sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Resenha de "Defesa de Sócrates" de Platão.


Defesa de Sócrates – Platão:

O livro conta a história do julgamento de Sócrates que fora condenado a beber cicuta pelos juízes da cidade. Em votação apertada, apenas uma diferença de 30 juízes ou 60 votos decidiram que Sócrates era culpado das acusações que receberá: a de não acreditar em Deuses do Estado Grego, a de querer corromper a Juventude e a de querer inserir novos deuses na sociedade.

Foram três os acusadores: Meleto, poeta considerado pouco importante; Ânito, um artesão desconhecido e Licão, um dos muitos oradores de Atenas. Numa segunda votação da assembléia dos juízes da Ágora, foram 140 votos pedindo a pena de morte e rejeitando a proposta de Sócrates de ser alimentado e alojado no Pritaneu.

O importante neste julgamento é a lição de moral que Sócrates impõem aos Juízes Atenienses, dando a entender que os mesmos não teriam a mínima capacidade de julgá-lo, pois são inferiores intelectualmente e não tem condições de entender o que diz. Sócrates também afirma durante o julgamento que ele próprio é uma espécie de dádiva que a cidade recebe e que portanto, matá-lo, seria uma grande injustiça.

Eu vos afianço, homens que me mandais matar, que o castigo vos alcançará logo após a minha morte e será, por Zeus, muito mais duro que a pena capital que me impusestes. Vós o fizeste supondo que vós livraríeis de dar boas contas de vossa vida; mas o resultado será inteiramente o oposto, eu vo-lo asseguro. Serão mais numerosos os que vos pedirão contas; até agora eu os continha e vós não o percebíeis, eles serão tanto mais importunos quanto são mais jovens, e vossa irritação será maior. Se imaginais que, matando homens, evitarei que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação, nem é inteiramente eficaz e nem honrosa; esta outra, sim, é a mais honrosa e mais fácil; em vez de tapar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possível.1


Conclusão:

É impressionante como o texto de Platão consegue retratar um momento histórico importantíssimo na vida da sociedade e do Estado Ateniense e na própria vida de Sócrates. A impressão que se tem no decorrer da leitura, é a de que é o próprio Sócrates está narrando sua defesa perante os 500 juízes. Os argumentos usados para contradizer seus acusadores, para criticar o modo de ser da sociedade Ateniense, os maus juízes, para explicar sua profissão, a de parteiro das idéias afim de provar com isso a sua pobreza, sua própria defesa utilizando-se da Maiêutica Socrática e a demonstração de amor pela Filosofia, são apaixonantes e ao mesmo tempo desafiadoras dos privilégios dos poderosos. Também a devoção aqueles que desejosos de se retirar da ignorância, e eram sinceros no diálogo com Sócrates, fica demonstrada durante a obra.

Para finalizar, o desapego total a vaidade e aos bens materiais e seu total comprometimento com uma vida simples voltada para a nutrição da alma e da virtude, quando a maior parte dos cidadãos Atenienses se preocupavam com suas riquezas, fica tão claro durante a obra, que se imagina em determinados momentos ser a obra de Platão uma pura transcrição fiel do julgamento para o papel. É como se Platão tivesse gravado o julgamento e posteriormente repassado o conteúdo ao papel. A realidade, os sentimentos, as argumentações, refletem aparentemente, o que de fato aconteceu no julgamento. Numa das passagens da obra, o Filósofo assim se defende:

Não tenho outra preocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas, e vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública ou na vida privada.2

A importância que Sócrates dava na reflexão das pessoas para o despertar de suas consciências, através da Maiêutica, era muito importante. Ele desejava que todos se preocupassem mais com o saber e o enriquecimento de suas almas do que propriamente o enriquecimento de bens materiais.

Uma das conclusões que tiramos deste trágico episódio da história da humanidade, é que Sócrates mostra, com sua atitude de discordar da decisão dos Juízes ao determinarem sua morte (mesmo respeitando as Leis e o Estado de Atenas), é de que o Intelectual jamais deve concordar ou estar a disposição do poder, seja em qualquer sociedade. O papel do intelectual deve ser sempre o de colocar em cheque ou em dúvida as instituições, suas funções, os governos, os poderes, enfim, o papel do intelectual sempre deve ser o de questionar a realidade social em que vive o povo e com isso levar a população a reflexão e a escolher caminhos melhores e que sejam do seu interesse. Sócrates tentou fazer com que a população de Atenas questionasse o modo como o Governo escolhia seus Juízes e tantas outras coisas. Pagou com a própria vida por isso.

Talvez por isso, por tentar ser o mais fiel às palavras de Sócrates e ao acontecimento em si, Platão tenha criado uma obra magnífica, ao mesmo tempo triste, revoltante, porém estimulante na medida em que se multipliquem outros Sócrates na nossa realidade e mundo afora.
1 Platão. Defesa de Sócrates. Tradução de Jaime Bruna, Editora Abril, São Paulo, 1996. Pg. 50.
2 Idem. Pg. 6 e Pg. 40.