segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Resenha de "A República". Platão.


A República – Platão
Por Fernando Monteiro1.

Livro I:

A obra é um diálogo imaginário entre Sócrates e amigos que se passa na casa de Céfalo, pai de Polemarco e outros. Presentes também eram Glauco e Adimanto, filhos de Aríston, pai de Platão e seus dois irmãos respectivamente.

Iniciam então os presentes uma conversa do que seria então a Justiça, a Injustiça e outros comportamentos acerca dos dois temas. A discussão acerca do que é a Justiça se trava com Trasímaco quando o mesmo defende que a justiça é prática dos tolos e que a injustiça, ação dos espertos. É conveniente ao mais forte se utilizar da força e da injustiça, assim como é justo que os fracos executem as ações ordenadas pelos poderosos contra si mesmos. Da mesma forma, e aí Trasímaco cai em contradição, é também justo que o fraco cometa atos prejudiciais aos poderosos e governantes. Trasímaco então explica que é cômodo ao governante utilizar da força contra o fraco e que isto seria justo. A meu ver, Trasímaco faz mais uma constatação da realidade do que propriamente afirmar uma defesa em torno das injustiças. Talvez, o texto esteja sendo escrito nos momentos de fúria de Platão e suas discordâncias aos Sofistas, já que Trasímaco era Sofista.

A discussão sobre vício e virtude também se coloca na obra. Aparentemente a discussão em torno da Justiça e Injustiça devem se esgotar para se ter uma idéia de que não se chegará a tal sociedade justa, sonhada nesta obra “A República”, se não houver mudanças educacionais e culturais na sociedade e na formação dos futuros governantes.

O Idealismo na Filosofia de Platão está presente em toda a obra. Se é a educação e a cultura que transformará e tornará justa a sociedade, está aí demonstrado que acredita nosso autor e seu Professor, Sócrates, na “força das idéias”.

Livro II:

Ao iniciar o segundo livro, Glauco começa um diálogo com Sócrates defendendo as preocupações e alguns argumentos de Trasímaco de modo a dar continuidade ao debate, pois Trasímaco havia ido embora.

Num dos raciocínios elaborados por Glauco, ele cita a estória de Giges, um pastor que descobre um anel que caso colocado no dedo, tem o poder de fazer invisível aquele que o usa e retorna a visibilidade ao retirar o anel do dedo. Tal estória nos remete ao clássico “O Senhor dos Anéis”.

Dando continuidade aos debates do livro, Sócrates inicia uma discussão a respeito de Deus, seu papel na sociedade e sua função. Numa passagem da obra tem se a impressão de que o “inferno” dos cristãos para os Gregos seria o Hades. Hades é a região subterrânea onde ficava a mansão dos mortos. É para lá que vão as pessoas que não são justas ou corretas na vida na terra.

Sócrates reinicia então a discussão acerca da Justiça com seus pares, já revoltados por não se chegar a conclusão alguma.

Livro III:

Se inicia discutindo o que deve ou não ser contado as crianças pelos narradores de fábulas, principalmente quando o assunto abordado forem os grandes homens da história, guerreiros ou ilustres personalidades. A impressão que se tem é a de que há uma grande censura sobre tal assunto e que também há uma personificação ou forte culto às grandes lideranças do passado, o que automaticamente me lembra os preparativos para os regimes despóticos, por mais que não sejam estes os interesses de Platão.

Ao se discutir tais assuntos, sobre o que entra ou não no processo educacional das crianças que serão no futuro os Guardiões da Sociedade ou os Governantes do Estado, percebe-se uma posição um tanto moralista e tradicionalista senão um forte conservadorismo em Platão.

Em certas passagens, existe até a defesa do uso da mentira para que fatos que depreciem a imagem destas ilustres personalidades sejam abafados ou censurados. Não nos parece haver aí uma grande contradição? Construir a sociedade justa (que teoricamente deveria se eregir sobre a realidade e a verdade) embasado na mentira?

Neste terceiro livro, ao iniciar um diálogo com Ilíada de Homero, a todo tempo existe um ataque aos diversos argumentos e passagens da obra que façam citações dos diálogos dos Deuses entre si ou com os homens. As argumentações, como dissemos a pouco, tem caráter moralista em relação a possíveis ações (ou não) de deus sobre o homem.

