quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre o Anarquismo. Nicolas Walter.

Sobre o Anarquismo

Este livro de Nicolas Walter é um excelente material sobre a história do movimento libertário, o presente e as possibilidades para o futuro. Deveria ser lido por todo militante anarquista ainda no começo de suas atividades e para quem deseja iniciar as discussões acerca da anarquia.

Escrito em 1969, praticamente pouco tempo depois do maio de 68, esta obra expressa posições das diferentes práticas do anarquismo. Dividida basicamente em 4 partes: 1-Em que acreditam os anarquistas? 2-As diversas correntes do anarquismo. 3-O que querem os anarquistas? 4-O que fazem os anarquistas?

Na primeira parte, Walter inicia a discussão da história do anarquismo, indo de encontro ao Socialismo e ao Liberalismo. Faz a defesa explícita de que Liberdade não pode viver sem a Igualdade. Analisa o progresso da história humana de uma maneira que os anarquistas conseguem ver diferenciando-a da evolução histórica que acredita os marxistas: “Nós vemos a história não como um desenvolvimento linear ou dialético em uma determinada direção, mas como um processo dualista”.
[1] Há também grandes raciocínios acerca da questão da representação e da democracia e uma crítica muito bem embasada sobre o Estado e as Classes Sociais. Entra na questão da burocracia defendendo o anarquismo como a real oposição a este problema baseado em sua simples e eficaz organização. Critica a propriedade privada defendendo apenas o direito a pequena propriedade desde que não seja vinculada a exploração da mão de obra alheia. “Para os anarquistas, a propriedade se baseia na autoridade, e não o contrário”.[2] Também discorre sobre Deus e a Igreja, indo de encontro com a opinião de Bakunin sobre o tema (Deus é a autoridade que permite a existência do Estado e vice versa) e finaliza com uma discussão sobre o indivíduo e a sociedade.

Na segunda parte, apesar do título já assustar de ante-mão, “as correntes do anarquismo”, o autor não nos fala de “anarquismos” como ousam alguns falar. Pelo contrário, ele nos explica perfeitamente que “De fato, seria melhor considerá-las não como anarquismos diferentes, mas como aspectos diferentes do anarquismo, e isto em função da orientação de nossos interesses pessoais”.
[3]

Também na página 57, Walter faz uma crítica ao anarcosindicalismo:
“O argumento verdadeiro contra o anarcosindicalismo e o sindicalismo em geral é que acentua excessivamente a importância do trabalho e o papel da classe operária. O sistema de classes é um problema político crucial, mas a luta de classes não é a única atividade política para os anarquistas. O sindicalismo é aceitável quando se considera como um aspecto do anarquismo, não quando encobre todos os demais aspectos. É um ponto de vista válido até certo ponto, mas não é suficiente para tratar de resolver os problemas da vida, fora do trabalho”
[4]. Neste ponto podemos até concordar com Walter, porém em partes e fazendo as devidas ressalvas. Vamos a elas:

1-Que o anarcosindicalismo não pode estar em todas as atividades humanas, talvez o autor tenha razão. Mas até hoje não consegui imaginar onde pode a sociedade e toda sua riqueza e conhecimentos e pluralidades do mundo atual, estarem fora do Sindicato? Fiz essa pergunta a mim mesmo alguns anos atrás: onde é que a sociedade escapa de seu núcleo (que para os anarcosindicalistas é o Sindicato)? Onde a sociedade não se realiza dentro do Sindicato? Na cultura? Está no Sindicato. Na Educação? Está no Sindicato. Na questão da sexualidade? Está no Sindicato. No aspecto econômico? Está no Sindicato. Sinceramente não consigo ver nenhuma outra Instituição da Sociedade Humana que consiga receber tão bem todas as demais atividades humanas (e tão bem todas as outras Instituições da Sociedade Humana) quanto é o Sindicato.

2-Se a luta de classes não é a única atividade política para os anarquistas, é porque talvez nosso autor tenha alguma discordância quanto a questão de que a discussão de gênero, racial, sexual, étnica, ambiental, animal e outras não sejam influenciadas pelo aspecto econômico que é sempre determinante numa sociedade de classes acima de todos os outros aspectos da sociedade humana que cito acima, tais como gênero, raça, sexo, etnia, ambiental, animal e outras. Em outras palavras, o acirramento da Luta de Classes deve ser o maior dos objetivos dos anarquistas tanto no passado como no presente e no futuro. Sem a derrubada da sociedade de classes, portanto a derrubada do Estado e do Capitalismo, a questão da mulher e do homossexual, do sexo, do negro e das demais etnias assim como a do meio ambiente e a dos animais também não serão livres.

