sábado, 3 de dezembro de 2022

Pequena resenha de Maquiavel, O Príncipe.

 

Nicolau Maquiavel (1469-1527):

O Príncipe:

A leitura da obra foi realizada na edição da Coleção “Folha, Livros que mudaram o mundo”, mas a resenha foi retirada de cópia baixada pela Internet. As notas de rodapé, são referentes as páginas da obra da Folha de São Paulo.

Maquiavel inicia a discussão de como um príncipe deve manter o seu reino e sua nova conquista. Nunca deve basear seu poder nas mãos de outras pessoas. Sempre precisa estar diretamente ligado aos detalhes ou a própria existência do Governo.

Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é causa do poderio de alguém arruína-se, por que esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou poderoso.1

O curioso é que a primeira impressão, imagina-se que o autor faz seus aconselhamentos baseados em opiniões próprias ou achismos, o que no decorrer da obra percebe-se não ser verdade. Todas as suposições ou conselhos são baseados em fatos históricos que o precederam. (pg 18). Isso demonstra algo diferente até então nas clássicas obras de política do mundo Ocidental. Antes, praticamente todas as grandes obras, se baseavam em opiniões, argumentações ou achismos sem fundamentação empírica, histórica, prática ou real. Eram projetos, idéias, teorias, entre outros. Maquiavel neste ponto parece se aproximar dos futuros empiristas ingleses que tendiam a se basear muito mais nas experiências práticas do que nas idéias.

Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança; não deixam nem podem deixar esmaecer a lembrança da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou habitá-las pessoalmente.2

Apesar das críticas, Maquiavel demonstra-se um fiel Republicano. Maquiavel traz consigo aquela idéia do homem que se esforça na vida ou no trabalho e que deve ser recompensado por tal esforço. Aparentemente o que se entende disso é que ele traz consigo os valores do homem liberal, da vontade de ser esforçado e de vencer na vida por méritos próprios, o que constitui a idéia do self made man.

Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em príncipes, com pouca fadiga assim se transformam, mas só com muito esforço assim se mantêm: não encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque atingem o posto a vôo; mas toda sorte de dificuldades nasce depois que aí estão. São aqueles aos quais é concedido um Estado, seja por dinheiro, seja por graça do concedente.3

O uso da força para conquistar um Estado ou o uso de favor de conterrâneos para mesma atividade não parece ser algo intolerável pelo autor. Não em seu tempo.

Ademais, se se considerar a virtude de Agátocles no entrar e no sair dos perigos e a grandeza de seu ânimo no suportar e superar as adversidades, não se achará por que deva ser ele julgado inferior a qualquer dos mais excelentes capitães; contudo, sua exacerbada crueldade e desumanidade, com infinitas perversidades, não permitem seja ele celebrado entre os homens mais ilustres. Não se pode, assim, atribuir à fortuna ou à virtude aquilo que sem uma e outra foi por ele conseguido.4

Pode se dizer que a partir dessa nova forma de se conquistar o Estado ou de mantê-lo (utilizando-se do uso de muita força e até do terror contra a população), Maquiavel inicia o que poderia mais tarde se tornar uma ética de padrão diferenciado do padrão da Igreja e que as religiões impunham ao mundo naquele momento. Maquiavel é completamente racional na questão política e bastante prático: ele escreve uma obra para ser usada como livro de cabeceira dos reis naquele momento da história afim de ajudá-los a manter a mínima governabilidade se afastando dos credos do cristianismo no que toca as relações do poder e dos súditos. Ao escrever uma obra sem citação alguma de textos considerados sagrados ou outros tipos de referências teológicas cristãs, nosso autor demonstra coragem, autonomia e independência diante do pensamento dominante de então. Quando lhe acusam de ser o pai da idéia de que os fins justificam os meios, percebe-se um grande equívoco neste argumento. Maquiavel respeita as regras do jogo.

