Antígona
Sófocles.
Tradução de Donaldo Shüler. L&PM Pocket. Porto Alegre, 1999.
Introdução:
Obra
monumental da Literatura Grega, Antígona é uma peça já encenada
diversas vezes em quase todo o mundo. Sófocles nasceu em 495 a.C e
faleceu em 406 d.C. Nasceu e viveu em Atenas e foi um dos maiores
pensadores da antiga Grécia. Escreveu mais de 120 peças, porém
apenas 7 foram completamente preservadas.
A
obra:
Trata-se
da filha de Édipo que noiva do filho do Rei Creonte, Hemon, que
desobedece ordens expressas do Rei. Os dois irmãos de Antígona
entram em choque, em luta corporal e morrem depois da luta. Só que o
Rei permite que um deles, Etéocles seja enterrado com honras
enquanto o outro irmão, considerado traidor da cidade, de nome
Polinice, não deveria ser enterrado. Seu corpo deveria apodrecer e
ser comido pelos abutres e demais animais que desejassem se alimentar
de seu cadáver.
O
livro então se inicia com o diálogo entre as duas irmãs, Antígona
e Ismene. A primeira não aceita as ordens do Rei e vai até a irmã
pedir ajuda para as duas juntas enterrarem o irmão que está
proibido de ter as honras fúnebres. Ismene tenta convencer sua irmã
de que seria suicídio ou muito perigoso fazê-lo, não conseguindo,
vai embora.
Porém,
um grupo de soldados que fazia a guarda do corpo do irmão de
Antígona, Polinice, proibido pelo Rei de ser enterrado, se
descuidaram do mesmo e a própria irmã foi buscá-lo e enterrá-lo
com as honras da família. O Rei então é avisado do que havia
acontecido e fica furioso com o ocorrido, expedindo ordens a todos os
soldados que achassem quem o desobedeceu e, o corpo desaparecido de
Polinice também.
Pouco
depois, os Guardas localizam o corpo e Antígona, toda suja de cal, o
que acabava por comprovar sua ação considerada criminosa: ela havia
sido pega enterrando o irmão. Ela então é levada até o Rei e não
esconde nada, assume abertamente e sem medo o que havia feito e o
descumprimento das ordens do Rei. Antígona não se intimida e
continua batendo de frente contra o Rei Creonte argumentando que
jamais deixaria o corpo de seu irmão apodrecer, já que seus pais já
eram falecidos, e que esta ação seria um desrespeito a memória dos
pais e da família.
Creonte
então deixa claro que não perdoará nem mesmo o crime feito pela
filha de sua irmã. Entendemos então que Antígona era sobrinha do
Rei.
Em
diversas passagens da obra, fica claro também o desrespeito com a
mulher e a falta de consideração dos homens e dos Reis com as
mulheres. O machismo é muito forte, e em diversas passagens, a
desconsideração de Creonte pela capacidade da mulher governar a
cidade é constante.
Diante
do atrevimento de Antígona, Creonte ordena que a mesma seja expulsa
para um local distante da cidade onde a mesma morreria de fome e sede
e sem ter como fugir. Um respeitado cidadão, Tirésias, em praça
pública demonstra ao Rei que ele estava errado desde o princípio ao
recusar enterrar o filho de Édipo e a condenar Antígona que
arriscara a própria vida em dar os devidos fins fúnebres ao irmão,
mesmo desrespeitando o rei. Diz Tirésias que os Deuses deram as
costas para a cidade e para o povo por causa do ato de Creonte e,
finaliza dizendo que os próprios Deuses irão se vingar do Rei por
tal heresia.
Corifeu,
numa passagem de extrema maldade, diz a Antígona:
“Honrar
os deuses é, sem dúvida, ato piedoso.
Mas
quem detém o poder
não
admite insubordinação.
Teu
lance ousado te aniquilou.”1
Creonte
então, arrependido de seus atos maldosos, tenta reparar o ato de ter
mandado Antígona para ficar presa entre as colinas distantes da
cidade. Corre junto dos soldados para tentar soltá-la, mas lá, uma
seqüência inevitável de vinganças por parte dos deuses se
iniciará.
O
término da obra não poderia ser melhor: Creonte, abalado com o
próprio erro, baseado num autoritarismo monstruoso, numa arrogância
e prepotência sem tamanho, perde o filho que tenta antes de se
matar, assassinar ao próprio pai, vendo que a amada, Antígona se
mata. Creonte ainda vê a própria esposa suicidar diante da barbárie
cometida pelo próprio marido. Diante deste quadro aterrador, ele,
desesperado, ordena os guardas que o prendam e o matem de imediato
antes do nascer do sol. Corifeu, seu Conselheiro, não lhe permite e,
lhe mostra que esta é a grande carga que todo homem ou chefe de
Estado deve carregar: a de arcar com seus próprios atos e suas
conseqüências. Creonte teria que viver eternamente com aquela
desgraça que os deuses fizeram recair em sua vida.
Conclusão:
Percebe-se
qual é a mentalidade do homem pré-Cristo mesmo na belíssima e
educada Grécia nesta obra. Ela é também um retrato antropológico
de um período importante da História do Ocidente. Um momento onde
mulheres eram mal vistas como filhas e como pessoas, que não eram
consideradas para aparentemente nada, a não ser máquina para
procriação de filhos para a perpetuação e continuação da
propriedade e da hereditariedade da mesma pelos tempos e eras.
A
mulher era vista apenas como instrumento de manutenção do status do
homem e, da certeza de que toda a riqueza acumulada durante sua vida
em seu “árduo” trabalho não seria em vão, alguém, ou melhor,
um filho, herdaria tudo aquilo. Essa era e ainda é a função da
mulher.
Outra
questão que pode ser vista é a ética de Antígona para defender os
restos do irmão, os valores de sua família e o respeito ao pai. Ela
desobedece as ordens do próprio Rei, que naquela época era
abençoado ou coroado pelo próprio deus, e enterra seu irmão.
Arrisca sua vida pela dignidade de um morto ou pela própria
preservação, respeito e dignidade humana e que deveria ser típico
dos humanos. Um ato ético, o de enterrar seus entes queridos que
deveria ser respeitado ainda mais por um Rei, que a princípio,
deveria zelar pela honra das pessoas e da sociedade, e é o primeiro
a desrespeitar tal regra e portanto toda a sociedade e a própria
religião da mesma.
O
ato de Antígona é digno de nota, aplauso, apoio e respeito. É um
ato de amor pela vida. Não só de amor a vida do próprio irmão
falecido ou da família, mas à própria humanidade. É um ato de
reconhecimento de que somos animais sim, mas que não devemos nos
esquecer jamais: somos animais racionais. Mesmo em tempos de guerra,
ruins, devemos manter o controle, as rédeas, o respeito, a ética e
o caráter com as pessoas que nos cercam. Sejam elas subordinadas ou
não a nós mesmos.
1
Pg. 66.