sábado, 9 de fevereiro de 2019

Resumo de alguns conceitos e passagens da obra de Nietzsche.


Nietzsche:

Este texto se trata apenas de um pequeno resumo de alguns “conceitos” na obra do filósofo Alemão e de alguns de seus argumentos. Não é especificamente a resenha de uma obra do autor propriamente dita. Para tanto, peço as iniciais desculpas por eventuais citações sem a fonte e por eventuais erros sem correções ou embasamentos. Parte deste texto vem de um documentário sobre Nietzsche feito pelo filósofo francês Alain de Botton.

Nietzsche vem para romper com o racionalismo prescrito em toda a Filosofia, desde os gregos até o Iluminismo. Faz uma contradição entre Apolíneos e Dionisíacos para retratar a realidade do comportamento humano. Apolo é o deus da razão, da lógica. Dionísio, o deus da criatividade e da sensibilidade do homem. Nietzsche quer o fim da racionalidade fria dentro da Filosofia.

Se opõe ao Socialismo e todos os outros regimes políticos que considera autoritários e que por ventura se prestem a reprimir o indivíduo. Ele não acredita na igualdade entre os homens. Também é contra a Democracia Liberal pois crê que todos estes Sistemas colocam os homens como escravos se subordinando a burocracias, regras inúteis e ao Estado.

Quando este Filósofo trabalha a expressão “Filosofia a marteladas”, quer nada mais que traduzir o choque de suas idéias e propostas que são uma tentativa de se destruir os mitos e as influências da religião e da política em nossas sociedades.

Vontade da Potência:

Um dos objetivos da Filosofia de Nietzsche é criar uma espécie de novo homem, ou um homem autônomo, que nada mais seria do que criar um homem que possa mandar em sua própria existência. A “Vontade da Potência” é condição essencial para a criação do Super Homem, pois não há represálias para o espírito criador do homem. Promover este homem superior deve ser o papel da educação. Ela tem que despertar o desejo de autonomia no homem. A padronização neste processo indica a repressão e, portanto a morte do indivíduo.

Para ele, a educação, tal como hoje a entendemos, tem levado o homem a construir três tipos de egoísmo que podem gerar outros três tipos de indivíduos:

a)Comerciantes: Está presente no ganho, no lucro, na ganância dos homens. É o comportamento dos capitalistas.

b)Estado: É o espírito da igualdade dos fracos, comandada por Partidos, Burocratas e outros que somente visam a destruição do espírito humano.

c)Ciência: Se considera o único conhecimento válido. Desconsidera a “vontade da potência” do homem.

A Autonomia dos homens não vem da razão, mas sim da “vontade da potência”, que é a energia presente em todos os seres para serem capazes de transformar suas vidas e realidades mesmo diante de grandes barreiras, tragédias ou péssimos acontecimentos. Nietzsche quer a liberdade para o homem acima de tudo. Na história da Filosofia e da própria Ciência, chegará o dia em que Dionísio cobrará sua fatura. A necessidade de se pensar uma nova Filosofia, menos exata ou propensa a exatidão, faz-se necessária para construir um homem livre, crítico de sua realidade e transformador de seu mundo. Não é atoa que Nietzsche tem tal preocupação. Foi em fins do Século XIX que formalmente será fundada a Sociologia. Uma tentativa de se criar uma resposta de uma Ciência Humana para os desejos e ordens de progresso que o capitalismo exigia aos homens. Desmembra-se a Filosofia e se cria uma Ciência que possa de fato dar atenção e respostas ao trator do capital. O medo de Nietzsche era real. A Filosofia faz parir seu último e mais recente filho, a Sociologia, que nasce escrava absoluta da racionalidade humana e dos urgentes processos de construção de um novo mundo: não aquele que Nietzsche pensava, outro, mais Apolíneo do que Dionisíaco.

Religião:

“A Filosofia é o exílio voluntário entre montanhas geladas”.

Para o autor, toda vitória, toda conquista é fruto de luta e esforço constante. “Não falem de dons ou talentos inatos.” Nietzsche parece discordar da noção de alma que imaginava Sócrates pois, este acreditava que o conhecimento era imanente ao homem, bastando apenas levá-lo a reflexão para que pensasse sobre o mundo e a vida. Os gênios, para Nietzsche, nasceram superando dificuldades, geralmente sem talento ou apoio algum.

Parte de sua Filosofia quer tentar nos dizer que as dificuldades da vida humana são normais. Não devemos entrar em pânico ou desistirmos de tudo, nossa dor vem da distância daquilo que somos e daquilo que idealizamos pra nós no futuro. A dor seria uma angústia por não sermos aquilo que desejamos ser. Por não dominarmos a receita da felicidade, acabamos sofrendo. O segredo está em reagir bem ao sofrimento ou quem sabe, usá-lo para construir coisas belas.

Nietzsche foi o único Filósofo a achar que havia um lado bom no fracasso, pois nós podemos nos beneficiar deles. Todas as vidas têm um grau de fracasso. O que as faz serem suportáveis ou não é a forma como o fracasso é encarado. Nietzsche vê no papel do jardineiro, uma metáfora da vida. Todos os dias, estes profissionais tem de lidar com plantas horríveis ou destruídas, raízes mortas, semi-desenvolvidas, folhas manchadas ou comidas por insetos, entre outras coisas. Sua função enquanto jardineiro é fortalecer e modificar a natureza destas plantas, flores, folhas e raízes para se tornarem auto-suficientes (dos cuidados do homem) e belas como na sua própria natureza. Para ele, a vida passa pelo mesmo processo, temos de saber lidar com situações tristes e difíceis e fazer nascer algo de bom e belo nestas experiências. Sem dor não há ganhos.

Também dizia que todos os espíritos elevados deviam ter horror ao consumo de álcool pois ele traz a tristeza e nos distancia da felicidade. A água era a bebida perfeita. A felicidade não vem da fuga dos problemas, mas sim do ato de cultivá-los para extrair algo de positivo deles. “É indecente ser Cristão hoje em dia” Diria Nietzsche. Ele era contra o Cristianismo pelo mesmo motivo que abominava o álcool: ir a um culto cristão, pode lhe fazer sentir melhor rapidamente. Tal como o álcool, os efeitos passam muito depressa, além de diminuir ou atenuar a energia que tais sofrimentos podem impor ao homem, tornando-o acomodado. Há diferenças entre a Igreja e o Bar, mas o tipo de consolo é o mesmo. O principal problema do Cristianismo para Nietzsche era a eliminação da energia que vem junto das desgraças ou infortúnios na vida. Energia essa que nos ajuda ou nos faz reforçar ou renovar o modo como vivemos, a forma como encaramos a vida e a própria vida e a realidade.

Ele chama o Cristianismo de religião do conforto e convoca os homens a saírem dessa vida fácil e enfrentarem os problemas da realidade em busca da verdadeira realização. São os extremos da dor que nos levam a felicidade. “Considerar o sofrimento como algo mau a ser abolido, é o cúmulo da idiotice”.

Nem tudo o que nos dá prazer, nos faz bem e nem tudo o que nos dá desprazer ou tristeza, nos faz mal.

Resenha da obra "Cândido ou o otimismo" de Voltaire.


