A
República – Platão
Por
Fernando Monteiro1.
Livro
I:
A
obra é um diálogo imaginário entre Sócrates e amigos que se passa
na casa de Céfalo, pai de Polemarco e outros. Presentes também eram
Glauco e Adimanto, filhos de Aríston, pai de Platão e seus dois
irmãos respectivamente.
Iniciam
então os presentes uma conversa do que seria então a Justiça, a
Injustiça e outros comportamentos acerca dos dois temas. A discussão
acerca do que é a Justiça se trava com Trasímaco quando o mesmo
defende que a justiça é prática dos tolos e que a injustiça, ação
dos espertos. É conveniente ao mais forte se utilizar da força e da
injustiça, assim como é justo que os fracos executem as ações
ordenadas pelos poderosos contra si mesmos. Da mesma forma, e aí
Trasímaco cai em contradição, é também justo que o fraco cometa
atos prejudiciais aos poderosos e governantes. Trasímaco então
explica que é cômodo ao governante utilizar da força contra o
fraco e que isto seria justo. A meu ver, Trasímaco faz mais uma
constatação da realidade do que propriamente afirmar uma defesa em
torno das injustiças. Talvez, o texto esteja sendo escrito nos
momentos de fúria de Platão e suas discordâncias aos Sofistas, já
que Trasímaco era Sofista.
A
discussão sobre vício e virtude também se coloca na obra.
Aparentemente a discussão em torno da Justiça e Injustiça devem se
esgotar para se ter uma idéia de que não se chegará a tal
sociedade justa, sonhada nesta obra “A República”, se não
houver mudanças educacionais e culturais na sociedade e na formação
dos futuros governantes.
O
Idealismo na Filosofia de Platão está presente em toda a obra. Se é
a educação e a cultura que transformará e tornará justa a
sociedade, está aí demonstrado que acredita nosso autor e seu
Professor, Sócrates, na “força das idéias”.
Livro
II:
Ao
iniciar o segundo livro, Glauco começa um diálogo com Sócrates
defendendo as preocupações e alguns argumentos de Trasímaco de
modo a dar continuidade ao debate, pois Trasímaco havia ido embora.
Num
dos raciocínios elaborados por Glauco, ele cita a estória de Giges,
um pastor que descobre um anel que caso colocado no dedo, tem o poder
de fazer invisível aquele que o usa e retorna a visibilidade ao
retirar o anel do dedo. Tal estória nos remete ao clássico “O
Senhor dos Anéis”.
Dando
continuidade aos debates do livro, Sócrates inicia uma discussão a
respeito de Deus, seu papel na sociedade e sua função. Numa
passagem da obra tem se a impressão de que o “inferno” dos
cristãos para os Gregos seria o Hades. Hades é a região
subterrânea onde ficava a mansão dos mortos. É para lá que vão
as pessoas que não são justas ou corretas na vida na terra.
Sócrates
reinicia então a discussão acerca da Justiça com seus pares, já
revoltados por não se chegar a conclusão alguma.
Livro
III:
Se
inicia discutindo o que deve ou não ser contado as crianças pelos
narradores de fábulas, principalmente quando o assunto abordado
forem os grandes homens da história, guerreiros ou ilustres
personalidades. A impressão que se tem é a de que há uma grande
censura sobre tal assunto e que também há uma personificação ou
forte culto às grandes lideranças do passado, o que automaticamente
me lembra os preparativos para os regimes despóticos, por mais que
não sejam estes os interesses de Platão.
Ao
se discutir tais assuntos, sobre o que entra ou não no processo
educacional das crianças que serão no futuro os Guardiões da
Sociedade ou os Governantes do Estado, percebe-se uma posição um
tanto moralista e tradicionalista senão um forte conservadorismo em
Platão.
Em
certas passagens, existe até a defesa do uso da mentira para que
fatos que depreciem a imagem destas ilustres personalidades sejam
abafados ou censurados. Não nos parece haver aí uma grande
contradição? Construir a sociedade justa (que teoricamente deveria
se eregir sobre a realidade e a verdade) embasado na mentira?
Neste
terceiro livro, ao iniciar um diálogo com Ilíada de Homero, a todo
tempo existe um ataque aos diversos argumentos e passagens da obra
que façam citações dos diálogos dos Deuses entre si ou com os
homens. As argumentações, como dissemos a pouco, tem caráter
moralista em relação a possíveis ações (ou não) de deus sobre o
homem.
A
censura também aparece nas diversas artes: oratória, música,
literatura (infantil e adulta) e ainda nas poesias. Sócrates também
se debruça sobre a importância da associação entre atividade
esportiva e boa alimentação. Defende a ginástica para educar o
corpo e a Filosofia para educar a alma.