A censura também aparece nas diversas artes: oratória, música, literatura (infantil e adulta) e ainda nas poesias. Sócrates também se debruça sobre a importância da associação entre atividade esportiva e boa alimentação. Defende a ginástica para educar o corpo e a Filosofia para educar a alma.

Também deseja que deve ser proibido aos guardiões se embriagarem, o que por suposto nos faz pensar que tal proibição deva se estender sobre outros tipos de drogas.

Para nosso narrador, a característica principal de nosso Juiz (o Guardião) deve ser a idade avançada pois acumula conhecimento com a vida e com as práticas de seus ensinamentos e treinamentos. Sócrates também fala das moradias dos Guardiões e do seu modo de vida: devem viver em locais simples como tendas ou barracas semelhantes a dos militares. Também devem ter uma vida simples e humilde, distanciando-se de objetos de valor, jóias e outros. Não devem possuir em toda sua vida, bens móveis e imóveis e jamais tocar ou morar em locais que contenham utensílios de ouro ou metais preciosos afim de não poluírem suas almas, honestidades e talvez suas inocências. Os bens dos Guardiões devem resumir-se apenas a objetos de primeira necessidade. Tudo isso para garantir que a justiça seja preservada na Pólis.

Livro IV:

Para Sócrates, a cidade justa, não deve ter riquezas e nem ser rica. Acredita o narrador que seria um chamariz para a cobiça de outros povos e um convite a invasão, ao saqueio e a guerra.

Geograficamente e politicamente falando, a Pólis deve ter um limite na sua expansão: até onde ela conseguir se manter unida, não definindo com exatidão o que queria dizer a respeito da expressão unida.

É considerado como o Guardião perfeito, aquele que se importava com a segurança da cidade e com sua vigilância. A cidade que escolhe tais tipos de Governantes é tida como ponderada e sábia.

Já a preocupação com a ponderação ou a temperança, devem ser a do domínio do prazer e dos desejos. A mim, pessoalmente mais se parece com uma grande repressão a muitos desejos da vida. Nos lembra junto a auto-punição, a controle de ferro sobre a sociedade.

Voltando a organização política do Estado, o Guardião será ao mesmo tempo o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

Numa passagem da obra pouco adiante, Sócrates deixa claro que a ascensão ou queda dos membros das classes sociais não deveriam ocorrer pois isso seria a ruína da sociedade. Notamos nessa argumentação, um comportamento muito elitista, de não deixar misturar os componentes de uma classe a outra.

Para ele, Justiça = Saúde = Virtude. Injustiça = Doença = Vício.

Livro V:

Inicia discutindo um pouco da cidade ideal e da Constituição ideal (também chamado de sistema de governo ou sistema político).

Em seguida entra na discussão das mulheres, em que acredita que as mesmas podem ser Guardiãs e devem ter o mesmo acesso aos estudos que os homens. Estudam juntos tanto no Ginásio quanto na Magistratura, algo demonizado pela Igreja Católica após o início da Idade das Trevas até o princípio do Século XX.

Também há uma passagem na obra que demonstra a inutilidade (para o autor) dos aleijados. Para Platão, estes devem ser isolados da Sociedade.

Mudando de assunto e voltando para a questão dos Guardiões e seu processo educacional. Estes devem ser intocáveis. Eles deveriam ser sustentados pelo povo. Não teriam salários e nem regalias. Além disso, os mais velhos tem o direito de comandar os mais novos. Numa passagem, em função do treinamento, as crianças devem ser enviadas a Guerra de modo a assistir os conflitos e sempre na companhia de um adulto para resguardar os pequenos. O objetivo de tal atividade deve ser o de ensinar a arte da guerra as crianças.

Este livro também deixa claro que o soldado que desertar, deve descer de classe social a qual pertença, ou seja, jamais será soldado. Aquele que for capturado, deve ser entregue ao Exército inimigo para que seja prêmio dos mesmos. É bom lembrar que, para os Gregos, assim como para Platão, a escravidão é um regime aceitável.

Não deve haver guerra entre os Gregos pois estes não devem ser inimigos. Caso ocorra, não deve ocorrer sedição ou discórdia.

Ao término do capítulo, há a explicação do amigo da sabedoria: o Filósofo.

Livro VI:

Bons atributos para um Filósofo que se pretenda Guardião do Estado: ser comedido e ter temperança. Também para Platão, as cidades que não forem governadas por Filósofos estão fadadas ao fracasso. Além do que, para ele, o Guardião não deve de maneira alguma possuir outro trabalho ou atividade. Poucos são os verdadeiros Filósofos e muito poucos são os aptos a serem os Guardiões.

