sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Revolução Mexicana

Flores Magón – A Revolução Mexicana

Com apresentação de Alexandre Samis, o livro retrata uma série de artigos publicados por Ricardo Flores Magón, de 3 de setembro de 1910 (portanto, menos de 2 meses antes de estourar a revolução) até 04 de julho de 1914 (não necessariamente inseridos na ordem cronológica). Todos os textos foram publicados no Jornal Regeneración além do Manifesto do Partido Liberal que encerra o livro.

Antes de adentrarmos sobre os textos de Magón, partiremos também com uma pequena introdução a História do México e do movimento dos trabalhadores no México para de uma forma simples tentar traçar um pouco da conjuntura organizacional do anarquismo naquele país antes da Revolução de 1910.

Em 1861 desembarcou em solo mexicano o grego Plotino Rhodakanaty. Quatro anos depois de desembarcar, o Plotino funda juntamente com companheiros uma Escola Libertária, denominada La Escuela Moderna Y Libre. O trabalho da escola gera frutos como o revolucionário Julio Chávez López que até o ano de 1869 realizaria com diversos companheiros de luta a expropriação de vários latifúndios nos Estados de Puebla e Morelos. No mesmo ano, Chávez López é morto em uma emboscada no pátio da escola de Rhodakanaty. Em 1874, com apoio de militantes refugiados da Comuna de Paris, funda, o anarquista grego, o Jornal La Comuna, considerado (de acordo com Samis), o primeiro periódico anarquista no país. A morte de Julio Chávez Lopes não fora em vão. Em 1879, milhares de camponeses influenciados pelas experiências da Escola Livre e de Lopes começam a enfrentar o exército federal em alguns Estados. Tal insurreição, apesar do assassinato de diversas lideranças libertárias, consegue se manter até 1884. Após retornar a Cidade do México, tentar reabrir a Escola que havia sido fechada pelos latifundiários e o governo, e ainda apoiar as experiências de alguns jornais na capital, Rhodakanaty retorna a Europa em 1886.

As lutas do povo mexicano não param por aí. Em 1900 é fundado o periódico anarquista Regeneración. Tal jornal serviria para apoiar em 1901 a fundação do Partido Liberal Mexicano que de acordo com Samis “se apresentou, de fato, como uma agremiação profundamente inspirada no anarquismo”.
[1]

Em 1906, a perseguição ao jornal e as lideranças do PLM (Partido Liberal Mexicano), fa com que este tenha que ser rodado na clandestinidade nos EUA e distribuído também na clandestinidade por todo o território Mexicano. Em 1911, com o apoio da IWW norte americana, os anarquistas ocupam toda a região da baixa Califórnia e proclamam a “República Socialista da Baixa Califórnia”. Após 5 meses de resistência, enfrentando o exército dos EUA e as tropas de Porfírio Díaz, cercado por todos os lados, os anarquistas tiveram que recuar e se esconderam no território mexicano. No Brasil e em Portugal, Neno Vasco assumiu dianteira em favor da causa do povo Mexicano. Em 1914, Magón foi preso e a partir daí teria sido preso diversas outras vezes em solo norte-americano, tendo sido ajudado a se libertar em campanhas que também contaram com ajuda de Emma Goldman e Alexander Berkman e da própria IWW nos EUA. Morre em 21 de novembro de 1922 numa prisão nos EUA. Seu corpo só seria enterrado e visto graças aos ferroviários da IWW e do México que transportaram-no já morto ao território mexicano onde foi sepultado. “Ao longo da via férrea, no território mexicano, em uma longa fila, populares acotovelavam-se para prestar as últimas homenagens ao revolucionário”.
[2]

Seus Textos no Jornal Regeneración:

Nos textos de Magón, o que mais impressiona é a simplicidade para escrever, e ao mesmo tempo com um vocabulário que beira muita simplicidade, mas é ao mesmo tempo imensamente rico. Suas expressões são as do homem do povo. Não estamos lidando com um Intelectual, estamos revendo textos que expressam os sentimentos de quem sabe tocar profundamente a realidade da vida do povo.

Porém, não se pode esquecer que os argumentos contidos no Livro em torno de seus textos, continham algumas contradições. As discussões em torno do Partido Liberal Mexicano são algumas delas e as que vamos nos concentrar.

Em todos os 13 textos escritos por Ricardo Flores Magón e publicados no livro (13 não seria um número proposital, quando se fala a todo momento de um Partido?), somente cinco deles não citam em momento algum a saída (apontada em quase todos) pelo voto no Partido Liberal Mexicano. Os textos “Não quero ser escravo”, de 1º de junho de 1912, “Liberdade Política” de 12 de novembro de 1910, o texto “Desperta Proletário” de 24 de dezembro de 1910. Também em “Os utopistas” e “Eu não quero ser tirano” não existem passagens que citam o Partido Liberal Mexicano.