Também
deseja que deve ser proibido aos guardiões se embriagarem, o que por
suposto nos faz pensar que tal proibição deva se estender sobre
outros tipos de drogas.
Para
nosso narrador, a característica principal de nosso Juiz (o
Guardião) deve ser a idade avançada pois acumula conhecimento com a
vida e com as práticas de seus ensinamentos e treinamentos. Sócrates
também fala das moradias dos Guardiões e do seu modo de vida: devem
viver em locais simples como tendas ou barracas semelhantes a dos
militares. Também devem ter uma vida simples e humilde,
distanciando-se de objetos de valor, jóias e outros. Não devem
possuir em toda sua vida, bens móveis e imóveis e jamais tocar ou
morar em locais que contenham utensílios de ouro ou metais preciosos
afim de não poluírem suas almas, honestidades e talvez suas
inocências. Os bens dos Guardiões devem resumir-se apenas a objetos
de primeira necessidade. Tudo isso para garantir que a justiça seja
preservada na Pólis.
Livro
IV:
Para
Sócrates, a cidade justa, não deve ter riquezas e nem ser rica.
Acredita o narrador que seria um chamariz para a cobiça de outros
povos e um convite a invasão, ao saqueio e a guerra.
Geograficamente
e politicamente falando, a Pólis deve ter um limite na sua expansão:
até onde ela conseguir se manter unida, não definindo com exatidão
o que queria dizer a respeito da expressão unida.
É
considerado como o Guardião perfeito, aquele que se importava com a
segurança da cidade e com sua vigilância. A cidade que escolhe tais
tipos de Governantes é tida como ponderada e sábia.
Já
a preocupação com a ponderação ou a temperança, devem ser a do
domínio do prazer e dos desejos. A mim, pessoalmente mais se parece
com uma grande repressão a muitos desejos da vida. Nos lembra junto
a auto-punição, a controle de ferro sobre a sociedade.
Voltando
a organização política do Estado, o Guardião será ao mesmo tempo
o Poder Judiciário e o Poder Executivo.
Numa
passagem da obra pouco adiante, Sócrates deixa claro que a ascensão
ou queda dos membros das classes sociais não deveriam ocorrer pois
isso seria a ruína da sociedade. Notamos nessa argumentação, um
comportamento muito elitista, de não deixar misturar os componentes
de uma classe a outra.
Para
ele, Justiça = Saúde = Virtude. Injustiça = Doença = Vício.
Livro
V:
Inicia
discutindo um pouco da cidade ideal e da Constituição ideal (também
chamado de sistema de governo ou sistema político).
Em
seguida entra na discussão das mulheres, em que acredita que as
mesmas podem ser Guardiãs e devem ter o mesmo acesso aos estudos que
os homens. Estudam juntos tanto no Ginásio quanto na Magistratura,
algo demonizado pela Igreja Católica após o início da Idade das
Trevas até o princípio do Século XX.
Também
há uma passagem na obra que demonstra a inutilidade (para o autor)
dos aleijados. Para Platão, estes devem ser isolados da Sociedade.
Mudando
de assunto e voltando para a questão dos Guardiões e seu processo
educacional. Estes devem ser intocáveis. Eles deveriam ser
sustentados pelo povo. Não teriam salários e nem regalias. Além
disso, os mais velhos tem o direito de comandar os mais novos. Numa
passagem, em função do treinamento, as crianças devem ser enviadas
a Guerra de modo a assistir os conflitos e sempre na companhia de um
adulto para resguardar os pequenos. O objetivo de tal atividade deve
ser o de ensinar a arte da guerra as crianças.
Este
livro também deixa claro que o soldado que desertar, deve descer de
classe social a qual pertença, ou seja, jamais será soldado. Aquele
que for capturado, deve ser entregue ao Exército inimigo para que
seja prêmio dos mesmos. É bom lembrar que, para os Gregos, assim
como para Platão, a escravidão é um regime aceitável.
Não
deve haver guerra entre os Gregos pois estes não devem ser inimigos.
Caso ocorra, não deve ocorrer sedição ou discórdia.
Ao
término do capítulo, há a explicação do amigo da sabedoria: o
Filósofo.
Livro
VI:
Bons
atributos para um Filósofo que se pretenda Guardião do Estado: ser
comedido e ter temperança. Também para Platão, as cidades que não
forem governadas por Filósofos estão fadadas ao fracasso. Além do
que, para ele, o Guardião não deve de maneira alguma possuir outro
trabalho ou atividade. Poucos são os verdadeiros Filósofos e muito
poucos são os aptos a serem os Guardiões.
