quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Os engenheiros do caos, da Empoli, Giuliano.

 

Os engenheiros do caos, da Empoli, Giuliano:


Livro de 2019, do autor italiano que estudou as táticas e estratégias utilizadas pela extrema direita de seu país para chegar ao poder e em outros países também. O livro dialoga bastante com o documentário da Cambridge Analytica que também mostra as manipulações do facebook e de outras redes sociais utilizadas para manipular o eleitorado em eleições chaves que favorecessem candidatos, partidos ou movimentos que estivessem ao lado dos interesses do governo dos EUA.


Os engenheiros do caos são justamente aquelas pessoas que conseguiram revirar o sistema político, tais como Trump, Orban, Duterte, Putin, Bolsonaro, Milei e tantos outros líderes e seus assistentes que conseguiram fazer com que ideias minoritárias, sem muito apoio popular, se tornassem a opinião majoritária do eleitorado em poucas semanas ou meses. Ele cita casos do Brexit, da campanha de Trump, de Bolsonaro, Victor Orban na Hungria e outros.


Cita exemplos da campanha de Hillary Clinton que utilizou cerca de cem vezes menos mensagens do facebook para possíveis votantes do que a campanha de Trump: Hillary enviou cerca de 66 mil mensagens para possíveis futuros eleitores, enquanto Trump enviou quase 6 milhões de diferentes tipos de mensagens para eleitores que poderiam estar indecisos e outros. O contato e a análise dos dados dos usuários que o facebook disponibilizava, por parte de programadores, estatísticos e físicos, criaram possibilidades imensas de vitória para o conservador.


A campanha de Trump, cita o nosso autor, Da Empoli, foi tão bem preparada que eles chegaram a enviar (via facebook) mensagens para esquerdistas radicais, para negros moradores da periferia, mulheres jovens e outros grupos (desestimulando o voto em Hillary, mas cada um por seu motivo bem específico). Resultado: muita gente deixou de votar, principalmente possíveis eleitores de Hillary, o que facilitou a vitória de Trump. Resumo: não basta apenas ganhar os seus votos. Tem que arrancar os votos do adversário caso você não consiga avançar sobre eles. Ou seja, se não tenho votos para vencer, tudo bem! É só tirar votos do outro candidato, para que seja menos votado do que eu. E foi essa lógica que os engenheiros do caos levaram ao pé da letra na eleição de 2016 que levou Trump a Casa Branca.


Outra estratégia utilizada foi a exploração de temas que estavam dormentes na consciência coletiva de seus cidadãos, como o medo aos estrangeiros, muito utilizado por Victor Orbán. Pesquisas mostravam antes das eleições de 2010 que esta era uma preocupação de menos de 2% da população. Mas o uso dos engenheiros do caos e das novas técnicas da internet fizeram com que se tornasse o problema número 1 às vésperas das eleições, dando a vitória ao político de extrema direita.


No Brasil, como na América Latina como um todo, tal estratégia neste momento está sendo usada pelas redes sociais e por parte da imprensa, colocando o problema da segurança pública como primordial sobre outros, o que facilita o ganho de votos da direita extremista.


Na Europa, assim como em boa parte do mundo, alguns projetos em comum dessa direita: “fechar as fronteiras, interromper o processo de globalização e de integração (no caso da Europa) e voltar aos Estados nações de outrora.”1


Nos anos 90 na Itália surge a operação “Mãos limpas” que serviu de base para a operação “lava jato” aqui no Brasil e tantas outras operações do mesmo tipo na América Latina. Lá na Itália caçou políticos da esquerda e da direita. Aqui no nosso continente, a perseguição foi exclusivamente contra a esquerda. O objetivo, no entanto foi igual nos dois continentes: Lawfare: usar o sistema judiciário para acabar com uma concertação governista que pudesse fazer qualquer nação da Terra imaginar em fazer sombra ao império Yankee ou simplesmente viver sem depender das suas bugigangas tecnológicas.


O que vem a seguir é justamente a criação de uma ideologia que vigora até os nossos dias: as eleições daqueles que não são políticos profissionais ou seja, dos caras de fora da política ou seja, os “outsiders”. Trump nos EUA, Dória em São Paulo, Bolsonaro em Brasília, Zema em Minas, Witzel no Rio, Ratinho Jr no Paraná, etc… não faltam mundo afora países e experiências para comprovar a primeira onda dos populistas de extrema direita.


