segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Antígona!

A partir de hoje, alguns posts de mais resenhas de livros lidos nos últimos quinze ou vinte anos. Bons estudos e citem nosso blog. Abraços!


Antígona
Sófocles. Tradução de Donaldo Shüler. L&PM Pocket. Porto Alegre, 1999.

Introdução:

Obra monumental da Literatura Grega, Antígona é uma peça já encenada diversas vezes em quase todo o mundo. Sófocles nasceu em 495 a.C e faleceu em 406 d.C. Nasceu e viveu em Atenas e foi um dos maiores pensadores da antiga Grécia. Escreveu mais de 120 peças, porém apenas 7 foram completamente preservadas.

A obra:

Trata-se da filha de Édipo que noiva do filho do Rei Creonte, Hemon, que desobedece ordens expressas do Rei. Os dois irmãos de Antígona entram em choque, em luta corporal e morrem depois da luta. Só que o Rei permite que um deles, Etéocles seja enterrado com honras enquanto o outro irmão, considerado traidor da cidade, de nome Polinice, não deveria ser enterrado. Seu corpo deveria apodrecer e ser comido pelos abutres e demais animais que desejassem se alimentar de seu cadáver.

O livro então se inicia com o diálogo entre as duas irmãs, Antígona e Ismene. A primeira não aceita as ordens do Rei e vai até a irmã pedir ajuda para as duas juntas enterrarem o irmão que está proibido de ter as honras fúnebres. Ismene tenta convencer sua irmã de que seria suicídio ou muito perigoso fazê-lo, não conseguindo, vai embora.

Porém, um grupo de soldados que fazia a guarda do corpo do irmão de Antígona, Polinice, proibido pelo Rei de ser enterrado, se descuidaram do mesmo e a própria irmã foi buscá-lo e enterrá-lo com as honras da família. O Rei então é avisado do que havia acontecido e fica furioso com o ocorrido, expedindo ordens a todos os soldados que achassem quem o desobedeceu e, o corpo desaparecido de Polinice também.

Pouco depois, os Guardas localizam o corpo e Antígona, toda suja de cal, o que acabava por comprovar sua ação considerada criminosa: ela havia sido pega enterrando o irmão. Ela então é levada até o Rei e não esconde nada, assume abertamente e sem medo o que havia feito e o descumprimento das ordens do Rei. Antígona não se intimida e continua batendo de frente contra o Rei Creonte argumentando que jamais deixaria o corpo de seu irmão apodrecer, já que seus pais já eram falecidos, e que esta ação seria um desrespeito a memória dos pais e da família.

Creonte então deixa claro que não perdoará nem mesmo o crime feito pela filha de sua irmã. Entendemos então que Antígona era sobrinha do Rei.

Em diversas passagens da obra, fica claro também o desrespeito com a mulher e a falta de consideração dos homens e dos Reis com as mulheres. O machismo é muito forte, e em diversas passagens, a desconsideração de Creonte pela capacidade da mulher governar a cidade é constante.

Diante do atrevimento de Antígona, Creonte ordena que a mesma seja expulsa para um local distante da cidade onde a mesma morreria de fome e sede e sem ter como fugir. Um respeitado cidadão, Tirésias, em praça pública demonstra ao Rei que ele estava errado desde o princípio ao recusar enterrar o filho de Édipo e a condenar Antígona que arriscara a própria vida em dar os devidos fins fúnebres ao irmão, mesmo desrespeitando o rei. Diz Tirésias que os Deuses deram as costas para a cidade e para o povo por causa do ato de Creonte e, finaliza dizendo que os próprios Deuses irão se vingar do Rei por tal heresia.
Corifeu, numa passagem de extrema maldade, diz a Antígona:

“Honrar os deuses é, sem dúvida, ato piedoso.
Mas quem detém o poder
não admite insubordinação.
Teu lance ousado te aniquilou.”1

Creonte então, arrependido de seus atos maldosos, tenta reparar o ato de ter mandado Antígona para ficar presa entre as colinas distantes da cidade. Corre junto dos soldados para tentar soltá-la, mas lá, uma seqüência inevitável de vinganças por parte dos deuses se iniciará.

O término da obra não poderia ser melhor: Creonte, abalado com o próprio erro, baseado num autoritarismo monstruoso, numa arrogância e prepotência sem tamanho, perde o filho que tenta antes de se matar, assassinar ao próprio pai, vendo que a amada, Antígona se mata. Creonte ainda vê a própria esposa suicidar diante da barbárie cometida pelo próprio marido. Diante deste quadro aterrador, ele, desesperado, ordena os guardas que o prendam e o matem de imediato antes do nascer do sol. Corifeu, seu Conselheiro, não lhe permite e, lhe mostra que esta é a grande carga que todo homem ou chefe de Estado deve carregar: a de arcar com seus próprios atos e suas conseqüências. Creonte teria que viver eternamente com aquela desgraça que os deuses fizeram recair em sua vida.

Conclusão:

Percebe-se qual é a mentalidade do homem pré-Cristo mesmo na belíssima e educada Grécia nesta obra. Ela é também um retrato antropológico de um período importante da História do Ocidente. Um momento onde mulheres eram mal vistas como filhas e como pessoas, que não eram consideradas para aparentemente nada, a não ser máquina para procriação de filhos para a perpetuação e continuação da propriedade e da hereditariedade da mesma pelos tempos e eras.

A mulher era vista apenas como instrumento de manutenção do status do homem e, da certeza de que toda a riqueza acumulada durante sua vida em seu “árduo” trabalho não seria em vão, alguém, ou melhor, um filho, herdaria tudo aquilo. Essa era e ainda é a função da mulher.

Outra questão que pode ser vista é a ética de Antígona para defender os restos do irmão, os valores de sua família e o respeito ao pai. Ela desobedece as ordens do próprio Rei, que naquela época era abençoado ou coroado pelo próprio deus, e enterra seu irmão. Arrisca sua vida pela dignidade de um morto ou pela própria preservação, respeito e dignidade humana e que deveria ser típico dos humanos. Um ato ético, o de enterrar seus entes queridos que deveria ser respeitado ainda mais por um Rei, que a princípio, deveria zelar pela honra das pessoas e da sociedade, e é o primeiro a desrespeitar tal regra e portanto toda a sociedade e a própria religião da mesma.

O ato de Antígona é digno de nota, aplauso, apoio e respeito. É um ato de amor pela vida. Não só de amor a vida do próprio irmão falecido ou da família, mas à própria humanidade. É um ato de reconhecimento de que somos animais sim, mas que não devemos nos esquecer jamais: somos animais racionais. Mesmo em tempos de guerra, ruins, devemos manter o controle, as rédeas, o respeito, a ética e o caráter com as pessoas que nos cercam. Sejam elas subordinadas ou não a nós mesmos.
1 Pg. 66.