segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Revolução Russa – 1917-1921

A Revolução Russa – 1917-1921
Daniel Aarão Reis Filho – Editora Brasiliense

Livro de 120 páginas com primeira edição em 1983 da Coleção “Tudo é História” da respectiva Editora.

O livro é dividido em 7 Capítulos, sendo o 1º e 2º tratando da Rússia Czarista e de suas tradições revolucionárias. O Capítulo 3 falando sobre a I Guerra Mundial e a queda do Czar. As revoluções de 1917 e o golpe de outubro estão presentes nos Capítulos 4 e 5. Os primeiros meses pós-golpe de outubro, a guerra civil na Rússia e a instalação da Ditadura do Partido Único são analisados no Capítulo 6. O último capítulo trata das relações internacionais do novo Governo.

A Rússia dos Czares

A Rússia era até fins do século XIX, um país essencialmente agrário exportador, com pouca concentração e baixo desenvolvimento industrial, presente nas regiões de Petrogrado e Moscow. Ainda estava numa etapa intermediária de passagem para o Capitalismo e a concentração de terra em mãos dos antigos e milenares Senhores Feudais era forte. Na virada do século, a Rússia ainda era um país essencialmente agrícola. Cerca de 79% de sua população ou 103 milhões de habitantes vivia no campo, enquanto o restante vivia nas cidades. As vésperas da I Guerra, a riqueza do país era assim distribuída: 45,3% vindos da Agricultura, 21% para a Indústria e o restante ao Setor de Serviços e Comércio. Grande parte dos investimentos de tecnologia eram proporcionados pelo Imperialismo Alemão, Ingleses, Franceses. O país era bem dependente de investimentos externos e de tecnologia externa. Era rara ou quase inexistente a indústria de bens de produção ou pesada e estava praticamente toda nas mãos dos estrangeiros.

Haviam basicamente os grandes proprietários de terra (nobreza e burguesia), médios e pequenos proprietários e as Comunas Rurais, que agrupavam famílias de camponeses pobres que trabalhavam na terra e socializavam a produção entre si. As divisões se davam desta maneiraI
[1]:

Kulacs: Eram os camponeses ricos. Possuíam as melhores terras, tinham instrumentos de trabalho e sempre conseguiam guardar excedente de produção. O que os tornava ainda mais ricos.

Seredniaks: Camponeses médios. Trabalhavam a terra com a família e ocasionalmente conseguiam excedentes de produção.

Bedniaks: Camponeses pobres. Tinham dificuldades para se alimentar (principalmente nos períodos de intenso frio, pois não conseguiam produzir excedente), eram obrigados a trabalhar para terceiros e ainda tinham que arrendar parte de suas terras durante o período quente do ano.

Em 1861, o Estado trata de abolir a escravidão presente fortemente no campo criando o Estatuto de Abolição da Servidão. As Comunas tinham um Sistema de organização local e nacional que posteriormente seria importante no apoio dos Soviets do Campo. Elas eram responsáveis pela organização dos Serviços Fiscais e pela manutenção da ordem pública. Cada Comuna possuía uma assembléia de Chefes de Família. Representantes de 10 aldeias elegiam um delegado para um nível superior de organização. Estes delegados formavam uma ligação com o poder do Estado. Para os grandes proprietários de terra a Comuna era vantajosa por que lhes proporcionava mão de obra barata e abundante. Para o Estado era uma forma de manter o controle dos trabalhadores do campo e a mesma estrutura fundiária. Em 1903 e 1906, elas chegam quase a acabar, mas conseguirão, mesmo a contragosto do poder se manter até a Revolução de 17.

Se de uma forma geral, a conjuntura dos setores econômicos não era boa o suficiente, a situação para a população pobre também não era gentil. As Jornadas de Trabalho chegavam a alcançar cerca de 12 a 15 horas de trabalho diário, greves e manifestações eram constantemente reprimidas com muita violência pela Guarda do Czar, o custo de vida era alto e em algumas regiões os salários continuavam sendo pagos em gêneros alimentícios e outros meios que não o dinheiro. Assim como no Brasil de hoje, a Velha Rússia também combinava modos de produção em seu território de acordo com os interesses da velha e decadente nobreza e da burguesia rural e latifundiária. Se nas cidades ou em alguns outros locais de trabalho se vivia a pujança do Capitalismo, no Campo o que se via era o velho Senhor Feudal arrendando parte de suas terras em troca de comida ou favores aos camponeses que nela trabalhavam.