3-“E um ponto de vista válido até certo ponto, mas não é suficiente para tratar de resolver os problemas da vida, fora do trabalho”. Mas praticamente todos os problemas da vida estão associados ao trabalho. Se não resolvermos o problema do trabalho, não resolveremos o problema de nossas vidas. Citemos alguns exemplos: a questão do sexo. As sociedades humanas fizeram (forçosamente ou não) escolhas quanto a vida que levaria já na nossa pré-história ao preferirem passar o dia trabalhando e gastando suas energias ao invés de depositá-las no sexo. O homem retira parte de sua energia vital diária para descarregá-la sobre o labor. A questão educacional das crianças também está intimamente envolvida com a questão do trabalho assim como provavelmente todas as outras atividades ou anseios da humanidade. O trabalho é determinante sobre toda a sociedade humana.

Portanto, para finalizar a crítica que o autor faz ao anarcosindicalismo: pode até ser que em alguma atividade humana, a sociedade esteja fora do âmbito do mundo do trabalho, porém sinceramente não consegui imaginar como isso aconteceria.

Indo a terceira parte do livro, “O que querem os anarquistas?” Neste capítulo o autor tece uma série de argumentos sobre os anseios, projetos e propostas para a sociedade libertária futura através do que já foi construído pelos anarquistas no passado e no presente. Fala da questão do indivíduo e da nova família libertária; da sociedade livre e das suas organizações internas, ou seja, se seus núcleos serão comitês, comunas, assembléias, sindicatos, sovietes, conselhos, etc. Entra na discussão do trabalho e de quanto ele é sacrificante na sociedade de classes e traz uma preocupação que é a dos libertários: enquanto os marxistas, a direita e a esquerda se preocupam com a questão da produção e de quanto é importante o aumento da produção para atender os anseios do mercado (ou de quem tem dinheiro para comprar), o interesse dos anarquistas é pelo consumo. Quem mais precisa consumir, está consumindo? Quem mais precisa consumir, tem acesso ao básico? Possui o básico? Pelo menos nos períodos de paz, a grande preocupação libertária é em torno do consumo e não da produção. Já em outro momento histórico, como a Revolução Espanhola, a preocupação com a logística e a produção atenderem de fato aos anseios da Classe Trabalhadora são muitas. Portanto, neste momento, a preocupação também se dá com a produção.

A questão do necessário e do supérfluo também é muito importante. O autor destaca que “Uma sociedade com um mínimo de decência não pode permitir a exploração das necessidades fundamentais”.
[5] O autor também entra nas discussões sobre a educação, repressão, revolução e reforma não acreditando que a última possa trazer de fato a sociedade libertária tão sonhada.

A última parte de sua obra, “o que fazem os anarquistas?” É uma lógica de fatos e ações a serem realizadas desde a tomada de consciência do indivíduo até a sua organização em grupo e a provável possibilidade de que o grupo consiga de fato “incomodar” o sistema chegando ao ponto de ser reprimido pelas forças do Estado. Quando a repressão se abate sobre o coletivo, pode-se ter certeza que a organização está conseguindo causar desconforto e desordem no caminho do Estado e de suas forças policiais. Também realça algo que é extremamente importante de ser lembrado, evitar a todo custo o contato direto com as autoridades. O autor relembra a “propaganda pela ação”, a “propaganda pela palavra” e os métodos de “Ação Direta” que devem ser táticas do movimento para ir ganhando apoio e crescer afim de preparar o objetivo final que é a revolução. Nos finaliza dizendo que apesar de sermos minorias em quase todos os lugares, devemos combater sempre, onde quer que tenhamos possibilidade, independente se a luta é reformista ou não, temos que estar presentes afim de aumentarmos os nossos movimentos e levarmos as nossas propostas adiante.

Walter, Nicolas. Sobre o Anarquismo. Editora Achiamé. 2º Edição. Rio de Janeiro.
[1] Walter, Nicolas. Sobre o Anarquismo. Editora Achiamé. 2º Edição. Rio de Janeiro. Pg. 19.
[2] Op. Cit. Pg. 33.
[3] Op. Cit. Pg. 57.
[4] Op. Cit. Pg. 57.
[5] Op. Cit. Pg. 69.