Também
para Platão, os Sofistas não são e não deveriam ser considerados
Filósofos. Este trecho faz parte das discordâncias aos Sofistas,
orquestrada pelos três grandes filósofos da Grécia antiga:
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Para
Platão, o Governo dos Filósofos deve ser perfeito e se assemelhar a
um Governo de Deus, pois o mesmo convive com coisas divinas. Para
ele, não haverá ordem nas Pólis enquanto os Guardiões não forem
estabelecidos como Governantes.
Neste
Livro, define-se as Sabedorias da Alma: Justiça, Temperança,
Coragem e Sabedoria. O justo e o belo devem sempre estar junto do bem
afim de terem uma boa constituição.
Neste
mesmo capítulo, inicia-se a discussão acerca do que é Sensível e
Inteligível. Platão cita um exemplo, ao vermos o Sol, ele é
visível, portanto, nós tomamos conhecimento do mesmo através de
nossos sentidos. Portanto, o Sol é Sensível e a idéia de bem que o
Sol nos traz é Inteligível. Aquilo que nasce da razão, que é
portanto um conhecimento imutável, objetivo e impessoal, é
Inteligível. Aquilo que nós presenciamos através de nossos
sentidos (audição, visão, olfato, tato, paladar), é subjetivo,
que é mutável, que é pessoal, é Sensível.
Livro
VII:
Neste
Livro, reside uma das mais belas passagens da obra de Platão, o Mito
das Cavernas. Conta a estória que Platão teria escrito a mesma como
protesto pela morte de Sócrates que fora obrigado a tomar o veneno
cicuta. Platão tenta comparar os juízes, governantes e o povo de
Atenas aos prisioneiros da caverna, que não tiveram sabedoria para
lidar com o conhecimento e altruísmo de Sócrates.
A
história narra a vida de vários homens acorrentados e presos dentro
de uma caverna, virados durante toda sua vida de frente para a
parede, de tal modo que não conseguissem virar suas cabeças para o
lado, mas somente olhar para frente. Ao fundo destes prisioneiros,
ficavam os guardas da caverna que tinham suas sombras projetadas,
refletidas sobre as paredes, pelas luzes que entravam de fora da
caverna e expandiam suas imagens. O único som que conheciam estes
prisioneiros era a dos guardas e dos seus murmúrios. Num belo dia,
um destes prisioneiros consegue se soltar e sem ser notado pelos
guardas, consegue sair para fora da caverna onde tem um grande choque
com a realidade e com a forte luz do sol que quase cegava sua vista.
Além disso, o som do mundo do lado de fora da caverna e todas as
imagens que pode ver, lhe deu outra visão das coisas. Ao retornar
para o interior da caverna e tentar convencer os demais prisioneiros
de que aquilo que eles viam nas paredes nada mais era do que os
vultos das pessoas e de que havia um mundo diferente do lado de fora,
fora ironizado pelos colegas que disseram que a subida para fora
havia lhe feito mal e que a claridade podia ter lhe cegado os olhos e
que portanto, não valeria a pena subir para fora da mesma.
A
estória é importante para mostrar o quanto é difícil para o homem
deixar de lado seus costumes e tradições ou colocá-las em dúvida
para conhecerem uma nova realidade ou um mundo novo. Também é
considerada como um retrato da situação do homem em toda sua
história e seu processo de alienação social em todas as sociedades
humanas. Ela também é uma tentativa de se mostrar que ao estar
dentro da caverna, o homem apenas possui o Conhecimento Sensível
(apenas os sentidos dizem ao mesmo o que é realidade ou não) e que
portanto ao sair da Caverna, é o Conhecimento Inteligível que está
posto a sua nova realidade. Neste caso, o ato de sair da caverna para
ver e sentir o sol, significa buscar a luz ou buscar o bem. O Sol nos
lembra o significado do bem. É uma tentativa de se emergir da
realidade alienante e alienadora para um mundo das verdades.
Para
Platão, o conhecimento é inato ao homem. Não é necessário
ensiná-lo. Ao cego não adianta querer dar-lhe a visão. Da mesma
forma, o homem não se educa, ele já é educado, precisa apenas sair
do seu processo de ignorância das coisas e do mundo para conhecer a
verdade. O processo educacional ao qual defende Platão na obra é
uma eterna tentativa de retirar o indivíduo do senso comum para o
“Mundo das Idéias”.