A partir daí surgem também os partidos, movimentos e políticos “algoritmos”, ou seja, aqueles que só existem nas redes sociais, fazem campanha e seus mandatos para as redes sociais e vivem dessas mesmas redes colocando a si mesmos com as bandeiras de sempre: anti corrupção, anti invasão estrangeira, pelos bons costumes e pela boa moralidade, etc…


O uso de teorias da conspiração e de fake news também alavancaram estes partidos e políticos algoritmos, sempre se apoiando no medo, ódio e preconceito das pessoas para vencer eleições ou para engajar os militantes virtuais e presenciais destes projetos malignos.


Na Itália, o M5E ou Movimento 5 estrelas, o maior partido político do país hoje, foi criado graças as estruturas do facebook e funciona de acordo com os dados que recebe das redes sociais de seus filiados. É o chamado “partido empresa”, pois faz exatamente aquilo que os poderosos necessitam do governo. Neste M5E, os filiados não tem muitos direitos. São mantidos como formigas, operárias que só obedecem, só trabalham. Quando discordam em público da ordem do partido, são expulsas imediatamente. Não tem liberdade de pensar diferente dos chefes do partido. Esta estrutura política funciona muito mais como uma organização proto-fascista do que um partido democrático de um regime que deveria ser democrático também.


Quem governa é o dono do partido e não o político em si. É uma estrutura tão fechada que ninguém ousa discordar de seu proprietário, Grillo e Casaleggio. Todos os deputados do partido votam os temas que estes dois definem como os corretos a serem votados. O político que vota diferente, é expulso imediatamente do partido. E advinhem de quem os dois são amigo? Steve Bannon! Se um político ousa votar diferente do partido ou não obedecer uma de suas exigências, pode pagar um multa de até 150 mil Euros. Em seu contrato (que deve ser assinado obrigatoriamente por todos os seus políticos) no artigo 4, inciso b, cita a multa que foi dada a uma prefeita eleita pelo partido e que quis se recusar a aprovar um projeto. Isso é um sequestro do mandato do político e da própria democracia.


Numa entrevista ao jornal Corriere della Sera, Casaleggio afirma não ter vergonha de dizer que as ideias do partido podem mudar (conforme o vento) e que o partido se parece com uma loja virtual de streamming, como a Netflix enquanto os concorrentes seriam as falidas locadoras Blockbuster.2


Uma das bases desse movimento é a teoria segundo a qual não se deve confiar nos especialistas, mas sim na multidão. Essa é uma das bases do fascismo: ignora-se o que diz a Ciência e os cientistas. Ignora-se o que dizem os intelectuais, os professores, os sábios. Mas o senso comum, o vídeo no zap zap, os “entendidos” das redes sociais, estes sim, sabem de tudo…


As redes sociais aprenderam a ganhar dinheiro com a ansiedade, com a tristeza, depressão, imediatismo das pessoas. Aprenderam a ganhar dinheiro com os discursos de ódio, com o preconceito e muito mais. E estes políticos algoritmos da extrema direita espalhados por todas as nações do mundo, também sabem disso e tiram muito proveito da capacidade destas mesmas redes sociais de mexer com os sentimentos das pessoas para manipulá-las ideologicamente afim de que escolham erroneamente nas eleições de seus referidos países, votando e escolhendo políticos e partidos que são contrários a suas próprias necessidades e as suas próprias vidas.


“Os engenheiros do caos compreenderam, portanto, antes dos outros, que a raiva era uma fonte de energia colossal, e que era possível explorá-la para realizar qualquer objetivo, a partir do momento em que se decifrassem os códigos e se dominasse a tecnologia.” 3


Victor Obán se torna o maior defensor do que se ousou chamar de Iliberalismo. É um sistema que é contrário ao próprio Liberalismo e é entendido pela Ciência Política como tirania, populismo de direita, neo-fascismo, regime de exceção, neo despotismo, etc… É o fim do sistema de pesos e contrapesos. Disse Orbán em um discurso em 2014: “Os Liberais são os inimigos da liberdade. Os contrapoderes são uma invenção americana que a Europa adotou por mediocridade intelectual.”4


E continua no mesmo discurso: “Nesse sentido, o novo Estado que estamos em via de erguer na Hungria, é um Estado Iliberal, não um Estado Liberal.” 5


A escolha de temas específicos para a direita populista nos debates e nos discursos também é muito importante para controlar a narrativa e quebrar a diferença entre esquerda e direita e o discurso de luta de classes. Por exemplo, quando a direita Europeia toca no assunto imigração, quase todos tem a mesma opinião. Não dá muito pra diferenciar esquerda e direita e é por esse caminho que o extremismo de direita vai. No Brasil, o discurso da segurança pública é a mesma coisa: é um coringa. É um jeito de passar ao lado ou por fora do discurso crítico das esquerdas sobre a exploração capitalista e a vida difícil que leva a maior parte da população. Todos são favoráveis a melhores condições de segurança pública. E assim, a direita populista vai ganhando espaço, votos e terreno para vencer eleições ou simplesmente engajar o eleitorado.