Cândido ou o Otimismo – Voltaire.
Editora L&PM Pocket. Tradução de Roberto Gomes. Porto Alegre, 1998.
Introdução:
Obra de um senso de humor e de uma crítica social sem igual. Presença de um sarcasmo e até de um humor negro diante de diversas situações desastrosas e catastróficas no cotidiano de Cândido, Pangloss e amigos (as).
Trata-se de um jovem, educado pelo Filósofo Pangloss, discípulo de Leibniz, também Filósofo Idealista. Cândido é pego pelo pai da jovem Cunegunda aos beijos e abraços com nosso ator principal e é expulso de casa pelo pai da moça. Sai vagando mundo afora e conhece as mais horripilantes desgraças que uma pessoa pode ter. Mas ao mesmo tempo, em sua jornada de conhecer o exterior da vida do Castelo onde morava na Bulgária, Cândido descobre lugares e pessoas maravilhosas. Acaba descobrindo um local praticamente secreto da sociedade Européia até aquele momento que é chamado de El Dorado, onde o excesso de ouro é tão grande que o minério é encontrado na lama e serve de diversão para as crianças. Eldorado é um lugar desconhecido pelos Europeus e muitos anos a frente em Ciência e tecnologia do que todo o resto do mundo. É um local onde não existe cobiça, os homens se respeitam e não existe violência. A noção de Eldorado se assemelha a obra Utopia de Thomas Morus que descreve o verdadeiro paraíso na terra. As influências deste último ao Francês são inegáveis. Com o passar da obra, percebe-se que Eldorado fica na região do Peru e, é uma das últimas cidades que sobraram do Império Inca. Pelo fato de ter ficado cercada de montanhas, as Cordilheiras dos Andes, nunca havia sido descoberta. Voltaire não sabe, mas ao descrever Eldorado, sua localização próxima, sua cultura e sua gente, estava falando de Machu Pichu, que seria descoberta cerca de 150 anos depois de publicada esta obra em 1758.
O desenrolar da obra:
Voltaire também utiliza a obra para atacar seus pares, intelectuais franceses que para o autor eram muitas vezes pessoas arrogantes ou mentirosas além de uma série de outros adjetivos que podem variar de um a outro. Um dos Filósofos que é criticado durante várias vezes na obra é o próprio Leibniz. Para este Filósofo, tudo o que acontece no mundo é vontade de Deus ou ocorre por acaso. Nada tem uma causa específica.
Em uma passagem no Capítulo Sexto, o autor faz uma crítica a estrutura da Ciência na Universidade, dando a entender que a Ciência, na busca por suas respostas, se assemelha a Religião. Nietzsche provavelmente adoraria tal passagem.
A Universidade de Coimbra decidiu que o espetáculo de algumas pessoas queimadas a fogo baixo, numa grande cerimônia, é um segredo infalível para impedir a terra de tremer”.1
Com o decorrer da obra, a impressão que se tem é de que Voltaire está fazendo uma crítica ao barbarismo das civilizações muçulmanas, cristãs e judaicas, com todas elas sendo sádicas e monstruosas ao mesmo tempo: nenhuma é mais santa que a outra.
No capítulo XVI, há uma discussão entre uma etnia de índios antropófagos e Cacambo, amigo fiel de Cândido que o conhece em Buenos Aires em uma de suas muitas fugas. O inacreditável neste diálogo entre índios paraguaios, Cacambo e Cândido, é a utilização dos argumentos Contratualistas em hilária crítica as teses destes autores e a própria falta de civilidade dos Europeus (que se dizem ou defendem as teorias dos autores Contratualistas, mas na prática vivem sob o Estado de Natureza Hobbesiano).
Poderão de qualquer forma nos comer caso descubram que eu menti. Mas, se eu lhes disser a verdade, conhecem bastante bem os princípios do direito público, os costumes e as leis, para não nos conceder clemência.”2
Esta passagem é pura gozação com a sociedade dita civilizada da Europa e de outras nações. Posteriormente, como prova do dito acima, Cândido encontra o irmão de Cunegunda no Paraguai. Ele se tornou Jesuíta, latifundiário e explorador de índios e negros.
Logo adiante, os dois amigos são soltos pelos índios canibais e conhecem a América caminhando. Chegam a um lugar que não conhecem direito o Idioma, até Cacambo se lembrar que se trata da mesma língua que ouvia de seus pais quando pequeno. Era a cidade perdida de Eldorado. Um país onde não se valorizava o ouro e as pedras preciosas pois, existiam em tal quantidade na natureza que ninguém se importava com tais minérios. Para Cândido, parecia ser um lugar de pessoas muito educadas, ao contrário da Bulgária. E ele estava certo. Ao chegarem, foram apresentados ao Rei que os tratou com imensa cordialidade. Também lhes ofereceram moradia e uma vida melhor para ficarem em Eldorado, mas, fascinados pela “lama” dourada do local, ou seja, a abundância de ouro e outras pedras preciosas, Cândido e Cacambo, viciados na possibilidade de enriquecerem, pediram para sair da cidade com camelos e mais camelos de “lama” guardados em bolsas. Este é um comportamento da cobiça humana presente até mesmo no mais puro dos homens. Voltaire talvez queira quebrar um pouco o mito do homem bom ou puro. Nem todos seres humanos são assim, bons como anjos na terra.
Em outra passagem, fica claro a tentativa do autor de quebrar essa idéia Cristã de que tudo anda bem e assim ocorre porque Deus quer ou a sorte ou o destino assim o deseja. Nem tudo anda bem, nem tudo ocorre ao acaso, sempre existe uma causa para uma conseqüência e por mais que pensemos que estamos na desgraça pura e no fundo do poço, sempre haverá alguém em piores condições do que nós. Talvez esta seja uma das principais razões desta obra de Voltaire. Demonstrar que nunca a desgraça própria será maior do que a alheia e de que estamos num mesmo barco; que os problemas que aflingem a um, podem aflingir a todos.
Outro detalhe importante de se perceber na obra é um retrato da Europa naquela momento, posterior a Revolução Inglesa e próxima da Revolução Francesa e Americana. Mesmo depois do avanço do Iluminismo, da Ciência, da Revolução Industrial, a Europa continuava o mesmo berço da barbárie humana.
No capítulo XXII, o autor faz uma série de críticas a sociedade francesa, declarando-a de cínica, hipócrita, anti-ética, imoral. Quase todo o capítulo se assemelha com a realidade do povo brasileiro e com o jeitinho brasileiro. Aparentemente é uma crítica a sociedade européia daquele momento, principalmente quando se faz ênfase ao educado povo de Eldorado em contraposição ao europeu.
Por toda a obra é nítida a crítica a Leibniz. A impressão em alguns momentos é que, o papel de Cândido (e a obra em si), não se trata apenas de uma utopia ou desabafo literário de Voltaire ao papel, mas de uma obra com o firme propósito de criticar a Filosofia de Leibniz e sua descrença na idéia de causa e portanto da causalidade. Sabe-se posteriormente que Hume irá quebrar toda a lógica desta filosofia pois irá provar que não podemos acreditar em nada do qual não sabemos a causa e as origens afim de provar cientificamente o que sabemos e o conhecimento que construiremos no futuro. Por isso de sua revolta com a posição de Pangloss e de Cândido, por serem extremamente dóceis, conformados com as desgraças que lhes ocorrem na vida pois acreditam os mesmos que sempre se trata de algo que deus imaginou e orientou aos mesmos. Esta também é uma crítica comportamental ao conformismo social de boa parcela da sociedade que sempre acredita que o melhor acontecerá ou triunfará em suas vidas não percebendo que se não tomarem posicionamento a respeito do mal que lhes inflige, serão prejudicados seriamente a respeito destes.
Ao término da obra, todos os sobreviventes estavam exaustos de seus trabalhos, tinham perdido todo o dinheiro que trouxeram da América, reclamavam da vida odiosa a que chegaram. Consultaram então um religioso que lhes deu a seguinte lição: trabalhar cura todos os males e nos faz aceitar melhor a realidade. “Trabalhamos sem raciocinar”3, disse Martinho, o Filósofo a Cândido. Esta talvez seja parte da moral da obra. O trabalho alienado (duplamente falando, o material e o da consciência) incentivado pelo protestantismo como única forma de enriquecimento, é a fórmula para a felicidade. Só assim deixamos de pensar na realidade de nossas vidas e acabamos por enfrentar a realidade nos escondendo dela.
Esta é uma forma ácida de dizer que enquanto continuarmos a tapar o sol com a peneira, seremos seres conformados com a realidade que nos aprisiona e nos escraviza em nossos cotidianos. Voltaire está no fundo nos pedindo que façamos alguma coisa, que mudemos a realidade antes que ela nos mude a fundo e nos impeça de desejar a mudança.
1 Op. Cit. Pg. 24.
2 Op. Cit. Pg. 60.
3 Op. Cit. Pg. 131.

Resenha da obra "Os moedeiros falsos" de Andre Gide.

Gide, Andre. Os moedeiros falsos. Editora Estação Liberdade.

Publicada em 1925, a obra traz consigo uma série de críticas a costumes, preconceitos, comportamentos religiosos e a própria condição humana naquele momento da história de conviver com a Modernidade.

Trata-se de um roteiro envolvendo principalmente três amigos: Olivier e Bernard, de idades próximas, o primeiro passando no Doutorado e o segundo finalizando a graduação. O terceiro personagem, o narrador e o próprio Gide na obra, é Édouard, tio de Olivier. Olivier ainda tem dois irmãos, Vincent, o mais velho e George, o caçula e figura central no entendimento final da obra. Édouard é escritor famoso e está no momento da leitura desta obra, escrevendo um livro de mesmo título de nosso livro: os moedeiros falsos. Édouard também deseja escrever um diário sobre o livro, que também será publicado como um dos livros de Gide.

O livro começa com o diálogo entre Olivier e Bernard, onde o segundo pede abrigo ao amigo para sair de casa, acreditando não ter o amor dos pais de que necessita e nem ser filho legítimo dos mesmos. Deixa uma carta ao Sr. Proftendieu, Juiz da cidade de Paris e teoricamente, pai de Bernard.

Vincent, irmão de Bernard, tem uma amante, que está grávida de um filho dele e que lhe implora que ambos fiquem juntos. Esta amante é Laura, casada com outro homem e que não sabe das estripulias da esposa. Vincent cursa Medicina. Gastou 5 mil Francos, guardados a anos por sua mãe, Pauline, numa mesa de jogo. É o típico burguês sem caráter e sem escrúpulo algum ou respeito pelos pais. É Laura, sua amante quem fará com que a amizade de Bernard e Édouard se estabeleça e se fortaleça, pois Laura já é conhecida de Édouard a muitos anos. Este sente um profundo amor por Laura, que ele entende jamais ter sido correspondido. Por isso, Édouard, nutre por Laura uma amizade imensa.

Aqui começa uma crítica ácida aos costumes burgueses, ao mal caratismo, a hipocrisia, a falta de ética de Vincent e de todo burguês e pequeno burguês no trato com as pessoas no dia a dia. Gide também demonstrará um profundo desapego com a forma de se praticar o amor e a própria instituição do casamento. Tais críticas do autor ficam expressas em diversos momentos da obra. “Quem quer que ame sinceramente, renuncia a sinceridade.” 1

Édouard chega a Paris para visitar sua meia irmã, Pauline e rever os sobrinhos. Neste momento tem uma surpresa quando percebe numa livraria da cidade, um pequeno jovem, que ele não conhecia até aquele momento, tentar roubar um livro. Édouard se adianta e dá o dinheiro ao pequeno jovem conversando com o mesmo afim de convencê-lo de que aquilo que ele iria fazer era errado. Descobrirá mais tarde o narrador que este pequeno ladrão, é George, o caçula de sua meia-irmã que não via a muitos anos.