Também para Platão, os Sofistas não são e não deveriam ser considerados Filósofos. Este trecho faz parte das discordâncias aos Sofistas, orquestrada pelos três grandes filósofos da Grécia antiga: Sócrates, Platão e Aristóteles.

Para Platão, o Governo dos Filósofos deve ser perfeito e se assemelhar a um Governo de Deus, pois o mesmo convive com coisas divinas. Para ele, não haverá ordem nas Pólis enquanto os Guardiões não forem estabelecidos como Governantes.

Neste Livro, define-se as Sabedorias da Alma: Justiça, Temperança, Coragem e Sabedoria. O justo e o belo devem sempre estar junto do bem afim de terem uma boa constituição.

Neste mesmo capítulo, inicia-se a discussão acerca do que é Sensível e Inteligível. Platão cita um exemplo, ao vermos o Sol, ele é visível, portanto, nós tomamos conhecimento do mesmo através de nossos sentidos. Portanto, o Sol é Sensível e a idéia de bem que o Sol nos traz é Inteligível. Aquilo que nasce da razão, que é portanto um conhecimento imutável, objetivo e impessoal, é Inteligível. Aquilo que nós presenciamos através de nossos sentidos (audição, visão, olfato, tato, paladar), é subjetivo, que é mutável, que é pessoal, é Sensível.

Livro VII:

Neste Livro, reside uma das mais belas passagens da obra de Platão, o Mito das Cavernas. Conta a estória que Platão teria escrito a mesma como protesto pela morte de Sócrates que fora obrigado a tomar o veneno cicuta. Platão tenta comparar os juízes, governantes e o povo de Atenas aos prisioneiros da caverna, que não tiveram sabedoria para lidar com o conhecimento e altruísmo de Sócrates.

A história narra a vida de vários homens acorrentados e presos dentro de uma caverna, virados durante toda sua vida de frente para a parede, de tal modo que não conseguissem virar suas cabeças para o lado, mas somente olhar para frente. Ao fundo destes prisioneiros, ficavam os guardas da caverna que tinham suas sombras projetadas, refletidas sobre as paredes, pelas luzes que entravam de fora da caverna e expandiam suas imagens. O único som que conheciam estes prisioneiros era a dos guardas e dos seus murmúrios. Num belo dia, um destes prisioneiros consegue se soltar e sem ser notado pelos guardas, consegue sair para fora da caverna onde tem um grande choque com a realidade e com a forte luz do sol que quase cegava sua vista. Além disso, o som do mundo do lado de fora da caverna e todas as imagens que pode ver, lhe deu outra visão das coisas. Ao retornar para o interior da caverna e tentar convencer os demais prisioneiros de que aquilo que eles viam nas paredes nada mais era do que os vultos das pessoas e de que havia um mundo diferente do lado de fora, fora ironizado pelos colegas que disseram que a subida para fora havia lhe feito mal e que a claridade podia ter lhe cegado os olhos e que portanto, não valeria a pena subir para fora da mesma.

A estória é importante para mostrar o quanto é difícil para o homem deixar de lado seus costumes e tradições ou colocá-las em dúvida para conhecerem uma nova realidade ou um mundo novo. Também é considerada como um retrato da situação do homem em toda sua história e seu processo de alienação social em todas as sociedades humanas. Ela também é uma tentativa de se mostrar que ao estar dentro da caverna, o homem apenas possui o Conhecimento Sensível (apenas os sentidos dizem ao mesmo o que é realidade ou não) e que portanto ao sair da Caverna, é o Conhecimento Inteligível que está posto a sua nova realidade. Neste caso, o ato de sair da caverna para ver e sentir o sol, significa buscar a luz ou buscar o bem. O Sol nos lembra o significado do bem. É uma tentativa de se emergir da realidade alienante e alienadora para um mundo das verdades.

Para Platão, o conhecimento é inato ao homem. Não é necessário ensiná-lo. Ao cego não adianta querer dar-lhe a visão. Da mesma forma, o homem não se educa, ele já é educado, precisa apenas sair do seu processo de ignorância das coisas e do mundo para conhecer a verdade. O processo educacional ao qual defende Platão na obra é uma eterna tentativa de retirar o indivíduo do senso comum para o “Mundo das Idéias”.

