sexta-feira, 24 de abril de 2009

Notas sobre o Anarquismo

Notas sobre o Anarquismo
Noam Chomsky

Numa série de entrevistas e alguns textos seus, o autor nos traz algumas de suas posições a respeito do imperialismo enquanto categoria econômica e política.

Indagado sobre a situação futura, ele descreve:

Entrevistador: E, finalmente, professor Chomsky, na sua opinião quais são as chances de que sociedades desse tipo [o autor falava das possibilidades do Socialismo Libertário] venham a existir nos principais países industriais do ocidente, no próximo quarto de século, aproximadamente?

Chomsky: Eu não creio que saiba o suficiente ou esteja suficientemente bem informado para fazer previsões e penso que previsões sobre questões tão mal entendidas provavelmente, e em geral, acabam por refletir mais a personalidade do que o julgamento. Mas eu creio que, pelo menos, podemos dizer que há tendências óbvias no capitalismo industrial em direção à concentração de poder em impérios econômicos restritos e no que está se tornando, de forma crescente, um Estado totalitário. Essas são tendências que vão se desenrolando por um longo tempo, e eu não vejo nada que as esteja detendo realmente. Acho que essas tendências continuarão; elas são parte da estagnação e do declínio das Instituições capitalistas.

Agora, me parece que o desenvolvimento em direção ao totalitarismo de Estado e à concentração econômica – e é claro que ambos estão ligados – levarão continuamente a uma reação, aos esforços de libertação pessoal e aos esforços organizacionais de libertação social.
[1]

Um pouco adiante, indagado sobre sua opinião a respeito do Leninismo:
Entrevistador: Lênin, considerado um conhecido exemplo, não acreditava que os trabalhadores pudessem desenvolver algo além da “consciência sindicalista” – dessa forma, eu suponho que ele quis dizer que os trabalhadores não poderiam enxergar muito além de suas necessidades imediatas. (...) Onde esse elitismo tem origem e o que ele está fazendo dentro da esquerda?

Chomsky: Temo que seja difícil responder a essa questão. Se a esquerda fosse entendida incluindo o bolchevismo, então eu me separaria completamente dela. Lênin foi um dos maiores inimigos do Socialismo, na minha opinião, por razões que já discuti.
[2]

É necessário esclarecer, que a crítica de Chomsky a Lênin, é uma crítica política e de seus métodos autoritários (considerado por muitos como traição de princípios básicos do marxismo). Porém, pelas análises do autor estadounidense, a crítica econômica tem muita apreciação. Ainda na mesma entrevista, quando lhe perguntam sobre o capitalismo, vejamos a posição do autor.

Entrevistador: Como você vê a época atual? Seria uma questão de “voltar aos fundamentos”? O esforço agora deve ser feito no sentido de introduzir a tradição libertária no socialismo e de dar ênfase às idéias democráticas?

Chomsky: Isso é propaganda em grande parte, na minha opinião. O que é chamado de “capitalismo” é basicamente um sistema de mercantilismo empresarial, com enormes e incontáveis tiranias privadas exercendo vasto controle sobre a economia, os sistemas políticos e a vida social e cultural, operando numa íntima cooperação com os poderosos Estados que intervém pesadamente na economia doméstica e na sociedade internacional.

Percebe-se nesta fala do autor que o Imperialismo não é somente de um único Estado e suas multinacionais. Ele é imposto por vários Estados nacionais (Estados no plural, portanto mais de um) e “tiranias privadas” (utilizando o termo citado pelo mesmo). Portanto, ao contrário do que se imagina, o movimento econômico, financeiro, militar e especulativo que está contido no Imperialismo não é fato isolado de uma única nação, mas sim uma dinâmica, um vetor realizado por diversos atores que influem e decidem boa parte das decisões tomadas nos países de segundos, terceiros ou quarto mundo (para utilizarmos a metodologia antiga de classificação das nações) ou subdesenvolvidos semi ou não industrializados.

O imperialismo destaca-se nacionalmente em suas políticas econômicas e sociais. Por exemplo, quando se nega que o capital não possui pátria (portanto negação do processo imperial enquanto vetor econômico), nada mais se faz do que relativizar o processo internamente, dentro de cada Nação. Se o capital não tem pátria, ele também não tem sede, se não tem sede, é virtual. O principal movimento do capital especulativo e financeiro atualmente se dá de forma virtual (processo já destacado por Lênin, numa de suas cinco características do Imperialismo, quando afirma em princípios do século XX que o comércio de capitais era crescente e chegava as Bolsas de Valores de várias Nações pobres não industrializadas). Mas não se pode negar que este processo está embasado em processos reais da economia. Ele está intrinsicamente ligado ao modelo de exploração no meio de produção, através da mais valia relativa, que vai da exploração dos trabalhadores somada a novas técnicas de produção, concentração de setores econômicos em grandes grupos Internacionais, fundindo-se com grandes Bancos, criando-se assim o capital financeiro, que faz o gira gira ou a ciranda cirandinha do capital mundial. Movimento que se volta para os países pobres com apoio militar, político, econômico e ideológico do (s) Império(s). Negar o Imperialismo enquanto categoria econômica, é negar também que existam tais atributos acima citados.