O uso da violência para garantir a governabilidade deve ser aceito pelo Príncipe. As crueldades não podem ser esquecidas ou deixadas de lado. Mas devem ser feitas de uma única vez para não fazer o povo entender como castigo eterno. Portanto, não deve-se estender por muito tempo.

Penso que isto resulte das crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem instantaneamente pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim se as transforma no máximo possível de utilidade para os súditos; mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do tempo aumentam ao invés de se extinguirem.5

As forças de uma pátria, principado ou de uma Cidade Estado, aparentemente são medidas pelo autor de acordo com o grau de esforço e sacrifício de um povo ao defender seu principado e seu soberano. (pg 28 e 29).

Armar os Estado com exércitos próprios é dar vida longa e segura ao povo e ao poder. Ao dizer que determinados povos são livres pois possuem exércitos nacionais, Maquiavel demonstra claramente qual a importância das armas para a existência e manutenção dos governos em um mínimo funcionamento necessário à sociedade. Esse ponto de vista vai de encontro também ao que escreve o inglês Thomas Hobbes em sua obra O Leviatã. (pg 31).

Conclui pois Maquiavel, que , para se ter um mínimo de segurança, é necessário ter um exército próprio, pois, confiar em tropas auxiliares é péssimo, em mercenários é ruim e em tropas mistas também não é bom, o que garante para o autor o uso de exércitos do próprio Estado.

Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos. A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.6

É o uso das armas que garante governabilidade ao Príncipe:

Por experiência se vêem príncipes sós e repúblicas armadas fazerem grandes progressos, enquanto se vêem tropas mercenárias não causarem mais do que danos. Ainda, uma República armada de tropas próprias se submete ao domínio de um seu cidadão com muito maior dificuldade do que aquela que esteja protegida por tropas mercenárias ou auxiliares.7

Ao entrar na discussão se deve o Príncipe ser amado ou temido, diz que deve-se usar ambas as ferramentas com o povo e, não sendo possível utilizar as duas, o Príncipe deve preferir ser temido. O autor demonstra neste momento uma noção de ser humano que também parece se assemelhar a de Thomas Hobbes. (pg 38).

Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se.

E logo adiante continua:

Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio.8

Também deixa claro que deve evitar ser odiado pelo povo. Também diz que se fores comedido com o dinheiro do povo, será amado pelo mesmo pois não cobrará mais impostos. Caso ocorra o contrário, poderá ser odiado.

Em trecho seguinte defende a idéia que todo governante deve saber usar da força e da inteligência (das Leis) para governar. É essencial carregar consigo uma das duas naturezas afim de manter sempre o povo temente ao seu poder.

O uso da dissimulação, quebra de contrato ou outros métodos e táticas também pode ser usado pelo Príncipe para governar. Pois deve o governante ter a qualidade de leão e de raposa. (pg 40).

Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o animal e o homem. Esta matéria, aliás, foi ensinada aos príncipes, veladamente, pelos antigos escritores, os quais descrevem como Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram confiados à educação do centauro Quiron. Isso não quer dizer outra coisa, o ter por preceptor um ser meio animal e meio homem, senão que um príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma sem a outra não é durável. Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve deste tomar como modelos a raposa e o leão, eis que este não se defende dos laços e aquela não tem defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte.

E continua:

Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os homens fossem bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não observariam a sua fé a teu respeito, não há razão para que a cumpras para com eles. Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua quebra da palavra. Disto poder-se-ia dar inúmeros exemplos modernos, mostrar quantas pazes e quantas promessas foram tornadas írritas e vãs pela infidelidade dos príncipes; e aquele que, com mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador: tão simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar.9

