscigna, um dos grandes expoentes dos expropriadores. Conta diversos assaltos realizados pelo grupo e um que chama muito a atenção: a criação de um túnel com mais de 50 metros de comprimento e pelo menos 4 metros de profundidade para libertar presos no presídio de Punta Carretas. Isto em agosto de 1929. Nove conseguem escapar. Porém, alguns dias depois, caem presos em Montevidéu Roscigna, Moreti e outros expropriadores delatados por um ex-colega de cela de Moreti.

Repressão e Vingança:

É importante que o próprio autor reconheça que o anarquismo delitivo acaba virando um fim em si mesmo. Os atos destes companheiros geralmente acabam em morte, seja no momento das ações ou posteriormente no jogo de gato e rato entre a polícia e os expropriadores. Há situações em que o dinheiro roubado é pego de volta, existem muitos caso de ajuda aos familiares dos expropriadores que caem mortos ou presos e o pior de tudo é que a existência destes tipos de ações dão motivos de sobra ao Estado se utilizar de instrumentos fascistas contra todo o movimento, colocando num mesmo balaio de gato sindicalistas, comunistas, individualistas e os expropriadores. Pra piorar, boa parte (ou quase toda) a quantia arrecadada pelos expropriadores não era destinada a organização dos trabalhadores para se apoiar a revolução. Não faltam argumentos de sobra para se criticar o delitismo. Ele termina em si mesmo. Sustenta a si mesmo.

Ao termino da obra, as mortes cometidas contra os expropriadores utilizando-se da tortura e de novos métodos de agressão física, vão ser espalhados pelo país durante os próximos regimes ditatoriais dos quais passará a Argentina. O importante a salientar é que da mesma forma como ocorreu no Brasil e em praticamente dos os países da América, os Governos Locais utilizaram-se de Ditaduras Militares, assassinatos em massa, Campos de Concentração (Ushuaia, Clevelândia, etc) para se conseguir vencer o anarcosindicalismo seja nos EUA com a IWW, no México com a CGT, no Panamá com os Sandinistas, no Brasil com a COB, na Argentina com a CGT e a FORA, no Uruguai com a FORU, etc...

Apesar de algumas revelações históricas aparentemente confidenciais ou de não conhecimento do grande público, principalmente no que toca a questão do Delegado assassino de anarquistas morto pelo Dirigente dos portuários, Morán, membro da FORA (isso o autor não cita), a obra como um todo tende mais a literatura política e histórica do que uma obra essencialmente científica, acadêmica e bem embasada nas suas fontes históricas. Como romance de um momento áureo do anarquismo delitivo na Argentina, realmente vale ser lido.