A Revolta contra o Czarismo

No ano de 1858, chegaram a ocorrer em 25 províncias da Rússia, sublevações de camponeses que lutavam pela distribuição de terras, extermínio dos nobres, abolição da escravidão e dos impostos e a libertação das nações eslavas oprimidas pelo Czarismo Imperial Russo. Em 1891, 1902, 1904 e 05, os camponeses Russos voltariam a se sublevar contra as obrigatoriedades do Estado Russo entre outras palavras de ordem: terras, menos impostos, melhores condições de vida.

Nas cidades, entre os anos de 1894 e 97, os operários têxteis de Petrogrado realizarão greves envolvendo cerca de 40 mil grevistas, alcançando a redução da jornada de 14 para 12 horas. Nos anos de 1908 a 1911, chegaram a reunir 113 mil grevistas. Não podemos esquecer que estes números representavam aproximadamente pouco mais de 10% do número de operários no país naqueles anos pré primeira Guerra. São através de muitas destas experiências que os operários russos fundaram os primeiros Soviets, Conselhos de Fábricas dos próprios trabalhadores que seriam os responsáveis pela organização das futuras revoltas e revoluções que viriam a seguir.

A Revolução de 1905

Em 9 de janeiro de 1905, os trabalhadores previamente organizam um grande abaixo assinado com mais de 100 mil assinaturas e pretendem levá-lo ao Czar pedindo melhores condições de trabalho, diminuição do custo de vida, direito de greve reconhecido, reforma agrária e outros. A Guarda do Czar recebe o povo com balas e matam mais de 1000 trabalhadores. É o chamado domingo sangrento da Revolução de 1905. Pode se de certa forma dizer que a máscara do Czar cai neste momento. O povo deixa de vê-lo como um ser Iluminado e divino e começa a enxergá-lo como o carrasco responsável pela miserabilidade de suas vidas.

Os marinheiros de Kronstadt e de Sebastopol se amotinam voltando a luta em novembro depois do episódio do Encouraçado de Potemkin. Em Moscou, houve fortíssima resistência. Os trabalhadores conseguem através do Soviet local proclamar a Insurreição contra a autocracia. Durante 14 dias conseguiram derrotar o Exército. Mas a resposta vem em forma de fúria e numa nova investida o exército toma a cidade e consegue massacrar as organizações operárias. Estava derrotada a Revolução de 1905.

As correntes políticas: populismo e marxismo

A obra neste ponto é extremamente ideológica. Como quase todos os Historiadores Ideólogos do Marxismo-Leninismo, este por vezes muda os nomes que definiriam os anarquistas a época: chama-os de Internacionalistas em alguns momentos, Anarquistas propriamente ditos ou Sindicalistas Revolucionários, Elementos sem Partido entre outros nomes. Tal atitude é proposital pois visa tentar dar uma aparência de desorganização e descontinuidade nas lutas, campanhas e propostas que os anarquistas russos tinham. Neste caso, vale a pena falar sobre a Revolução Anarquista na Ucrânia comandada por Nestor Makhno, mas que em momento algum é tocado no livro. O autor também não toca no assunto da KRASS, Confederação anarcosindicalista que em seu Congresso lança a palavra de ordem: “Todo Poder aos Soviets!”. Logo adiante voltaremos ao assunto.

Outro problema sério ao relatar as correntes políticas da época é tentar colocar os anarquistas como Socialistas Utópicos. Cita Bakunin e algumas de suas atividades nos anos de 1870 mas em momento algum fala dos Narodniks ou Partido do Povo. Organizações de caráter anarquista que em meados do século XIX sacudiam a Rússia dos Czares. Também não toca em momento algum no recém criado anarcocristianismo, fundado por Tolstoi e Dostoiewsk e que seria responsável por fortes mobilizações populares em favor do anarquismo na Rússia.