Ao sair pela cidade, sendo recepcionado na estação de trem por seu sobrinho que o esperava, Olivier recebe o tio Édouard e resolve caminhar com o mesmo além de irem tomar um café. Édouard não percebe, mas deixa cair um bilhete onde guardava toda sua bagagem. Bernard já sabia pela conversa que havia tido na noite anterior que Olivier, seu amigo, encontraria Édouard, seu tio e segue os dois. Bernard vê o bilhete do guarda malas cair no chão e, ao invés de devolver de imediato a Édouard, vai até a estação ferroviária e pega as malas do escritor sem ao menos que este saiba. Ao roubar temporariamente as malas de Édouard, lê seu diário todo e acaba por conhecer dali, a amada Laura, tentando marcar a partir dali, um encontro com ela.

Laura é o amor de Édouard e de Bernard. Mesmo, ambos sabendo que ela estava casada quando se relacionou com Vincent e engravidou do mesmo, jamais a censuraram ou a maltrataram ou tiveram algum tipo de juízo malicioso ou maldoso com a mesma. Pelo contrário. Ambos sempre a trataram bem, com respeito, carinho e cordialidade, defendendo-a a todo instante. Parecem que ambos os personagens são defensores fiéis dos direitos das mulheres a terem mais liberdade do que naquele tempo.

O encontro ocorre e nesta altura da situação, Édouard já sabe que suas malas haviam sido roubadas e tenta a sorte para encontrar Laura e conjuntamente ao ladrão de suas malas que até aquela altura do campeonato, não sabia que o criminoso era amigo de seu sobrinho. Ficam todos amigos e a partir daí, Bernard passa a ser perdoado por Édouard e se torna secretário deste.

Antes deste encontro e deste princípio de amizade ocorrer, Bernard, ao ler os diários de Édouard descobre coisas importantes sobre o novo livro do escritor e da forma como este interpreta, cria e desenvolve seus romances e seus personagens. E é aí que nos apegaremos com mais cuidado na análise da obra como um todo. Gide, na pessoa de Édouard, está a todo instante fazendo uma crítica a falsa obra de arte, como se vê em seu diário que está sendo lido por Bernard.

Ele se diz que os romancistas, pela descrição demasiado exata de suas personagens, atrapalham mais a imaginação do que a servem e deveriam deixar que cada leitor representasse cada uma destas como lhe aprouvesse. 2

Gide está dialogando consigo mesmo e com o leitor, expondo através de seu diário o que pensa a respeito dos romances. Quando se descreve tão detalhadamente tais qualidades ou outras informações dos personagens, o romancista está matando a criatividade e imaginação do leitor. Isto para Gide será um problema central na interpretação da obra de arte, pois ela deixa de ser livre e passa a ser manipulada por aquilo que quer o romancista. Não existem mais liberdade de pensamento ou imaginação, mas apenas aprisionamento. Tal como quando assistimos um filme e nos deparamos com um ator que não tem nada a ver com o papel que interpreta. Isto se torna a morte da imaginação e da capacidade de viajarmos junto da obra de arte.

Despojar o romance de todos os elementos que não pertencem especificamente ao romance. Como a fotografia, há algum tempo, desembaraçou a pintura da preocupação com certas exatidões, o fonógrafo por certo limpará amanhã o romance de seus diálogos narrados, de que o realista muitas vezes se gaba. [...] não me parece que o romance puro [...] tenha de ocupar-se com isso. Não mais do que faz o drama. [...] O romancista, em geral, não dá crédito suficiente a imaginação do leitor. 3

Purificar o romance como as outras obras de arte foram purificadas. A descrição dos personagens é um crime contra a imaginação do leitor. O cinema o fará para a literatura. Não deve caber aos escritores tal façanha. O romance puro não deve se preocupar com estes detalhes sobre os personagens da obra; o leitor deve ser livre para fazê-lo. Adiante, ele continuará com tal crítica em diversas passagens da obra.

A crítica a religião também está presente na obra. Em um determinado momento da obra, chama o Catolicismo de “A singular faculdade de despersonalização” 4. Podemos entender aí, como em outros momentos, uma grande capacidade de o Catolicismo destruir a personalidade alheia. Pouco adiante, ele critica a arquitetura de suas Igrejas como “o próprio espírito dessa arquitetura angulosa e descolorida cuja sombria falta de graça, intransigência e parcimônia, se mostravam a mim pela primeira vez.” 5 Em outras passagens, também deixa claro sua discordância com o discurso religioso e mitológico.

À medida que uma alma se afunda na devoção, ela perde o sentido, o gosto, a necessidade, o amor da realidade. [...] A fascinação de sua fé os cega a respeito do mundo que os cerca e deles próprios. Para mim, que de nada faço tanta questão como de enxergar com clareza, fico atônito diante da espessura da mentira em que se pode comprazer um devoto. 6

Édouard, ao dialogar com outro personagem da obra, deixa claro qual sua opinião a respeito do fanatismo e de como vê um ser religioso: impedido de se esclarecer por si só. A passagem nos lembra Kant em O que é o esclarecimento? Quando Kant nos diz que é a perda da capacidade de nos orientarmos e nos guiarmos pelo uso da razão própria, sem deixar ser influenciado ou dominado por terceiros nas decisões que tomaremos em nossas vidas.

Gide retoma adiante, na figura de seu personagem, a crítica a obra de arte montada artificialmente pelos falsos romancistas:

Nunca consegui inventar nada. Mas estou diante da realidade como o pintor que diante do modelo lhe diz: dê me tal gesto, assuma tal expressão que me convém. Os modelos que a sociedade me fornece, se conheço bem sua elasticidade, posso fazê-los agir a meu bel prazer; ou pelo menos posso propor, à sua indecisão, problemas que resolverão a sua moda, de sorte que sua reação me instruirá. É como romancista que me atormenta a necessidade de intervir, de operar sobre o destino deles. Se tivesse mais imaginação, fabularia intrigas; eu as provoco, observo os atores, depois trabalho conforme me inspiram. 7

No passado e de certa forma, este comportamento ainda persiste até hoje, os pintores davam a oportunidade as pessoas que seriam retratadas em suas telas, de alterarem ao seu bel prazer, aquilo que menos lhes agradava. Com isso, a arte era feita a pedido do cliente, tal como um mecenas que pede ou compra determinadas obras de arte ou o patrão que deseja tal produção ou ritmo da mesma. Para Gide, a vida dos personagens deveria aparecer e nascer tal como ocorre na vida real: sem muitos planos ou preparo metódico no cotidiano. É algo quase espontâneo. Isto nos mostra que Gide prefere uma certa liberdade aos personagens, como se tivessem vida própria, do que manipulá-los para agradar ao apreciador da arte, tal como o pintor o faz e fazia.

Uma liberdade na interpretação da obra de arte, nos leva a um entendimento da Hermenêutica na forma como a obra de arte deve ser encarada. O leitor, apreciador ou o simples cidadão, deve participar da própria obra, ao interpretá-la de modo diferente, de seu modo particular, envolvendo sua própria subjetividade. Na maior parte das vezes, uma obra deixa de ser arte e se torna algo passível de ser simplesmente consumida, quando não envolve liberdade de participação, imaginação e entendimento por parte daquele que vai apreciar a arte. Desta forma, a arte é enfiada goela abaixo do indivíduo, o que o torna consumidor e não cidadão. Isto, por conseqüência faz da obra de arte uma mercadoria e não algo que possa ajudar as pessoas a refletir sobre a vida e a realidade.

Nesta passagem da obra, talvez fique claro o que mais de importante o autor quer deixar para seu leitor. A crítica a modernidade em que se encontra o homem já em fins dos XIX, começo do século XX até nossos dias, época em que Gide escreve tal obra. Num diálogo de Édouard com o Senhor de La Pérouse, fica claro seu pouco caso ou desrespeito com os mais velhos, como se estes não tivessem mais interesse para mais ninguém. No passado, os mais velhos eram ao menos ouvidos, eram grandes poços de sabedoria, montanhas de conhecimento. Nestes dias sombrios da modernidade, os mais velhos não servem para nada. O próprio desdém e desprezo consigo mesmo, é exemplo deste comportamento neste pequeno diálogo entre Édouard e o Senhor de La Pérouse:

- O senhor vai se resfriar – disse-lhe. – Não quer mesmo reacender o fogo?.... Vamos lá.
- Não... Há de ser aguerrido.
- O que! Isso é estoicismo?
- Um pouco. Foi justamente porque eu tinha a garganta delicada que nunca quis usar cachecol. Sempre lutei contra mim mesmo.
- Isso vai bem enquanto se conquista a vitória; mas se o corpo sucumbe...
Pegou minha mão e, num tom gravíssimo, como se me dissesse em segredo:
- Então seria a verdadeira vitória. 8

Ultrapassar os seus próprios limites é uma forma de se flagelar. É desumano por natureza. Esta á uma das características do homem moderno. A verdadeira vitória para estes homens da modernidade, são aquelas que vem recheadas de esforço. Essa sim é merecida. Lutar contra os próprios limites é lema dos estóicos, mas sobretudo da Modernidade. É como se entendêssemos o homem moderno como um conjunto de ações, emoções e pensamentos que tendem a nos oprimir, machucar, destruir individual e coletivamente. Nesta passagem da obra, isto fica muito claro. Os Filósofos estóicos na antiga Roma, ficaram famosos por encarar as questões do conforto e do prazer como maléficas a natureza humana. O prazer deveria ser evitado a todo custo e quando ocorresse, deveria ser racionalizado e utilizado do modo mais breve e rápido possível. O prazer era encarado de modo conservador. Este modo quase espartano de se encarar a vida e os prazeres que os sentidos do corpo humano possam trazer a todos nós, dá uma idéia de quanto esta forma dura de tratar o ser humano, era exceção da regra no passado. Hoje, ela é a regra. Adorno diz que quando nos tratamos de modo tão duro, desumano, metódico ao extremo, tão regrado, quase de modo militar, estamos nos coisificando e nos comparando a mercadoria ou a objetos sem valor. Quando fazemos isso com nós mesmos, estamos a poucos passos de fazer o mesmo com os outros também. Aí, de certa forma, reside a barbárie dos nossos dias.

