Defesa
de Sócrates – Platão:
O livro conta a história do julgamento de
Sócrates que fora condenado a beber cicuta pelos juízes da cidade.
Em votação apertada, apenas uma diferença de 30 juízes ou 60
votos decidiram que Sócrates era culpado das acusações que
receberá: a de não acreditar em Deuses do Estado Grego, a de querer
corromper a Juventude e a de querer inserir novos deuses na
sociedade.
Foram três os acusadores: Meleto, poeta
considerado pouco importante; Ânito, um artesão desconhecido e
Licão, um dos muitos oradores de Atenas. Numa segunda votação da
assembléia dos juízes da Ágora, foram 140 votos pedindo a pena de
morte e rejeitando a proposta de Sócrates de ser alimentado e
alojado no Pritaneu.
O importante neste julgamento é a lição
de moral que Sócrates impõem aos Juízes Atenienses, dando a
entender que os mesmos não teriam a mínima capacidade de julgá-lo,
pois são inferiores intelectualmente e não tem condições de
entender o que diz. Sócrates também afirma durante o julgamento que
ele próprio é uma espécie de dádiva que a cidade recebe e que
portanto, matá-lo, seria uma grande injustiça.
Eu vos afianço, homens que me mandais
matar, que o castigo vos alcançará logo após a minha morte e será,
por Zeus, muito mais duro que a pena capital que me impusestes. Vós
o fizeste supondo que vós livraríeis de dar boas contas de vossa
vida; mas o resultado será inteiramente o oposto, eu vo-lo asseguro.
Serão mais numerosos os que vos pedirão contas; até agora eu os
continha e vós não o percebíeis, eles serão tanto mais importunos
quanto são mais jovens, e vossa irritação será maior. Se
imaginais que, matando homens, evitarei que alguém vos repreenda a
má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação,
nem é inteiramente eficaz e nem honrosa; esta outra, sim, é a mais
honrosa e mais fácil; em vez de tapar a boca dos outros, preparar-se
para ser o melhor possível.1
Conclusão:
É impressionante como o texto de Platão
consegue retratar um momento histórico importantíssimo na vida da
sociedade e do Estado Ateniense e na própria vida de Sócrates. A
impressão que se tem no decorrer da leitura, é a de que é o
próprio Sócrates está narrando sua defesa perante os 500 juízes. Os
argumentos usados para contradizer seus acusadores, para criticar o
modo de ser da sociedade Ateniense, os maus juízes, para explicar
sua profissão, a de parteiro das idéias afim de provar com isso a
sua pobreza, sua própria defesa utilizando-se da Maiêutica
Socrática e a demonstração de amor pela Filosofia, são
apaixonantes e ao mesmo tempo desafiadoras dos privilégios dos
poderosos. Também a devoção aqueles que desejosos de se retirar da
ignorância, e eram sinceros no diálogo com Sócrates, fica
demonstrada durante a obra.
Para finalizar, o desapego total a vaidade
e aos bens materiais e seu total comprometimento com uma vida simples
voltada para a nutrição da alma e da virtude, quando a maior parte
dos cidadãos Atenienses se preocupavam com suas riquezas, fica tão
claro durante a obra, que se imagina em determinados momentos ser a
obra de Platão uma pura transcrição fiel do julgamento para o
papel. É como se Platão tivesse gravado o julgamento e
posteriormente repassado o conteúdo ao papel. A realidade, os
sentimentos, as argumentações, refletem aparentemente, o que de
fato aconteceu no julgamento. Numa das passagens da obra, o Filósofo
assim se defende:
Não tenho outra preocupação senão a
de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis
menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de
vossas almas, e vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas
sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil
aos homens, quer na vida pública ou na vida privada.2
A importância que Sócrates dava na
reflexão das pessoas para o despertar de suas consciências, através
da Maiêutica, era muito importante. Ele desejava que todos se
preocupassem mais com o saber e o enriquecimento de suas almas do que
propriamente o enriquecimento de bens materiais.
Uma das conclusões que tiramos deste
trágico episódio da história da humanidade, é que Sócrates
mostra, com sua atitude de discordar da decisão dos Juízes ao
determinarem sua morte (mesmo respeitando as Leis e o Estado de
Atenas), é de que o Intelectual jamais deve concordar ou estar a
disposição do poder, seja em qualquer sociedade. O papel do
intelectual deve ser sempre o de colocar em cheque ou em dúvida as
instituições, suas funções, os governos, os poderes, enfim, o
papel do intelectual sempre deve ser o de questionar a realidade
social em que vive o povo e com isso levar a população a reflexão
e a escolher caminhos melhores e que sejam do seu interesse. Sócrates
tentou fazer com que a população de Atenas questionasse o modo como
o Governo escolhia seus Juízes e tantas outras coisas. Pagou com a
própria vida por isso.
Talvez por isso, por tentar ser o mais fiel às palavras de Sócrates e ao acontecimento em si, Platão tenha
criado uma obra magnífica, ao mesmo tempo triste, revoltante, porém
estimulante na medida em que se multipliquem outros Sócrates na
nossa realidade e mundo afora.
1
Platão. Defesa de Sócrates. Tradução de Jaime Bruna,
Editora Abril, São Paulo, 1996. Pg. 50.
2
Idem. Pg. 6 e Pg. 40.