Para Maquiavel, todo governante deve carregar consigo 5 qualidades: piedade, lealdade, integridade, humanidade e religião. A última é a mais importante de todas para o autor pois acredita o mesmo que deve se demonstrar ser um homem bom para as pessoas, por isso demonstrar sua religiosidade. Mas o que também se entende é que homens bons, não precisam ser a fundo, pessoas religiosas (ou pelo menos aparentar ser) (pg 40). Ele finaliza este capítulo XVIII dizendo que o que importa são os fins quando não existem Tribunais para se recorrer. Ou seja, num mundo sem Lei e ordem, sem Estado ou onde as regras são a do vale tudo, aí sim, os fins justificam os meios. Caso contrário, existem regras a serem seguidas por todos. Quando o príncipe não tem mais saídas ou para onde apelar, os fins, aí sim, justificam os meios. (...) nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas.10

Pouco adiante, nos remetemos a algo presente na realidade brasileira e que virou um grande escândalo, foram as palavras de Rubens Ricupero numa entrevista com o jornalista de TV Globo, Carlos Monforte, onde o embaixador diz: “o que é bom a gente mostra, o que é ruim, a gente esconde”. (Pg 42).

Daí pode-se extrair outra conclusão digna de nota: os príncipes devem atribuir a outrem as coisas odiosas, reservando para si aquelas de graça. Novamente concluo que um príncipe deve estimar os grandes, mas não se fazer odiado pelo povo.11

E continua:

Concluo, portanto, que um príncipe deve dar pouca importância às conspirações se o povo lhe é benévolo; mas quando este lhe seja adverso e o tenha em ódio, deve temer tudo e a todos. Os Estados bem organizados e os príncipes hábeis têm com toda a diligência procurado não desesperar os grandes e satisfazer o povo conservando-o contente, mesmo porque este é um dos mais importantes assuntos de que um príncipe tenha de tratar.12

Maquiavel volta a questão de ser odiado ou não e por quem se deve ou não ser odiado. Diz que se deve evitar a cólera de grupos organizados da sociedade (tal como a classe dominante), mas acima de tudo, deve-se evitar o ódio do povo. E em algumas situações é importante se utilizar do saco de maldades. (Pgs. 43 e 45).

Ao retratar a questão das construções com que deve se preocupar o Príncipe, Maquiavel fala da inutilidade dos grandes castelos pois de nada adianta se cercar para se isolar do povo, pois quando esse é revoltado contra o governante, nada o detém. Por outro lado, Maquiavel está de acordo na construção de grandes muralhas que defendam as cidades e o povo.

Maquiavel finaliza o último capítulo na esperança de que um príncipe venha libertar a Itália da dominação dos Bárbaros. Faz exaltação da força do homem Italiano e de sua superioridade em força em relação aos demais homens europeus e do mundo. É saudosista e nacionalista defendendo o espírito bélico de um futuro exército Italiano em relação a Espanha, França e Suíça. Finaliza conclamando o povo Italiano a receber e a apoiar a vinda de um Príncipe salvador da Itália, um verdadeiro líder, um condottiere. É pena que o chamado de Maquiavel tenha demorado tanto a ser ouvido e tenha caído nos ouvidos do fascismo italiano personificado na figura de Benito Mussolini. Enfim, talvez este seja o grande objetivo da obra de Maquiavel, a de que seu livro se tornasse importante ferramenta de auxílio aos futuros príncipes Italianos, com o objetivo de fundar o Estado, a nação Italiana ou mesmo promover a unificação destes povos contra os elementos externos e invasivos.

1 O Príncipe. Maquiavel, Nicolau. São Paulo. Folha de São Paulo. 2010. Pg. 16.

2 Op. Cit. Pg. 18.

3 Po. Cit. Pg. 20.

4 Op. Cit. Pg. 24.

5 Op. Cit. Pg. 25.

6 Op. Cit. Pg. 30.

7 Op. Cit. Pg. 31.

8 Op. Cit. Pgs. 38 e 39.

9 Op. Cit. Pg. 40.

10 Op. Cit. Pg. 40 e 41.

11 Op. Cit. Pg. 42.

12 Op. Cit. Pg. 42.