Como o próprio título deste sub-capítulo aponta, outro erro é tentar caracterizar as principais correntes ideológicas da Rússia enquanto derivadas do populismo e do reformismo e do marxismo como “revolucionário”. O autor em raras passagens até cita os anarquistas, mas como movimento sem forças políticas e sociais para construir a revolução. Ou seja, costuma colocá-los em posição desprivilegiada ou em depreciação de suas reais forças e estruturas.

Neste capítulo há uma série de informes sobre crescimento dos bolcheviques, do seu Partido Operário Social Democrático – POSDR, dos resultados de seus Congressos, das principais lideranças como Lênin, Stálin e Trotsky além dos Mencheviques.

A I Grande Guerra e a Revolução de Fevereiro

Se formos levar em consideração o que disse Lênin sobre o Imperialismo em seu livro “Imperialismo: fase superior do Capitalismo”, podemos entender que a primeira grande guerra estoura graças ao conflito de interesses entre as principais potências imperialistas e econômicas da época: Inglaterra, Alemanha, França, Itália entre outras.

O custo de vida para a população mais pobre nas principais cidades sobe bastante. Durante os anos de 1913 e 1916, o preço do pão subiria 63%. A produção de cereais cairia aproximadamente 21%.

O movimento grevista volta a tomar força depois de decair no início da guerra. Em 1915 são 156 mil grevistas, em 1916 são 310 mil e só nos dois primeiros meses de 1917 são 575 mil grevistas. Em 9 de janeiro de 1917, 150 mil trabalhadores entram em greve em Petrogrado em homenagem aos companheiros mortos no domingo sangrento de 1905. Seguem-se protestos contra a escassez de produtos básicos para alimentação. Os saques em armazéns e padarias tornam-se constantes. O frio de –20º fazia com que as filas de sopas aos miseráveis e aos desempregados tornassem verdadeiros barris de pólvora. Em 24 de fevereiro de 1917, a greve que se inicia em Petrogrado estende-se por todo o país se transformando numa greve geral de alcance nacional. No dia 26, domingo, as fábricas estão fechadas, mas os trabalhadores voltam para o centro da cidade. Os conflitos entre operários e soldados são iminentes. Estima-se em 40 o número de mortos. Os soldados, num determinado momento, recusam-se a atirar nos irmãos operários e a confraternização se inicia. Está dado o fim da repressão. Na segunda, dia 27, os operários voltam ao movimento e mantém a greve. A adesão dos soldados se concretiza de fato e estes acabam por prender oficiais que insistem com as ordens das autoridades. A polícia não entra mais nos bairros operários. A lacuna é rapidamente assumida pelas organizações dos próprios trabalhadores ao assumirem o controle e gestão dos bairros. Em muitos locais de trabalho, o mesmo processo ocorre; diversas empresas passam pela greve de ocupação, autogerindo a produção. Em Moscou, o Czar é destituído. O movimento ganha a batalha, mas ainda não a guerra.

De acordo com o livro, os próprios Partidos de esquerda ficariam boquiabertos com o avanço e organização dos trabalhadores e suas lideranças populares. Trotsky comentaria que houve uma revolução anônima, dirigida na marra por milhares de lideranças sociais disseminadas dentro da luta do povo. Sem direção centralizada, vanguarda ou Partido que definisse seus rumos. Era na prática o avanço das organizações operárias filiadas a grande KRASS – Confederação Russa Anarcosindicalista - que iniciou a grande greve que se espalhou por todo o país e foi responsável pela queda do Czar. Porém, o autor marxista não coloca estas definições em seu texto.