Adiante, Gide, no papel de Édouard, dá a dica do que vê nos seus dias, nos escritos de seu diário. Eis aí um grande retrato do homem na Modernidade.

A tragédia moral – que, por exemplo, torna tão formidável a frase evangélica: “Se o sal se torna insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor?” É essa tragédia que me importa. 9

O que há de se fazer quando a referência que temos pelo que há de bom e do melhor se perde? Será esta a tragédia moral que nos fala o autor? O que vamos fazer quando as balizas utilizados por todos os homens e mulheres nas nossas sociedades em todos os tempos, para que possam viver em sociedade, se perdem? Como vamos viver em sociedade se toda e qualquer reflexão ética sobre nossas ações, e a moral que nos guia diante de tais reflexões, se perde? O que colocaremos no lugar, sabendo que quando se trata de poder, não existe vácuo? Talvez para Gide a resposta já esteja dada no fim da obra, a barbárie é o que nos resta.


Logo adiante, Gide irá novamente dialogar com o Senhor e a Senhora La Pérouse. Quando chega a casa destes, dá de cara com a Senhora que começa a lhe contar fofocas da vida de seu marido. São tantos os desabafos e rancores diários de toda uma vida que Édouard fica assustado. Isto lhe faz refletir, ao mesmo tempo em que ouve a velha, sobre a questão do amor nos nossos dias:

Resta que aí estão dois seres, amarrados um ao outro para a vida, e que se fazem sofrer abominavelmente. Noto com freqüência entre os cônjuges que intolerável irritação se apodera de um a menor protuberância do temperamento do outro, por que a “vida comum” faz com que haja atrito sempre no mesmo lugar. E se o atrito é recíproco, a vida conjugal não é mais que um inferno. 10

Talvez seja uma crítica ao próprio casamento, ou a monogamia ou até mesmo a defesa de um amor livre. Adiante, principalmente neste capítulo, Gide deixará claro o amargor de toda uma vida de duas pessoas que um dia se amaram, mas que depois de muitos anos de vida juntos, aprenderam a se suportar e não mais a se gostar. O amor está morto, talvez estas sejam as palavras de Gide que não saíram no livro neste capítulo, mas que deveriam estar na ponta dos lábios ou do lápis ao escrevê-la. Ou seriam estas impressões que o autor teve, apenas opiniões de pessoas que são intolerantes para consigo como para a vida também? Estas opiniões do casal La Pérouse sobre a vida conjugal e o comportamento de um e do outro, são decepções de pessoas que não sabem o que é o amor. De pessoas que são intolerantes por natureza. Não aceitam o diferente, não aceitam o que não está em harmonia com eles mesmos.

Ao saírem a noite para irem assistir uma apresentação de ópera, o Senhor de La Pérousse dá seus pitacos de intolerância para Édouard:

- Você notou que todo esforço da música moderna está em tornar suportáveis, agradáveis mesmo, certos acordes que tínhamos antes como dissonantes?
- Exatamente – retruquei; - tudo finalmente deve render-se e reduzir-se à harmonia.
- A harmonia! – repetiu ele dando de ombros. – Não vejo nisso senão um habituar-se ao mal, ao pecado. A sensibilidade se embota; a pureza se macula; as reações fazem-se menos vivas; tolera-se, aceita-se... [...]
- O senhor pretende entretanto restringir a música á simples expressão da serenidade? Nesse caso, um único acorde serviria: um acorde perfeito contínuo.
- Um acorde perfeito contínuo; sim, é isso, um acorde perfeito contínuo... Mas todo o nosso universo é vítima da dissonância – acrescentou com tristeza. 11

Provavelmente, Gide, ou Édouard entendem a vida como um conjunto de notas musicais dissonantes entre si. As vezes, algumas se tornam mais harmônicas, outras nem tanto e continuam em desarmonia. Para o Senhor de La Pérousse não é e nem deveria ser assim. O que importa, o que deveria reinar, é a harmonia absoluta. Típico comportamento de quem deseja a uniformidade das coisas, da arte, do povo, da cultura, das Ciências. A harmonia esconde o desejo de uma igualdade totalitária, que não respeita as minorias e a parte diante do todo. A harmonia que quer o fim do que é dissonante, é a harmonia que não aceita nada fora do Estado ou do coletivo. Nem nada contra o Estado e o coletivo. É a harmonia do fascismo, que deseja tudo na mais absoluta e transparente ordem. Aliás, que ordem não é fascista por natureza?

Adiante, em diálogo com outra personagem, a Senhora Sophroniska, que cuida do pequeno Boris, neto do Senhor de La Pérousse, (figura chave para entender o fim do livro), fica presente uma crítica à Ciência dominante, por parte da velha Senhora, que de certa forma, dá se a entender, que Édouard, concorda:

[...] essas divagações de crianças me informam muito mais do que poderia fazê-lo a mais inteligente análise do mais consciente dos sujeitos. Muitas coisas escapam a razão, e quem, para entender a vida, serve-se somente da razão, é semelhante a alguém que pretendesse pegar uma chama com uma pinça. Tem diante de si apenas um pedaço de madeira carbonizado, que logo cessa de flamejar.

Pegar a chama do fogo com uma pinça, quer nos dizer que existem questões da realidade humana que não são observáveis ou entendidas somente do ponto de vista da racionalidade. O sensível também é importante e deve ser usado como ferramenta para se compreender a realidade. Não é possível entender a vida e a realidade e os próprios homens se utilizando apenas de uma das ferramentas ou faculdades da natureza humana: sensível e inteligível devem caminhar juntas. Édouard, em trecho posterior do livro,12 concordará ou dará o braço a torcer pela Senhora. É possível haver um pouco do pensamento mítico equilibrando os excessos do científico. E continua a crítica da Senhora Sophroniska:

-Como os senhores adentram pouco a alma humana – exclamou; depois acrescentou bruscamente rindo: - Oh! Não falo do Senhor especialmente; quando digo os senhores, entenda: os romancistas. A maioria de suas personagens parece construída sobre pilotis; não tem alicerce, nem subsolo. Acredito de fato que se encontra mais verdade nos poetas; tudo aquilo que é criado apenas pela inteligência é falso. 13

A questão da obra de arte ser realizada para agradar as pessoas ou para fazê-las pensar a vida e a realidade está posta novamente. Uma arte superficial, sem estrutura, sem raízes, não é arte, é comércio. Uma arte livre, que dialogue ou construa uma reflexão nas pessoas, pode ser obra de arte. Esta também seria uma crítica aos cientistas de plantão, que defendem uma sabedoria embasada muito mais na razão e num saber formal do que nas artes, por exemplo. A verdade para a Senhora Sophroniska está na arte e não nas ciências e suas razões duras, tristes, frias, artificiais, que não conseguem enxergar ou entender a alma humana. A arte permite muito mais a liberdade do pensar e refletir do que as duras e limitadas regras e métodos das Ciências.

Adiante, a Senhora Sophroniska irá defender algo além. Irá dizer que é importante, senão fundamental para a construção do saber e de um novo mundo, uma postura que não seja tão racional como a dos Cientistas na Modernidade, mas que deve haver uma esperança, uma certa chama mística para com a mudança dos homens e da realidade humana. A mudança não é tão certa, fria e calculada matematicamente quanto a Física ou qualquer outra Ciência. Ela também pode nascer do místico, do espontâneo, do ilógico, do irracional ou das paixões. Não é somente a razão que determina a realidade dos homens em nosso mundo. O que foge a toda a lógica, o que beira o místico, talvez possa fazer a mudança.

Retomando a questão da obra de arte (sem deixá-la de lado em momento algum), Gide em um diálogo com a Senhora Sophroniska, logo adiante, descreve o que entende pela obra de arte em si:

Quer dizer que no lugar de contentar-me de resolver, a medida que aparece, cada dificuldade (e toda obra de arte não é senão a soma ou o produto das soluções de uma quantidade de pequenas dificuldades sucessivas), cada uma dessas dificuldades eu exponho e estudo.14

Aquilo que entendemos sobre uma determinada obra de arte, depois de muito esforço para compreendê-la, depois de várias considerações e conclusões a respeito da mesma, todos estes pensamentos, raciocínios, interpretações e conclusões que registramos sobre aquela peça ou obra, isso sim é a arte. O ato de passo a passo, etapa por etapa, tijolo por tijolo, ir construindo, como no processo educacional o saber necessário para a vida, é a obra de arte quem faz. A arte parece ter para Gide, uma função ou estratégia, principalmente educacional e de formação. Por isso, são romances de formação, pois tem por objetivo, ajudar o leitor a se educar, entender a obra e melhorar a si mesmo.

Não dá para não citar diversas referências na obra, a luz de diversos autores da Filosofia. Kant é citado com o “Imperativo Categórico” logo após as discussões sobre ética e moral na modernidade, dando a entender que ali poderia haver, no dever do homem Kantiano, um modelo ou projeto de moral e ética válidos; quando Bernard conversa com Laura, Descartes vem a tona no capítulo IV na II parte, enfim, as referências do autor, provavelmente vão no sentido de tentar estimular o leitor a descobrir novas leituras e ir conhecendo um mundo novo, talvez o da Filosofia.