Outro descoberta do autor é a tendência aos extremos que a política (manipulada pelas redes sociais) chegou. Antigamente, vencia uma eleição, o candidato que se direcionasse ao centro do espectro político. Para Giuliano, hoje, as redes sociais conseguiram fazer o oposto. Com um pequeno número de apoiadores, militantes de ambientes virtuais ou não, robôs de redes sociais e diversas personalidades, lideranças políticas, empresariais, civis, famosos das redes sociais apoiando determinada causa, com o apoio de um político que precise de tais votos e apoio, a tendência é que posições caras e difíceis de serem emplacadas ou vencidas, possam ir ganhando apoio e aumentando sua aprovação até que seja possível aprová-la ou vencer tal proposta ou campanha numa eleição ou numa votação no legislativo. Tudo isso com forte apoio das redes sociais bombardeando falsas informações ou fake news para boa parte da população, sempre com o objetivo de vencer o debate que se propõe.


As campanhas da extrema direita permitem que discursos contrários possam ser defendidos pelo mesmo candidato ou partido ou movimento. O exemplo disso é Bozo defendendo armas para o povo (para os armamentistas) e paz e amor para o público religioso. Ou defender o Brexit para aqueles preocupados com a liberdade do Reino Unido, enquanto se prega que mercados comuns com outros países podem trazer mais benefícios do que continuar na União Europeia (e assim se perde a liberdade de ir e vir por todo o continente: perdeu-se parte da liberdade). Não é a lógica ideológica que orienta mais a política. Mas o quanto um candidato, projeto, movimento, partido (o partido algoritmo) consegue enganar seus eleitores com discursos dúbios sem ser descoberto.


Nesse sentido, grupos pequenos e inofensivos nas redes sociais (e sempre deixados de lado na política) como grupos de xadrez, grupos de amantes de gatos ou cachorros, grupos de amantes de plantas, grupos de colecionadores de selos postais, etc… vão sendo tragados para o redemoinho da política extremista através das redes sociais com mensagens específicas e bem direcionadas para estes mesmos grupos, afim de domesticá-los ao discurso do mal, simplesmente abrindo espaço para os mesmos se manifestarem em outros fóruns, páginas, canais, redes sociais, grupos do Telegram, zap, etc… e dessa forma, o veneno da extrema direita vai sendo inoculado aos poucos para toda população, tentando radicalizar pessoas inocentes e que jamais seriam radicalizadas se não fosse o mal uso dos algoritmos digitais.


Dessa forma, pessoas moderadas, professores, intelectuais, partidos, movimentos, políticos, vão sendo deixados de lado, esquecidos, desrespeitados. Enquanto os incendiários (a extrema direita) recebem aplausos, os moderados vão sendo esquecidos em toda a política mundial. E esse é um sinal claro do avanço do fascismo: quando o saber e a reflexão deixam de ser importantes e a ação sem reflexão passa a ser a ordem do dia, é sinal de que as coisas andam mal...


Como consequência desse processo, políticos, partidos, movimentos, foram tragados para os extremos, fazendo com que o debate entre as partes seja prejudicado e deixando a política nas mãos de sujeitos extremistas que dia após dia destroem a democracia em todo o mundo. As bolhas criadas pelas redes sociais impedem que diferentes visões de mundo dialoguem entre si, dificultando que a democracia avance.


Esta geração de políticos de extrema direita venceu uma primeira batalha: abriram as portas do mundo para movimentos, políticos, partidos mais autoritários na política. A política não é mais feita entre adversários, como no passado. Adversários são possíveis de se negociar. Hoje, a política é feita entre inimigos. E inimigos não negociam entre si. Eles se aniquilam. E é essa forma bélica de fazer política que essa primeira geração de extremistas de direita está criando em todo o mundo. A próxima geração de jovens pode não querer apenas pequenas mudanças autoritárias nos sistemas políticos. Pode realmente desejar e lutar por mudanças realmente fascistas em todo o mundo. E esse é o risco que a humanidade corre cada dia mais: que as novas gerações estejam sendo educadas através de uma noção de política que trate o diferente como alguém que pode ser excluído, destruído, morto. E esse, definitivamente, não é o espírito da democracia.



1Página 31. Projeto de Steve Bannon para o mundo.

2Pág. 66.

3Pág. 85.

4Pág. 133.

5Pág. 133.