A Consolidação dos Bolcheviques no Poder

Por volta de 1918, os soviets começam a passar por duas crises que acabariam por liquidá-los. O topo da pirâmide organizacional dos soviets, no comando do Estado, começa a se descolar da base, ganha autonomia e suas decisões não respeitam mais as posições dos Conselhos. Além disso, as estruturas criadas anteriormente pelo Partido como os Ministérios e o VESENJA funcionariam como controle dos Conselhos Operários e como amortecedor das exigências dos trabalhadores. Para piorar, o término ocorre quando os bolcheviques assumem de vez o comando do país sem a necessidade de consulta aos soviets. Em dezembro de 1920, o VIII Congresso dos Soviets (os congressos no início eram trimestrais e depois passaram a ser anuais e posteriormente de dois em dois anos) ainda tiveram a participação de Mencheviques e Socialistas Revolucionários. Detalhe: sem direito ao voto. Os Congressos dos sovietes passaram a ser eventos simplesmente manipulados para justificar as decisões tomadas previamente pelos bolcheviques. Era apenas mais uma farsa dentro do sistema para tentar dar aparência de legitimidade nas decisões do Partido.

Mesmo em 1918, 19 e 20, as dissidências internas dentro do bolchevismo não foram toleradas. Foram perseguidas e extinguidas. Em 1919 três órgãos de Direção Interna do Partido foram criados com o objetivo de centralizar ainda mais as decisões da cúpula partidária e de isolá-la das possíveis pressões da base (mesmo que o controle dos soviets já fosse uma dura realidade e um golpe mortal na revolução): foram o “Gabinete Político”, o “Gabinete de Organização” e o “Secretariado”. Em 1921, para piorar ainda mais a situação, foi aprovado uma determinação que combatia o “fracionismo”. Ou seja, o pensamento único era o que restava. O diferente era proibido.

“A absorção dos sindicatos pelo Estado consolida-se. Os sindicatos não precisam ser independentes. Afinal, a classe operária não lutaria contra seu próprio Estado... A simplicidade do raciocínio não constrange a maioria. O Estado multiplica campanhas de mobilização e enquadramento dos operários. Combinam-se estímulos materiais, morais e a coação. Criam-se os sábados comunistas, em maio de 1919, e unidades de trabalhadores de choque, os udarniks”.
[2]

Nesta passagem podemos ter uma idéia do ponto em que se chega o autoritarismo na Revolução Russa e sua semelhança com as mesmas ações dos fascistas na Itália e em outros locais do mundo. Tal controle sobre o movimento operário é digno de regimes totalitários nazi-fascistas que visam a total domesticação do principal instrumento de reivindicação da Classe Trabalhadora.

Em janeiro de 1920, o Exército dos Urais se transforma em 1º Exército Revolucionário do Trabalho. É a proposta experimental de militarização do Trabalho defendida a todo custo por Trotsky em toda a Rússia.

O fim de possíveis autonomias nacionais ou regionais dos diversos povos eslavos e russos, estavam com os dias contados. A submissão de diversas nações e as respectivas anexações destas à Rússia fizeram nascer a URSS. Em 1919, 20 e 21, diversos países se uniram forçosamente a Rússia. Alguns mantendo as mesmas estruturas capitalistas anteriores a Revolução e outros pouca coisa mudando.

Algumas linhas de raciocínio defendem a idéia de que a política centralista era inevitável pela difícil situação das guerras e da questão econômica. O problema é que a centralização se inicia já de imediato a Revolução de Outubro.

A Revolução Russa e o Mundo: 1917-1921

As posturas reformistas e contraditórias da Internacional Comunista IC, eram notórias. Praticavam uma política de apoio as burguesias nacionais que se voltassem contra o imperialismo e ao mesmo tempo tinham que efetuar os apoios necessários aos PC’s nacionais das respectivas nações em que também apoiava as burguesias locais. Em outras palavras, cala-se a boca do movimento operário organizado e do PC local em apoio as políticas “anti-imperialistas” das burguesias nacionais. São as famosas políticas de conciliação de classes defendida a apresentada pelos Leninistas e Stalinistas pós Revolução.

A Rússia manteve dois discursos: um para os países capitalistas ricos e outro para o proletariado mundial. Portanto o discurso da conciliação dos interesses de classes era a traição ao Socialismo e ao verdadeiro Comunismo. A Rússia era o reflexo extremo dessa situação.


[1] Filho, Daniel Aarão Reis. A Revolução Russa: 1917-1921. São Paulo. Editora Brasiliense, 1999. Pg. 84.
[2] Op. Cit. Pg. 88.