Gide volta a discussão do que considera ser o tema mais importante de sua obra: o conflito entre o que é real e o que não é real. O autor está trabalhando um conflito interno da Estética dentro da Filosofia. Aqui também está descrito um conflito antigo da Filosofia, entre Materialistas e Idealistas, sendo os primeiros, o que Édouard chama de Realistas, tendo como exemplo, o que pensa Bernard e os Idealistas, o próprio Édouard se citando como exemplo. Os Idealistas tendem a montar uma estrutura romântica para embasar suas obras, partem de suas imaginações e assim tem de dar vida a algo que não existe, gerando uma literatura artificial, desapegada da realidade, distante de algo sincero nos seus personagens. Enquanto os materialistas tendem a ser mais próximos da realidade, se esforçando por entender o que se passa na vida material como espelhados na vida dos personagens e do próprio romance.

Num outro ponto de vista, os materialistas e os idealistas podem tentar criar romances que possam dar algum grau de liberdade a quem irá interpretar a obra de arte. Basta que entendam que existe a necessidade de que o leitor ou o observador da obra de arte, em outras palavras, o cidadão, possam ter a liberdade de analisar, escrever, opinar sobre o que ocorre com aquela obra que está sendo escrita ou vista. Este ponto de vista se aproxima da Hermenêutica. Escola que pensa em uma interpretação livre tanto da obra de arte quanto da forma como se faz Ciência nos nossos dias.

No retorno do diálogo com a Senhora Sophroniska, esta acaba por se mostrar uma pessoa completamente contraditória. Ela é a Médica responsável por analisar o pequeno Boris e livrá-lo de seus males. Se por um lado, a Senhora Sophroniska se mostra uma pessoa extremamente crítica quanto ao andar da forma como se faz ou constrói o saber, argumentando em prol dos poetas, da arte, contrariamente ao cientificismo e ao positivismo extremamente racionais, por outro lado, ao tentar aplicar suas palavras no dia a dia de sua profissão, percebe-se uma pessoa completamente contraditória. Édouard percebe, no relato que a médica lhe faz do pequeno Boris, que o discurso cientificista está impregnado na Doutora:

Sophroniska expõe às claras, desmontadas, as engrenagens mais íntimas de seu organismo mental, como um relojoeiro às peças do relógio que está limpando. Se, depois disso, o pequeno não bater na hora certa, aí sim, nada mais faria sentido.15

Aqui, neste trecho, está claro como o discurso da Ciência dominante, que encara o homem e a natureza como objetos a serem explorados pelas Ciências, vive de modo tão sombrio, mesmo naquelas pessoas que parecemos admirar e que parecem estar livres de tais dogmas, ensinamentos e métodos. Esta passagem é reflexo do Cientificismo e do Positivismo descobrindo e esmiuçando as entranhas mentais do pequeno Boris. Não é a toa que o infante não teve a menor capacidade de se defender ao término da obra, diante da barbárie que lhe imputaram a fazer. Temos uma Ciência que vê o ser como objeto de estudo e que é incapaz de percebê-lo como ser humano em si. Esta é a Ciência que ensinamos e aprendemos nos nossos dias.

Sophroniska continua repetindo que o pequeno Boris está curado; essa cura deve corroborar seu método; mas temo que ela esteja se antecipando um pouco. É claro que não quero contradizê-la; e reconheço que os tiques, os gestos contraditórios, as reticências da linguagem, praticamente desapareceram; mas parece-me que a doença apenas refugiou-se numa região mais profunda do ser, como para escapar ao olhar inquisidor do médico; e agora é a própria alma que foi atingida. 16

Os médicos, cientistas de um modo geral, não conhecem o ser humano. Como podem determinar que fulano ou ciclano estão curados? Ao analisarem somente características visíveis e mais expostas de seus pacientes, dão se por satisfeitos e aprovam o tratamento quando tais sintomas cessam de existir. Mal sabem que podem ter internalizado em seus pacientes, doenças que eles mal sabiam que existiam ou que já apareciam antes. O método Positivista na Psicologia e provavelmente Freudiano, tende a entender a psique humana tão bem delimitada, regrada, metódica, quanto um relógio suíço. A riqueza da subjetividade humana vai muito além da análise lógica do funcionamento de uma máquina mecânica qualquer.

Passados alguns dias, depois da volta de uma longa viagem, os três heróis da obra, acabam por descobrir que três crianças do colégio, entre eles George, o irmão de Olivier e Vincent, sobrinho de Édouard, estão por iniciar uma forte circulação de moedas falsas pelo mercado da cidade. Dão uma moeda falsa e pegam o restante do troco dividindo entre os três. Começam a fazer de modo muito intenso, o que acabou por vez, chamando as atenções das autoridades. Édouard é chamado pelo Juiz da cidade, pai de Bernard, que lhe conta o ocorrido. Édouard já sabia que as coisas não estavam andando bem.

Édouard volta a escrever em seu diário. Retoma o assunto do papel dos personagens e da obra de arte.

Os romancistas nos enganam quando desenvolvem o indivíduo sem levar em conta as impressões do ambiente. A floresta molda a árvore. Quão pouco espaço é deixado a cada uma! Quantos brotos atrofiados! Cada uma lança aonde pode a sua ramagem. O galho místico, na maioria das vezes, é ao sufoco que o devemos. Só se pode escapar para o alto. 17

Esta passagem pode nos remeter a análise da Sociologia. Ela também nos mostra uma construção cultural dos romancistas (de alguns deles) distante das Ciências e da realidade. Uma análise fictícia que tenta se passar como verdadeira: eis aí a falsa obra de arte. Por outro lado, quando algum dos galhos, brotos ou frutos se salvam, é distante da ditadura da Ciência fria e dura e da realidade que oprime e cega a todos. Nada escapa a opressão do coletivo e da realidade bruta. Nem mesmo o pensamento mítico, religioso, o imaginário coletivo e outros. Tudo se afunda na ditadura da razão do absoluto. O imaginário é castigado e determinado pelo coletivo que neste caso é opressor. Quando essa opressão chega a obra de arte, nada mais é possível fazer para inovar ou se re-inventar. O que está dado como definido ou padrão, é o que deve ser seguido. Não existem alternativas, somente aquilo que nos é dado goela abaixo. Novamente voltamos a questão anterior: se não temos de refletir e pensar sobre uma obra de arte, mas apenas de aceitá-la, de forma passiva, sem poder dialogar ou refletir sobre a mesma, trata-se apenas de consumi-la e posteriormente esquecer sua existência. Portanto, esta obra de arte que nasce nesta condição, acima afirmada pelo autor, não é mais obra de arte, é mercadoria que deve ser consumida, antes que perca o prazo de validade.

Pouco adiante, Édouard, em conversa com Bernard, também envolvendo a questão da obra de arte, define uma questão, que a meu ver, está repleta de contradição, mas transcrevemos aqui para nos certificar das palavras do autor:

Consinto que Paul-Ambroise tenha razão quando considera a inspiração como uma das coisas mais prejudiciais à arte; e creio também que só se é artista com a condição de dominar o estado lírico; mas é necessário, para dominá-lo, havê-lo sentido antes. 18

Ora, uma arte tão cheia de técnicas, de lógica, de métodos, regras, seria mesmo assim uma arte? Ou já seria uma Ciência? Neste caso, como desprezar a inspiração para se fazer arte, se é daí que se parte de algo mais espontâneo, íntimo, subjetivo do ser humano para produzir a própria arte? Não seria uma concepção de arte de Édouard muito dura, quase sem imaginação? Inspirar-se em algo, não é pré-condição do artista para a criação? Não é pré-condição para a invenção? Ao desprezar tal característica do homem, não estamos nos jogando numa espécie de construção artística, científica e da realidade que se aproxima da frieza do cientificismo e do positivismo e até da razão instrumental? O personagem não cairia em contradição neste momento com toda a argumentação aqui construída? Ou isso é proposital: demonstrar que todos estamos propensos a cair em contradições e paradoxos a todos os momentos, sobre todo e qualquer assunto?

Logo adiante, Édouard, em conversa com o Conde de Passavant, um mecenas, enrustido de intelectual na história, reafirma seu posicionamento e entendimento sobre o homem definindo o ser humano de modo tão baixo e vil, que nos relembra as mesmas concepções da Igreja Católica durante a Idade Média, sobre o ser humano. Se um burguês vê os homens assim, é porque traiu todos os ideias de sua própria classe, haja visto que todos os ideias da Renascença influenciaram as concepções do homem burguês de mundo e posteriormente do próprio Iluminismo. As asneiras do Conde de Passavant continuam e chegam ao cúmulo de defender os fortes, a aniquilação dos fracos e de forma bem direta, a própria eugenia, exterminando as raças fracas e permitindo o nascimento do homem forte ou da raça pura. É impossível não associar tais ideais e concepções de homem e de mundo com o nazismo que viria anos após o lançamento da obra. 19

Num outro diálogo com o Conde de Passavant e seu futuro secretário, este, o secretário, afirma que deseja fazer uma revista que retrate a obra de arte como algo delirante, fantasmagórico e distante da realidade de forma alucinada.