Outro argumento que se pode utilizar na defesa da tese de que o Imperialismo é econômico (principalmente), são as remessas de lucro que as multinacionais realizam em todas as Nações do mundo. Se o capital não tem pátria, porque estas empresas precisam efetuar tais remessas? Pra onde elas enviam tais lucros? Não seria para a sede primária ou original destas empresas, a matriz? Se enviam seus lucros para a matriz, significa que o Império tem Roma (além das ‘sub-Romas‘ ou as subisidiárias) e que a grande neo-metrópole mundial (ou as várias neo-Romas), a cada dia que passa se fortalece com este processo. Percebe-se ao final das contas que faz muito bem ao sistema capitalista como um todo que seja negado o processo do Imperialismo econômico. Que relativizar tal processo é também relativizar que a luta de classes não pode mais trazer saltos ou rupturas na história da humanidade, pois se não existe Império, não existe sede do capital, se o capital não tem sede, todo o sistema se torna virtual; sendo virtual, se esquece que o processo se dá materialmente (e não de forma idealista) na exploração do capital ao trabalho. O processo virtual (portanto idealista), é apenas parte ou instrumento da dominação dos Impérios, sua ferramenta e não fator determinante para negá-lo. Por mais que os processos ideológicos ou os “Aparelhos de Estado” sejam hoje absurdamente mais eficientes no que tange a dominação política, cultural e ideológica dos trabalhadores, a fonte do processo de exploração não é somente a televisão ou a Internet (para citar alguns exemplos), é material, está no cotidiano das técnicas e práticas toyotistas presentes no campo, indústria, comércio e serviços, sendo reproduzido em escala de super concentração econômica e mundial.

Entrevistador: O PT utilizou o slogan “a esperança venceu o medo” ao se referir a sua vitória nas últimas eleições presidenciais. Hoje, um ano e meio de governo do PT, constatamos: o aumento de desemprego (a proposta eleitoreira do PT era de 10 milhões de empregos); a queda contínua da renda do trabalhador (segundo índices oficiais), desde o primeiro mês do mandato; reforma da Previdência, taxando os inativos, em sua esmagadora maioria recebendo salários aviltantes, após uma vida inteira de trabalho; a reforma das leis trabalhistas (atualmente urdida pelos gênios do PT) para ser apresentada ao Congresso logo após a eleições, Reforma esta que anulará grande parte das conquistas realizadas pela Classe trabalhadora ao longo de décadas; o engessamento das Centrais Sindicais, inclusive a CUT (braço sindical do PT), como tão bem o fez o governo socialista de Miterrand, na França; a política de juros elevadíssimos, gerando lucros jamais vistos por parte das Instituições bancárias; geração do superávit primário bem acima do estipulado como meta acertada pelo FMI, provocando cortes orçamentários criminosos em setores cruciais tais como saúde, saneamento básico e educação; etc, etc. Grande parte da população está insatisfeita e desiludida.

Os anarquistas sempre advertiram, e a história sempre comprovou, que um Partido de esquerda no poder segue as regras do capital e do Estado, exatamente da mesma forma que os Partidos de direita. Como você avalia os rumos que o governo lula está tomando?

Chomsky: Lula e o PT tinham uma escolha:eles poderiam acertar as regras do jogo básicas estabelecidas pelos sistemas de poder dominantes do mundo e tentar fazer o melhor possível dentro deles; ou eles poderiam rejeitar essas regras e sofrer as conseqüências. As regras foram feitas de forma a impedir as ameaças da democracia, submetendo os governos a disciplina do “parlamento virtual” dos investidores e credores, que podem destruir uma economia de várias maneiras, entre elas com fugas de capitais e ataques especulativos as moedas, caso a política de governo for “irracional” – ou seja, dedicada as escolas e a saúde ao invés do lucro das empresas. A responsabilidade direta desses métodos de reprimir e disciplinar as sociedades e forçá-las ao obedecer aos ricos e poderosos é dos EUA, seus aliados, e seus colaboradores de outros lugares.
(...)
Talvez fosse possível para Lula e o PT seguirem o segundo caminho, como a Argentina de certa maneira o fez, e talvez tivessem tido sucesso. (...) Minha impressão,se vale alguma coisa, é de que podia ser feito.
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Chomsky acredita estar no velho anarcosindicalismo a saída para reativar as verdadeiras lutas dos trabalhadores. Acredita haver um processo imperialista, que aliás, o autor já denuncia desde os fins da década de 60 e desde a Guerra do Vietnã.

É necessário se reafirmar o velho ditado popular quanto a opinião do lingüista a respeito de Lênin. “Não devemos jogar fora a criança com a água da bacia”. Em seus escritos políticos, Lênin, sem sombra de dúvida torna-se um grande autoritário. Em seus textos econômicos há sim uma boa análise do capitalismo que emergia em sua época.

Chomsky, Noam. Notas sobre o Anarquismo. São Paulo-SP. Editora Imaginário.

[1] Chomsky, Noam. Notas sobre o Anarquismo. São Paulo-SP. Editora Imaginário. Pág. 70.
[2] Idem, Pág. 80 e 81.
[3] Idem. Pág. 201, 202 e 203.