É também durante a formação dos Guardiões que Platão chega a cogitar que estes devam ficam cerca de 15 anos dentro das cavernas como forma de se testar se a escuridão irá retirar a razão dos mesmos. Caso passem por este último teste, devem estes governar a cidade. O autor chega a propor que os cidadãos devam passar no total, por um período de estudo de 50 anos. Os que conseguissem se manter durante todos esses anos, seriam os futuros Filósofos Reis da Cidade.

Livro VIII:

Neste capítulo, Platão enumera as principais formas de Constituição (ou formas de governo). São elas na ordem da melhor para a pior: A Aristocracia, Oligarquia, Democracia e Tirania.

Assim como existem as boas formas de governo, existem as formas do comportamento humano que se associam com os sistemas de governo. Para Platão, o bom e justo cidadão se associa a Aristocracia. O saqueador dos cofres públicos e avarento com suas riquezas, se associa com a Timocracia, o Oligarca se mantém ignorante e sob má educação, enquanto o indivíduo que vive na Democracia é propenso a gastos com grandes paixões e o descontrole com o dinheiro.

Já para o autor, a Tirania nasce da Democracia pois é neste regime que há uma forte busca pela Liberdade. É desta busca desenfreada pela Liberdade que leva uns a desejarem o poder mais do que outros, o que faz com que a Democracia seja golpeada e levada a Tirania, levando a mesma a escravatura. É também a corrupção (Platão não usa o termo corrupção) no comando do Estado que leva a Democracia a ruína. Finaliza afirmando ter certeza que o único regime que leva a Tirania é a Democracia.

Livro IX:

O indivíduo é o micro-cosmo do Estado e este por sua vez, o macro-cosmo do indivíduo. Partindo deste suposto, Platão divide a cidade em três partes ou três corpos: o interesseiro, o ambicioso e o filósofo. Se existem três corpos, deve haver também os respectivos desejos e seus poderes.

Para o interesseiro, o que vale é o dinheiro. Para o ambicioso, são as frivolidades da vida e a luxúria. Para o Filósofo, a reflexão e o raciocínio. Durante todo nono livro, a discussão em torno das qualidades ou defeitos da alma em relação aos três corpos e seus respectivos sistemas políticos é constante.

Platão finaliza sinalizando que o Conhecimento Inteligível preenche o vazio da alma e que razão é sinônimo de respeito a Lei e a Ordem.

Livro X:

Platão, na figura de Sócrates, retoma a discussão da necessidade da Censura a poesias envolvendo tragédias e outros temas que pudessem mal educar os cidadãos da nova Pólis. Em especial existe uma censura as obras de Homero. Acredita o autor que quando poesias e estórias contando derrotas ou pormenorizando os Deuses ou grandes guerreiros chegam as mãos do povo, este se contagia com seu conteúdo e seria prejudicial a vida na Pólis.

O autor entra na discussão acerca da arte e seu envolvimento com a realidade. Pode a arte imitar a vida? Para Sócrates e Platão, não. Além de estar longe da verdade, a arte pode apenas retratar uma parte da realidade, apenas o lado que presenciar o pintor ou o poeta ou o músico. Dá o exemplo do olhar para a cama: o artista (no caso o pintor), pode retratar apenas um dos lados da mesma. A arte é Sensível, a verdade é Inteligível. Por mais que se pretenda, a arte está longe da verdade.

A preocupação em censurar parte da poesia lírica ou das epopéias, está amparada na idéia de que as mesmas tendem a levar o homem a governar a cidade entre o prazer e a dor no lugar da Lei e da Razão. Por isso, diante da tragédia (seja pessoal ou não), o Guardião e os Cidadãos devem primar pela temperança que se assemelha ao racionalismo ao invés do desespero que está próximo a irracionalidade.

Platão entra na discussão da eternidade da alma e de sua imortalidade. O término da obra se assemelha muito com as estórias do Cristianismo que já estamos cansados de ouvir. Do céu, do que ocorre por lá, entre outros detalhes, resguardadas as devidas diferenças e proporções. Toda a argumentação do Cristianismo em torno das recompensas depois da morte, ou de que a vida na Terra é difícil, por isso da possibilidade de uma melhor escolha para a alma caso quisesse voltar ao planeta, entre outras estórias. A influência dos Gregos sobre os Cristãos, ao término da leitura desta obra é nítida e uma certeza praticamente histórica.
1 Bacharel em Ciências Sociais com Licenciatura pela PUC-SP.