Se levarmos a bom termo nosso trabalho, e pode contar comigo para isso, não dou dois anos para que um poeta de amanhã se ache desonrado se alguém entender o que ele quer dizer. Sim, senhor conde; quer apostar? Serão considerados anti-poéticos todo o sentido, toda significação. Proponho operar a favor do ilogismo. 20

A arte e em especial parte de nossa poesia nos dias de hoje, em muitos momentos, são tão sem sentido, sem nexo, sem entendimento. Em alguns casos beiram a viagens alucinógenas de seus autores, algo difícil para se interpretar que não o próprio autor, em outros, textos sem rima, nexo, lógica, sem pretextos, objetivos, perdidos no ar e no tempo. Praticamente sem pés nos chão. Uma arte longe da realidade. Que portanto, dá a nos entender que se trata de uma falsa arte. Será por isso que Édouard odeia tanto o Conde? Em alguns momentos, parece que o Conde é uma espécie de interlocutor a altura do autor. É como se ele criasse um personagem para mostrar o seu contrário ou aquilo que ele mais detesta na obra de arte (ou na falsa obra). O Conde é o oposto em muitos momentos do que pensa o autor. Enquanto o Conde é um mercador da obra de arte, um mecenas, Édouard é um escritor verdadeiro, crítico da realidade e da própria situação com que passa a obra de arte em seu tempo. É como se colocássemos um personagem para defender o valor de troca na arte, portanto Passavant e o valor de uso da mesma, Édouard.

Novamente, de outro modo, usando outras metáforas, Édouard deixa claro como quer seus livros daqui para frente, em especial, este do qual escrevemos:

Os livros que escrevi até agora me parecem comparáveis aqueles lagos de jardins públicos, de contornos precisos, perfeitos talvez, mas onde a água cativa está sem vida. Agora, quero deixá-la correr segundo o declive, ora rápida e ora lenta, em meandros que me recuso a prever. 21

Esta primeira passagem nos remete a uma noção imensa de liberdade em enxergar este livro. Ele é livre e continuará sendo assim. Se as obras anteriores não tiveram tanta vida quanto esta, é justamente pela liberdade e pela forma como encara a construção de seus personagens que lhe permite pensar e agir dessa forma. E ele continua no mesmo sentido:

Para mim, que deixo o meu [livro] seguir à própria sorte, considero que a vida nunca nos propõe nada que, tanto quanto uma conclusão, não possa ser considerado como um novo ponto de partida. “Poderia ser continuado...” é com essas palavras que gostaria de terminar Os moedeiros falsos. 22

Neste trecho, o que parece é que o autor está também dando um entendimento de vida, de arte e de construção da obra de modo dialético. Podemos começar do zero sempre. Sempre que quisermos ou desejarmos, poderemos começar também de qualquer parte ou de qualquer forma. Retomar o fim ou corrigir seus rumos, a dialética nos permite tal liberdade de interpretar, de ir e vir, de tentar fazer melhor, sempre que possível ou de simplesmente tentar.

Édouard, sabiamente continua suas conversas, desta vez com seu secretário e amigo, Bernard. Acredita que é necessário uma vontade de mudar as coisas e não aceitá-las como elas são. É quase um espírito de jovem num senhor.

Não se descobre terra nova sem consentir em perder de vista, primeiro e por muito tempo, toda terra firme. Mas nossos escritores, tem medo de mar aberto; são apenas navegadores de cabotagem. 23

Bernard retoma o diálogo, em concordância com o escritor, assumindo uma psicologia e uma pedagogia de si mesmo que independe da existência da autoridade iluminada para viver e se educar. Assim como provavelmente ele dá vida a seus personagens e os permite viver livremente na obra e na imaginação dos leitores, ele também o pensa na vida das pessoas.

Este comportamento, tipicamente libertário na educação, talvez tenha servido para Gide entender, depois que visitou a antiga URSS, de que não se tratava mais de uma utopia das esquerdas, mas de um pesadelo vivo imenso a céu aberto para que todos vissem e se assustassem diante daquilo. Talvez por este e outros motivos, o autor tenha rompido com o Partido Comunista depois de sua viagem.

Foi então que me perguntei como estabelecer uma regra, pois que eu não aceito viver sem regra, e que tampouco aceitaria uma regra vinda de outrem.
- A resposta me parece simples: é encontrar essa regra em si mesmo; ter por objetivo o próprio desenvolvimento. [comenta Édouard].24

A ideia aqui retratada no diálogo entre Édouard e Bernard é que cada um de nós precisa encontrar suas próprias regras, leis, e disciplina dentro de si mesmos. Isso é ser anarquista e altruísta consigo mesmo. Isto é ser bom consigo mesmo.

No último capítulo da obra, Gide retrata a grande desgraça que ocorre com o pequeno Boris. Seus três falsos amigos, típicos valentões do colégio, querendo lhe pregar uma peça, resolvem fazer uma das já realizadas brincadeiras de mal gosto. Um deles pega uma arma de fogo e propõe aos quatro que façam um sorteio para quem será aquele que irá brincar de roleta russa na frente do professor em sala de aula. Logicamente, o nome de Boris é posto várias vezes dentro dos papéis do sorteio e naturalmente já se sabe o resultado disso. Boris é escolhido, por ser o mais fraco, o mais desajeitado e o mais sensível dos outros alunos. No dia da brincadeira de mal gosto, Boris recebe a arma com o restante dos alunos acreditando que a arma estava vazia enquanto o mais velho deles não liga a mínima para este detalhe. Resultado, Boris se encaminha para a frente do Professor no centro da sala e dá um tiro na têmpora sem chance de ser socorrido.

Estas mesmas crianças que trocavam moedas falsas no mercado, inclusive o pequeno George, sobrinho de Édouard e irmão de Olivier e Vincent, estavam entre as quatro que realizaram esta grande maldade. O choque, ou um dos muitos choques nos fim do livro, é que provavelmente ninguém esperava que crianças, seres considerados tão puros e inocentes, fariam tal maldade com um de seus colegas. Pois fizeram e ainda foram terríveis o suficiente para esconder a arma no local onde tinham pego e ainda fingirem tristeza na morte do pequeno Boris.

A maldade, o planejamento, a ação tipicamente maquiavélica (no mau sentido da palavra) em manter o teatro e a farsa, mesmo depois da tragédia, é o que importa para estes três pequenos que matam Boris. O que importa são os fins e estes por si só justificam os meios para fazê-lo: a diversão a todo e qualquer custo. A dissimulação dos pequenos é a anunciação de que algo pior estaria por vir. A ética da modernidade (ou será que isso é um modelo ético?) é a de que nada mais importa do que aquilo que se deseja, nem mesmo a vida humana.

É como que a quebra de paradigmas. Uma moeda é um modelo. Assim como a ética e a moral que todos (teoricamente) defendemos e praticamos, também são paradigmas. Quando crianças matam e o fazem de modo cruel, é como se provavelmente, Gide quisesse encerrar o livro dessa forma, como um meio de nos alertar diante da barbárie que ele já prenunciava no comportamento das pessoas em seu tempo. É como a chegada do inverno, em que tudo fica cinza, escuro, frio, quase morto. É a chegada ou a presença da Modernidade.

Considerações sobre a obra:

Vozes por toda a obra. Isso faz parte do livro. Por toda obra é um entra e sai de personagens nos diálogos, a todo instante, que é preciso muita atenção para não se perder e não se enganar nas falas de um e de outros. Acredito que esta seja uma representação da loucura que é a vida na modernidade. Todos falando ao mesmo tempo, sem se respeitar ou respeitar a si mesmos. Parecem etnias indígenas em que saem falando as dezenas e você não sabe como espectador recém chegado a quem prestar atenção. Se parece também com uma sala de aula de uma determinada Escola de crianças, adolescentes e jovens no Estado. Quando se pede a participação ou se tem dúvida sobre algo, todos juntos resolvem falar sem respeitar uns aos outros e não permitindo que ninguém entenda nada. É o retrato do caos que se encontra os homens.

Outra impressão ao finalizarmos a leitura da obra, é a de que somente no final, você entende o por que do nome do livro. Este é o mistério que ronda toda a obra. Por todo o livro ficamos a nos perguntar, mas porque este nome para o livro? Será que são somente os meninos que passam adiante as falsas moedas? Mas não é isso. O próprio Gide, na figura de Édouard, na página 209, praticamente na metade do livro, não tem a menor idéia do porque o livro terá este nome, mas ele já o escolheu.

Outra impressão importante da obra é que por mais avançada que esteja sua leitura do livro, você não sabe do que o livro trata especificamente. Num capítulo ele trabalha a questão da crítica a falsa obra de arte, no outro a critica a modernidade, no outro, uma crítica aos costumes, preconceitos, religiões, a alienação e de repente, volta a todos eles de outra forma. É como se o autor preparasse uma obra para nos deixar sem chão, perdidos, perplexos. O livro é como aquele sonho que muitos de nós tem, em que caímos num buraco escuro sem fim e não paramos de cair até que acordamos completamente assustados.

O fim da obra chega a ficar morno, num diálogo sem sal, chocho, e de repente, vem o ato violento que nos faz entender todo o livro, o título e o objetivo do mesmo. É aterrorizante o fim do livro. É impactante. Desconcertante. Ao mesmo tempo que é de uma maldade e de uma covardia para com o pequeno Boris, que durante a obra é retratado como garoto tímido, sensível, bom. Não dá para não se identificar com Boris e ficar triste e chocado com seu fim. Quem é que nunca se viu vítima dos valentões proto-fascistas das Escolas e nos Colégios? E de repente, ao vermos Boris morrer daquela forma covarde, é como se fosse cada um de nós passando pelo mesmo.

É como se Kafka, Proust, Gide, Becket e outros escritores modernos, ganhassem o papel de Sócrates, quando Platão escreve o Mito da Caverna, dando a entender que aquele único prisioneiro que consegue se libertar e ver a luz, seria no fundo uma metáfora da figura de Sócrates. Estes escritores da Modernidade são como os prisioneiros da caverna que conseguem se libertar das correntes e ver a luz do sol. Como se sabe, na história de Platão, um dos presos tenta avisar os outros que existe uma vida diferente lá fora, um outro mundo, algo novo a ser descoberto. Logo que inicia sua tentativa de acordar os demais, é tachado como louco e sem seguida morto. O papel destes escritores é mostrar a humanidade que está acontecendo algo, que a pós-modernidade nos cega a todos e nos mantém ignorantes dentro da caverna. O papel destes escritores é o de tentar mostrar às pessoas o que acontece a sua volta, para que elas, de alguma forma, tomem uma atitude em suas vidas e mudem a realidade em que elas vivem.