É
também durante a formação dos Guardiões que Platão chega a
cogitar que estes devam ficam cerca de 15 anos dentro das cavernas
como forma de se testar se a escuridão irá retirar a razão dos
mesmos. Caso passem por este último teste, devem estes governar a
cidade. O autor chega a propor que os cidadãos devam passar no
total, por um período de estudo de 50 anos. Os que conseguissem se
manter durante todos esses anos, seriam os futuros Filósofos Reis da
Cidade.
Livro
VIII:
Neste
capítulo, Platão enumera as principais formas de Constituição (ou
formas de governo). São elas na ordem da melhor para a pior: A
Aristocracia, Oligarquia, Democracia e Tirania.
Assim
como existem as boas formas de governo, existem as formas do
comportamento humano que se associam com os sistemas de governo. Para
Platão, o bom e justo cidadão se associa a Aristocracia. O
saqueador dos cofres públicos e avarento com suas riquezas, se
associa com a Timocracia, o Oligarca se mantém ignorante e sob má
educação, enquanto o indivíduo que vive na Democracia é propenso
a gastos com grandes paixões e o descontrole com o dinheiro.
Já
para o autor, a Tirania nasce da Democracia pois é neste regime que
há uma forte busca pela Liberdade. É desta busca desenfreada pela
Liberdade que leva uns a desejarem o poder mais do que outros, o que
faz com que a Democracia seja golpeada e levada a Tirania, levando a
mesma a escravatura. É também a corrupção (Platão não usa o
termo corrupção) no comando do Estado que leva a Democracia a
ruína. Finaliza afirmando ter certeza que o único regime que leva a
Tirania é a Democracia.
Livro
IX:
O
indivíduo é o micro-cosmo do Estado e este por sua vez, o
macro-cosmo do indivíduo. Partindo deste suposto, Platão divide a
cidade em três partes ou três corpos: o interesseiro, o ambicioso e
o filósofo. Se existem três corpos, deve haver também os
respectivos desejos e seus poderes.
Para
o interesseiro, o que vale é o dinheiro. Para o ambicioso, são as
frivolidades da vida e a luxúria. Para o Filósofo, a reflexão e o
raciocínio. Durante todo nono livro, a discussão em torno das
qualidades ou defeitos da alma em relação aos três corpos e seus
respectivos sistemas políticos é constante.
Platão
finaliza sinalizando que o Conhecimento Inteligível preenche o vazio
da alma e que razão é sinônimo de respeito a Lei e a Ordem.
Livro
X:
Platão,
na figura de Sócrates, retoma a discussão da necessidade da Censura
a poesias envolvendo tragédias e outros temas que pudessem mal
educar os cidadãos da nova Pólis. Em especial existe uma censura as
obras de Homero. Acredita o autor que quando poesias e estórias
contando derrotas ou pormenorizando os Deuses ou grandes guerreiros
chegam as mãos do povo, este se contagia com seu conteúdo e seria
prejudicial a vida na Pólis.
O
autor entra na discussão acerca da arte e seu envolvimento com a
realidade. Pode a arte imitar a vida? Para Sócrates e Platão, não.
Além de estar longe da verdade, a arte pode apenas retratar uma
parte da realidade, apenas o lado que presenciar o pintor ou o poeta
ou o músico. Dá o exemplo do olhar para a cama: o artista (no caso
o pintor), pode retratar apenas um dos lados da mesma. A arte é
Sensível, a verdade é Inteligível. Por mais que se pretenda, a
arte está longe da verdade.
A
preocupação em censurar parte da poesia lírica ou das epopéias,
está amparada na idéia de que as mesmas tendem a levar o homem a
governar a cidade entre o prazer e a dor no lugar da Lei e da Razão.
Por isso, diante da tragédia (seja pessoal ou não), o Guardião e
os Cidadãos devem primar pela temperança que se assemelha ao
racionalismo ao invés do desespero que está próximo a
irracionalidade.
Platão
entra na discussão da eternidade da alma e de sua imortalidade. O
término da obra se assemelha muito com as estórias do Cristianismo
que já estamos cansados de ouvir. Do céu, do que ocorre por lá,
entre outros detalhes, resguardadas as devidas diferenças e
proporções. Toda a argumentação do Cristianismo em torno das
recompensas depois da morte, ou de que a vida na Terra é difícil,
por isso da possibilidade de uma melhor escolha para a alma caso
quisesse voltar ao planeta, entre outras estórias. A influência dos
Gregos sobre os Cristãos, ao término da leitura desta obra é
nítida e uma certeza praticamente histórica.
1
Bacharel em Ciências Sociais com Licenciatura pela PUC-SP.