No texto “Eu não quero ser tirano”, Magón fala do pedido de Madero, então candidato a Presidência do México que havia recebido do mesmo um convite para que fosse vice-presidente. Este texto também não cita nada sobre o PLM, e é de uma lucidez sem tamanho ao se declarar contrário a subida do poder. “Porém, me repugnam os governos”.
[3] No mesmo texto também surpreende dando a entender que é um Liberal, convocando os Liberais de boa fé para as mudanças. Um pouco adiante, na página 86, ele assume: “Por isso, nós Liberais, gritamos: morra todo governo!”[4]

Independente das contrariedades do discurso de Magón em seus textos, fica a forma simples e de fácil penetração nas camadas mais pobres do povo (apesar do rico vocabulário empregado em algumas situações). O primeiro texto, “Os Ilegais” é de uma clareza na exposição que deve ser publicado sempre que possível. Podemos entender que o Liberalismo é parte intrínseca do anarquismo e que sua influência pela defesa do indivíduo é sem dúvida inquestionável. Também podemos dizer que a influência do Liberalismo é marcante nas lutas libertárias até a atualidade. O que se pode tentar entender de Magón e do PLM é que são influências do pensamento Liberal Clássico (principalmente do Liberalismo Político, dos Federalistas estado-unidenses e da própria herança da Revolução Francesa) como alma do Partido Mexicano. Não podemos esquecer que o Liberalismo é a mãe do anarquismo enquanto o Socialismo poderia ser entendido como a outra grande raiz desta árvore, ou seja, o Pai. De certa forma, tal estrutura de organização está bem distante da noção de Partido aplicada por Bakunin e Malatesta que acreditavam no “Partido do Povo” como organização de todo o Movimento Libertário unido numa grande luta para construir a derrubada do Capitalismo e do Estado. A diferença entre os dois modelos de Partidos (bakuninista e malatestiano para o Magonista) é que o Russo e o Italiano jamais imaginaram um “Partido anarquista” pedindo votos para concorrer ao comando do Estado (apesar de muitos “anarquistas” assim darem a entender em seus livros), enquanto Magón deixa claramente exposta a necessidade do povo utilizar sua arma, a cédula de eleitor para votar nos Liberais. Talvez por essas razões (a raiz do Liberalismo ao Anarquismo) Magón não tenha sido duramente criticado pelos demais Libertários de seu tempo e posteriormente também. Apesar de como vimos em algumas passagens, haver contradições fortes no seu discurso.

Em outro momento, mais precisamente na página 68, percebemos o que poderíamos chamar de ato falho?

“juntem-se a nossas fileiras, agrupem-se sob a bandeira igualitária do Partido Liberal, e, unidos, arrancaremos a terra das poucas mãos que a detém para dá-la ao povo, e nós nos aproximaremos do ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade por meio do bem estar da imensa maioria.”
[5]

Ou seja, nós, PLM é que daremos ao povo. Em outras palavras, não será o povo que diretamente fará a expropriação e sim o Partido Liberal, que assumirá o Poder do Estado e fará a Reforma Agrária. Sem sombra de dúvida existe ai uma grande contrariedade a todo discurso do anarquismo e em muitos momentos do próprio Magón. Seria um ato falho? Talvez. Mas que houve contrariedade a todo seu discurso, sem sombra de dúvida sim.

Mudando um pouco de assunto e indo a página 86, parece haver por parte do autor, uma crítica ao anarcosindicalismo ou ao sindicalismo revolucionário que no México estava sendo praticado pela Seção da AIT, a CGT. Seção sindical reconhecida pela AIT em 1876, a primeira Seção da América. Em uma passagem, ele diz:

“Aos que quebram a cabeça para obter de seus amos a jornada de oito horas, vemo-los com lástima; os bons não apenas rechaçam a graça das oito horas, mas igualmente o sistema de salários;”
[6]

Os maiores defensores da Jornada de Trabalho para as 8 horas diárias eram os anarcosindicalistas. Essa era uma luta que vinha ganhando conquistas gradativas e contínuas desde os anos de 1860 na Europa, conseguindo a diminuição da Jornada para 12, 10, 8 horas diárias. Pelo fato de acreditarem que o salariato não se romperia assim da noite para o dia, haviam as estratégias de se tentar diminuir sobre a Classe Trabalhadora as penúrias da atividade forçada e semi-escrava laboral dentro do trabalho assalariado. Não que os sindicalistas revolucionários fossem favoráveis ao salariato, mas aboli-lo de uma hora para outra sem mínima ou prévia organização dos trabalhadores era impossível e ainda é impossível.

Também se sabe que hoje, após um estudo mais aprofundado do movimento anarquista no México, Magón teria se distanciado do Liberalismo um pouco depois de iniciada a revolução em 1910 e pouco antes de sua morte. O que fica para a atualidade é uma grande luta deste heróico povo e de um grande líder que doou todos seus esforços e sua própria vida para a causa da Classe Trabalhadora.

Magón, Flores. A Revolução Mexicana. Editora Imaginário e Nu-Sol e Instituto de Estudos Libertários. São Paulo. 2003. Tradução de Plínio Augusto Coelho.


[1] Magón, Flores. A Revolução Mexicana. São Paulo. 2003. Editora Imaginário. Pg. 16.
[2] Op. Cit., Pg 24.
[3] Op. Cit., Pg 33.
[4] Op. Cit., Pg 86.
[5] Destaques nossos.
[6] Op. Cit., Pg 86.