E por fim, Gide foi um grande advinho do que ocorreria com a humanidade alguns anos depois da publicação de sua obra: a anunciação da barbárie nazista e fascista. O autor já demonstra em diversas passagens do livro a aceitação de comportamentos tipicamente covardes (e porque não fascistas) no cotidiano das pessoas, anunciando os rumos dos novos tempos. Gide nos mostra a barbárie a varejo, Hitler no atacado.

1 Gide, Andre. Os moedeiros falsos. Estação Liberdade. São Paulo, 2013. Pg. 79.

2 Op. Cit. Pg. 83.

3 Op. Cit. Pg. 83 e 84.

4 Op. Cit. Pg. 108.

5 Op. Cit. Pg. 108 e 109.

6 Op. Cit. Pg. 117 e 118.

7 Op. Cit. Pg. 125.

8 Op. Cit. Pg. 131.

9 Op. Cit. Pg. 136.

10 Op. Cit. Pg. 174.

11 Op. Cit. Pg. 180 e 181.

12 Op. Cit. Pg. 224.

13 Op. Cit. Pg. 197.

14 Op. Cit. Pg. 207.

15 Op. Cit. Pg. 224.

16 Op. Cit. Pg. 228.

17 Op. Cit. Pg. 297.

18 Op. Cit. Pg. 338.

19 Op. Cit. Pg. 351, 352 e 353.

20 Op. Cit. Pg. 355.

21 Op. Cit. Pg. 357.

22 Op. Cit. Pg. 357.

23 Op. Cit. Pg. 375.

24 Op. Cit. Pg. 375.

Resumo sobre os principais filósofos Pré-Socráticos.


Filósofos Pré-Socráticos:

São Filósofos que são considerados anteriores, cronologicamente falando a Sócrates, porém, tal afirmação não faz muito sentido pois muitos Filósofos considerados deste período são contemporâneos a Sócrates ou até posteriores a ele.

Tal divisão realmente se dá pelo fato da alteração do foco de estudo da Filosofia, que antes (com os Pré-Socráticos) se debruçava sobre a natureza e após, direcionou seus estudos para o homem e suas idéias. Os Filósofos Pré-Socráticos ou Naturalistas ou da Physis (natureza das coisas) buscavam então o princípio fundamental do Cosmo ou do Universo. Vamos a alguns dos Pré-Socráticos:

Anaximandro de Mileto:

Arché: Apeíron ou o Infinito ou o indeterminado.

Cada um destes Filósofos acreditava que existia algum composto físico ou não que seria o princípio de toda a matéria ou da existência da vida. Anaximandro acreditava num quarto elemento da natureza que seria neutro e daria forma a tudo o que existe no Universo: era o Apeíron (indeterminado ou infinito). Ele é considerado o Filósofo fundador da Astronomia Grega.

Tales de Mileto:

Arché: Água.

Tales acreditava que a água era o princípio que estava por detrás de todas as coisas. Ele se baseava em diversas análises como um cadáver que seca e fica sem água alguma em seu conteúdo, nos fungos que possuem umidade, nas plantas ao se ressecarem e perderem água, entre outras experiências. Para Tales, "todas as coisas estão cheias de deuses" e "a água era o princípio de todas as coisas".

Anaxímenes de Mileto:

Arché: O ar e o vapor.

Pensava que a origem das coisas era o ar e o vapor. Possuía influências de Tales, porém discordava do mesmo ao achar que não somente a água poderia ser o único objeto. Entendia ele que a água era o ar condensado. Também acreditava que o fogo era ar rarefeito.

Parmênides de Eléia:

Arché: O fogo e a terra. O primeiro criador e o segundo matéria.

Eléia era uma cidade ao sul do que hoje é o território da Itália, povoado por muitos gregos naquela época. Ele dizia que na natureza, nada muda. Ou seja, nenhum objeto pode se transformar em outro.

Parmênides também defendia a idéia de que não deveríamos confiar em nossos sentidos ou percepções sensoriais. Este é um dos primeiros Filósofos a desconfiar dos sentidos e dar preferência para a razão. É o início do Racionalismo na Filosofia. Ele também inicia as discussões acerca da esfericidade da Terra.

Heráclito:

Arché: Fogo.

A matéria inicial do Universo era o fogo. Este discordava de Parmênides no que toca a imutabilidade da natureza. Dizia Heráclito que quando entra no rio para se banhar pela segunda vez, nunca mais, ele e o rio seriam o mesmo. Também ao contrário de Parmênides, Heráclito confiava nas sensações.
Heráclito é considerado o pai da dialética. Dizem os estudiosos da obra de Platão, que, sua filosofia seria uma grande influência de Parmênides e Heráclito.

Empédocles:

Arché: Não há substância única.

Acreditava na existência de 4 elementos da natureza: o fogo, a terra, a água e o ar.

Empédocles tratou de desatar o nó entre os dois Filósofos Pré-Socráticos. Afirmou que a natureza não poderia transformar objetos tão distantes em algo único. Portanto, acreditava em Parmênides ao dizer que nada muda na natureza. Por outro lado, dando outro exemplo, Empédocles afirmava que a natureza poderia sim mudar, bastava a observação da mesma e que portanto, poderíamos confiar em nossos sentidos para tais análises.

Demócrito:

Arché: Átomo.

Acreditava que todas as coisas do Universo eram criadas por "pedrinhas minúsculas, invisíveis, cada uma delas sendo eterna, imutável e indivisível". A expressão átomo vem do grego e significa: a = não e tomo = divisível. Ou seja, átomo quer dizer não divisível.

Demócrito também foi um dos responsáveis pela elaboração das idéias de que o Universo era infinito e que existem muitos mundos iguais aos nossos.

Demócrito imaginava que "se os átomos também fossem passíveis de desintegração e pudessem ser divididos em unidades ainda menores, a natureza acabaria por diluir-se totalmente".

Pitágoras de Samos:

Arché: Os números.

Estava mais próximo da Teologia do que propriamente da Filosofia. Acreditava na crença da transmigração das almas. Foi autor que se destacou em novas propostas éticas para a política e para o ensino.

Também foi grande matemático e influenciou a Física e a própria Matemática posteriormente. Seus ensinamentos ainda são estudados na Universidade e nas Escolas de todo o mundo.

Xenófanes de Colofon:

Arché: Um deus não humano. Sem a forma do homem. Presente em todas as coisas.

Seria o início do pensamento Panteísta? Para Xenófanes, "deus está implantado em todas as coisas, o todo é um, e é supra-sensível, imutável, sem começo, meio ou fim".

Ele não acreditava que deus tivesse a forma humana (como pensa o Cristianismo - "deus é a imagem e semelhança do homem") pois entendia que se os animais tivessem a capacidade de desenhar e pensar, fariam deuses a sua semelhança. Esta é uma crítica a antropomorfização dos deuses humanos.

Anaxágoras de Clazômenas:

Arché: Nous, do grego, espírito ou mente ou inteligência.

Dizia que o Universo era formado pela ação do Nous. Este elemento atuaria sobre uma porção de sementes que possuem um pouco de cada matéria. Desta forma, Nous agiria sobre estas sementes e não se misturando a nenhuma outra matéria constituiria o que conhecemos como Mundo Sensível ou Mundo das Sombras ou dos Sentidos, como diria Platão.

Esta visão objetiva dos elementos formadores da matéria, ou visão finalista, influenciaria Platão e Aristóteles, principalmente quanto ao último ao designar as funções de cada animal ou de suas particularidades na natureza ajudando-o a criar as principais regras das Ciências Biológicas na atualidade.

Os Sofistas:

Odiados por muitos e amados por outros, somente na atualidade é que novos Historiadores e Filósofos souberam dar maior valor e atenção as atividades e propostas deste grupo de Filósofos.

Combatidos por Sócrates, Platão e Aristóteles, que acreditavam entre outras coisas que os Sofistas eram mercenários (pois cobravam dinheiro para ensinar), que não mereciam ser Filósofos (pois criticavam as Leis, costumes e tradições de Atenas), eram tidos como imorais, que eram estrangeiros e deveriam querer desestabilizar a Democracia Ateniense, entre outras pejorativas argumentações.

Muito pouco se sabe dos Sofistas mesmo hoje em dia. O pouco que se conhece é o que falaram e escreveram sobre eles do que propriamente suas opiniões.

São os Sofistas que rompem com a tradição Pré-Socrática dos Filósofos da Natureza (ou da Physis) e iniciam ataques e críticas aos costumes e tradições vigentes. Para eles, o ser humano não deve se moldar a padrões externos de beleza, de comportamento, de crenças. O homem só deve se moldar a sua própria personalidade, ou seja, a sua liberdade. Para os Sofistas, a Moral e a Lei somente serviam para bloquear o livre desenvolvimento do homem.

Isócrates, Górgias e Protágoras foram conhecidos Filósofos Sofistas.

Os Sofistas também são considerados os primeiros advogados do mundo Ocidental. Em troca de um pagamento para sobreviverem, os Sofistas realizavam a defesa de seus clientes, sempre amparados na verdade subjetiva de cada indivíduo e de seus motivos pessoais. Tal relativismo da verdade, criou no Direito e na Política o que se convencionou chamar de "ponto de vista alheio".

Resumo de Montesquieu e os pesos e contra-pesos.


Singelo material usado em sala de aula para introduzir aos alunos um pouco sobre o Estado e seus poderes e o Filósofo Montesquieu. Usado para ensino fundamental II e ensino médio também.

Montesquieu 1689-1755:
O Espírito das Leis.

Montesquieu é um dos Filósofos considerados Iluministas. Escreveu uma obra muito importante para a Política, “O espírito das Leis”. Foi uma dos filósofos a desenvolver a primeira enciclopédia.

Francês, ganhou notoriedade por ser o primeiro a propor a separação de poderes dentro do Estado Nacional, fundando os princípios do Estado Moderno. Propunha Montesquieu que o Estado fosse dividido em três Poderes independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um tendo suas respectivas funções e delimitações, sendo que um não se sobreporia ao outro de modo a evitar a tirania. Era o que Montesquieu chamava dos “Pesos e Contra-pesos”. Tal noção de Estado influencia Rousseau ao propor que “aquele que manda nos homens não deve dominar sobre as Leis, aquele que domina as Leis tampouco deve mandar nos homens”. Estas eram preocupações de Rousseau em evitar no fundo a tirania.

Governos Mistos podem ser regimes que tendem a dividir melhor os poderes internos do Estado de modo a equilibrar as suas forças internas e impedir que um poder se sobre ponha ao outro.

Da divisão dos poderes:

Legislativo: É o poder responsável pelo recolhimento de propostas do povo e que sejam necessidades do mesmo. Ou seja, o Legislativo é representante direto da população. Tais propostas devem ser votadas, encaminhadas ao Poder Executivo que decide se devem ser aprovadas ou não e transformadas em Lei ou não.

Executivo: Cabe ao mesmo executar as Leis criadas pelo Poder Legislativo. Ele é também responsável pela manutenção da ordem e o funcionamento do Sistema Político além de impor as Leis aos cidadãos.

Judiciário: É o poder responsável pela aplicação das penas às pessoas ou empresas que desrespeitam a Lei. É ele quem imputará a pena ao criminoso. Cabe ao Executivo cumprir a ordem dada pelo Judiciário.

No Estado Moderno de Direito, aparece a figura de um quarto poder, que teria o objetivo de punir os desvios que por ventura fossem cometidos por todos os outros três e, por outros atores da sociedade. É o Ministério Público. Também está dividido em praticamente três esferas como os outros três poderes: a esfera municipal (não em todos os municípios), estadual e federal.


Resenha do livro Santo Agostinho da coleção Filósofos em 90 minutos.


Santo Agostinho
De Paul Strathern. Coleção Filósofos em 90 minutos. Editora Jorge Zahar.

Introdução:

O livro começa falando um pouco sobre a situação da Filosofia no período após a morte de Aristóteles e a pobreza que acomete a mesma durante séculos que seguiram.

Conta-nos a história de Zenão, pai do Estoicismo, teoria que preconizava que ser sábio era renunciar a paixões da vida e se tornar virtuoso, ou seja, ter controle e firmeza diante das adversidades mantendo sempre um comportamento justo. Sêneca era um exemplo de Filósofo Estóico.

Vida e obra:

Nascido a 354, na cidade de Tagasta (nordeste da Argélia), era filho de pai alcólotra e mãe católica fervorosa que é responsável, mesmo que indiretamente pela influência no filho ao se apegar ao Cristianismo. Por boa parte da vida, Agostinho se penitenciava o tempo todo por ser um maníaco sexual. Procurava na figura de deus uma explicação por sua compulsão por sexo.

Foi pensando em explicar seu forte desejo por sexo que nosso Filósofo começa a estudar um Filósofo Persa chamado Maniqueu. Este declarava ser o Espírito Santo e acabou sendo crucificado por adoradores do fogo. Os adeptos do Maniqueísmo entendiam o mundo de forma dualista, que era produto do conflito entre o bem e o mal (luz ou trevas). Entendiam estes que a alma do homem consistia em luz enredada em trevas, da qual o homem devia buscar se libertar. Por um bom tempo Agostinho acreditou no Maniqueísmo. Entendia ele que algo nos fazia pecar e que deveríamos nos livrar de tais atitudes.

Agostinho então, vivendo em Cartago, onde se formara, recebe convite para dar aulas em Milão, mas antes disso vai para Roma buscar outro trabalho. Lá inicia estudos sobre Astronomia que o fariam contrariar o Maniqueísmo. Quando chega a Milão vai ouvir o Bispo Ambrósio e acaba por entender que o Cristianismo poderia lhe trazer um ideal e explicações que o Maniqueísmo jamais traria. Agostinho então começa a estudar outro Filósofo, o pai do Neo Platonismo, Plotino.

Plotino acrescenta as idéias de Platão na tentativa de explicar o autor com suas próprias posições, além de Pitágoras, Aristóteles e os Estoicos. Para Plotino a realidade maior era o Uno. Tudo emanava do Uno. O mal vinha de um objeto distante do Uno. O mal era a ausência do bem. Não era portanto necessária uma explicação dualista ou dicotômica de bem e mal tal qual pensavam os maniqueístas.

Num dia ocorre uma experiência pessoal com Agostinho que o faz se converter de fato ao Cristianismo. Neste mesmo período de sua vida, morre sua mãe, Mônica, que tempos depois seria canonizada pela Igreja.

Voltando a Plotino, ele acredita que para alcançar o Uno supremo, a realidade última, devemos olhar dentro de nós. Foi então que Agostinho tenta reconciliar a doutrina de Plotino com São Paulo, que era a reconciliação do Neo-platonismo com a Bíblia. Essa seria a grande façanha de Agostinho na Filosofia, uma vez que conciliou a tradição grega com o Cristianismo. Dessa maneira, os escritos da Filosofia Grega puderam ser salvos da fogueira da inquisição católica durante todo a idade média.

O pensamento de Plotino não aceitava que algo pudesse ser criado a partir do nada ou do menos, tal como em Gênesis na Bíblia. Aí aparece já a influência de Aristóteles. Com a proposta de unir o Neo-Platonismo com o Cristianismo, Agostinho explica que Deus existe fora do tempo e que este começou a partir da criação do mundo. Agostinho vê o tempo como subjetivo e está ligado a questão cultural de como o homem medieval enxergava o mundo. A realidade última, portanto o Uno, não está sujeito ao tempo. Ao flexibilizar a noção do tempo, Agostinho também relativiza toda a realidade. A única coisa que podemos ter certeza (e dessa forma não temos certeza de nada) é que existimos e pensamos. Tais afirmações estão em “Solilóquios” e vão influenciar Descartes futuramente.

Após ser empossado Bispo, virar juiz da cidade e Professor de Teologia, Agostinho inicia uma série de ataques contra seitas heterodoxas do Cristianismo como os ”Donatistas”, o “Pelagianismo” e outros. Está é uma típica atitude dos cristãos novos: tem que beijar a cruz com mais veemência do que os outros cristãos para demonstrar sua fé.

Em 410 D.C, portanto mais de oitocentos anos que um povo estrangeiro não invadia Roma, os Visigodos tomam a cidade e saqueiam-na. Os religiosos da época culpam o Imperador Teodósio por banir o culto a antigos deuses em favor do monoteísmo cristão. Diante disso, Agostinho lança “A cidade de deus”. Ele leva treze anos para terminar de escrever a obra. Já estamos portanto nos idos de 426 D.C e nosso autor já chega aos 72 anos de vida. Em 28 de agosto de 430 D.C morre Agostinho após os Bárbaros alcançarem os portões de sua cidade. Seu corpo é levado para Sardenha e lá fica até o Século VIII. Depois é levado para Pávia na Itália onde permanece até hoje.

Depois de Santo Agostinho:

Há uma discussão na História entre o começo da Idade Média em 456 D.C, quando o Imperador Rômulo Augusto, ainda menino é deposto e a metade Romana do Império é destruída. Por outro lado fala-se no começo da Idade das Trevas em 529 D.C no fechamento da Academia de Platão em Atenas a mando do Imperador Justiniano, marcando o início da escuridão. Por outro lado costuma-se também falar no início da Idade Média em 476 D.C, com a queda do Império Romano do Ocidente com sede em Roma, período que vai até 1453 com a queda do Império Bizantino ou Romano do Ocidente.

Mas deixemos de lado estes fatos e voltemos ao nosso Filósofo. Um pensador de grande repercussão na Europa pós Agostinho foi Boécio que faleceu cerca de 100 anos após a morte do santo. Ele escreveu a obra “Consolação da Filosofia” que foi o livro mais lido ou um dos mais lidos durante toda a Idade Média, após a Bíblia. A Filosofia deste Senhor era cópia do Platonismo e nada tinha do Neo-Platonismo e Plotino. A importância de Boécio, mesmo que acidental, foi manter o contato de uma elite letrada com as obras principais da Filosofia Grega. Outro Filósofo que recebe influência de Agostinho e faz uma fusão entre Filosofia e Teologia é João Escoto Erígena. Mas a grande influência do santo homem foi sobre Santo Anselmo que no Século XI fundou a Escolástica. Esta nada mais foi do que uma tentativa de construir um corpo Filosófico embasado no pensamento religioso. A Escolástica acabou se tornando uma ferramenta de opressão, pois quando se caia em contradição aos escritos sagrados, corria-se o risco em última instância, de ir parar na fogueira. Então a Filosofia se tornou um poderoso jogo de lógica e retórica baseado no dogmatismo religioso. Um novo instrumento de opressão. É como comparar a Dialética na Filosofia ao Xadrez, perdeu, morreu. O resultado desse uso opressor da Filosofia é que ela acabou sendo instrumento de repressão e controle da propaganda Cristã da Igreja.