sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Revolução Mexicana

Flores Magón – A Revolução Mexicana

Com apresentação de Alexandre Samis, o livro retrata uma série de artigos publicados por Ricardo Flores Magón, de 3 de setembro de 1910 (portanto, menos de 2 meses antes de estourar a revolução) até 04 de julho de 1914 (não necessariamente inseridos na ordem cronológica). Todos os textos foram publicados no Jornal Regeneración além do Manifesto do Partido Liberal que encerra o livro.

Antes de adentrarmos sobre os textos de Magón, partiremos também com uma pequena introdução a História do México e do movimento dos trabalhadores no México para de uma forma simples tentar traçar um pouco da conjuntura organizacional do anarquismo naquele país antes da Revolução de 1910.

Em 1861 desembarcou em solo mexicano o grego Plotino Rhodakanaty. Quatro anos depois de desembarcar, o Plotino funda juntamente com companheiros uma Escola Libertária, denominada La Escuela Moderna Y Libre. O trabalho da escola gera frutos como o revolucionário Julio Chávez López que até o ano de 1869 realizaria com diversos companheiros de luta a expropriação de vários latifúndios nos Estados de Puebla e Morelos. No mesmo ano, Chávez López é morto em uma emboscada no pátio da escola de Rhodakanaty. Em 1874, com apoio de militantes refugiados da Comuna de Paris, funda, o anarquista grego, o Jornal La Comuna, considerado (de acordo com Samis), o primeiro periódico anarquista no país. A morte de Julio Chávez Lopes não fora em vão. Em 1879, milhares de camponeses influenciados pelas experiências da Escola Livre e de Lopes começam a enfrentar o exército federal em alguns Estados. Tal insurreição, apesar do assassinato de diversas lideranças libertárias, consegue se manter até 1884. Após retornar a Cidade do México, tentar reabrir a Escola que havia sido fechada pelos latifundiários e o governo, e ainda apoiar as experiências de alguns jornais na capital, Rhodakanaty retorna a Europa em 1886.

As lutas do povo mexicano não param por aí. Em 1900 é fundado o periódico anarquista Regeneración. Tal jornal serviria para apoiar em 1901 a fundação do Partido Liberal Mexicano que de acordo com Samis “se apresentou, de fato, como uma agremiação profundamente inspirada no anarquismo”.
[1]

Em 1906, a perseguição ao jornal e as lideranças do PLM (Partido Liberal Mexicano), fa com que este tenha que ser rodado na clandestinidade nos EUA e distribuído também na clandestinidade por todo o território Mexicano. Em 1911, com o apoio da IWW norte americana, os anarquistas ocupam toda a região da baixa Califórnia e proclamam a “República Socialista da Baixa Califórnia”. Após 5 meses de resistência, enfrentando o exército dos EUA e as tropas de Porfírio Díaz, cercado por todos os lados, os anarquistas tiveram que recuar e se esconderam no território mexicano. No Brasil e em Portugal, Neno Vasco assumiu dianteira em favor da causa do povo Mexicano. Em 1914, Magón foi preso e a partir daí teria sido preso diversas outras vezes em solo norte-americano, tendo sido ajudado a se libertar em campanhas que também contaram com ajuda de Emma Goldman e Alexander Berkman e da própria IWW nos EUA. Morre em 21 de novembro de 1922 numa prisão nos EUA. Seu corpo só seria enterrado e visto graças aos ferroviários da IWW e do México que transportaram-no já morto ao território mexicano onde foi sepultado. “Ao longo da via férrea, no território mexicano, em uma longa fila, populares acotovelavam-se para prestar as últimas homenagens ao revolucionário”.
[2]

Seus Textos no Jornal Regeneración:

Nos textos de Magón, o que mais impressiona é a simplicidade para escrever, e ao mesmo tempo com um vocabulário que beira muita simplicidade, mas é ao mesmo tempo imensamente rico. Suas expressões são as do homem do povo. Não estamos lidando com um Intelectual, estamos revendo textos que expressam os sentimentos de quem sabe tocar profundamente a realidade da vida do povo.

Porém, não se pode esquecer que os argumentos contidos no Livro em torno de seus textos, continham algumas contradições. As discussões em torno do Partido Liberal Mexicano são algumas delas e as que vamos nos concentrar.

Em todos os 13 textos escritos por Ricardo Flores Magón e publicados no livro (13 não seria um número proposital, quando se fala a todo momento de um Partido?), somente cinco deles não citam em momento algum a saída (apontada em quase todos) pelo voto no Partido Liberal Mexicano. Os textos “Não quero ser escravo”, de 1º de junho de 1912, “Liberdade Política” de 12 de novembro de 1910, o texto “Desperta Proletário” de 24 de dezembro de 1910. Também em “Os utopistas” e “Eu não quero ser tirano” não existem passagens que citam o Partido Liberal Mexicano.

No texto “Eu não quero ser tirano”, Magón fala do pedido de Madero, então candidato a Presidência do México que havia recebido do mesmo um convite para que fosse vice-presidente. Este texto também não cita nada sobre o PLM, e é de uma lucidez sem tamanho ao se declarar contrário a subida do poder. “Porém, me repugnam os governos”.
[3] No mesmo texto também surpreende dando a entender que é um Liberal, convocando os Liberais de boa fé para as mudanças. Um pouco adiante, na página 86, ele assume: “Por isso, nós Liberais, gritamos: morra todo governo!”[4]

Independente das contrariedades do discurso de Magón em seus textos, fica a forma simples e de fácil penetração nas camadas mais pobres do povo (apesar do rico vocabulário empregado em algumas situações). O primeiro texto, “Os Ilegais” é de uma clareza na exposição que deve ser publicado sempre que possível. Podemos entender que o Liberalismo é parte intrínseca do anarquismo e que sua influência pela defesa do indivíduo é sem dúvida inquestionável. Também podemos dizer que a influência do Liberalismo é marcante nas lutas libertárias até a atualidade. O que se pode tentar entender de Magón e do PLM é que são influências do pensamento Liberal Clássico (principalmente do Liberalismo Político, dos Federalistas estado-unidenses e da própria herança da Revolução Francesa) como alma do Partido Mexicano. Não podemos esquecer que o Liberalismo é a mãe do anarquismo enquanto o Socialismo poderia ser entendido como a outra grande raiz desta árvore, ou seja, o Pai. De certa forma, tal estrutura de organização está bem distante da noção de Partido aplicada por Bakunin e Malatesta que acreditavam no “Partido do Povo” como organização de todo o Movimento Libertário unido numa grande luta para construir a derrubada do Capitalismo e do Estado. A diferença entre os dois modelos de Partidos (bakuninista e malatestiano para o Magonista) é que o Russo e o Italiano jamais imaginaram um “Partido anarquista” pedindo votos para concorrer ao comando do Estado (apesar de muitos “anarquistas” assim darem a entender em seus livros), enquanto Magón deixa claramente exposta a necessidade do povo utilizar sua arma, a cédula de eleitor para votar nos Liberais. Talvez por essas razões (a raiz do Liberalismo ao Anarquismo) Magón não tenha sido duramente criticado pelos demais Libertários de seu tempo e posteriormente também. Apesar de como vimos em algumas passagens, haver contradições fortes no seu discurso.

Em outro momento, mais precisamente na página 68, percebemos o que poderíamos chamar de ato falho?

“juntem-se a nossas fileiras, agrupem-se sob a bandeira igualitária do Partido Liberal, e, unidos, arrancaremos a terra das poucas mãos que a detém para dá-la ao povo, e nós nos aproximaremos do ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade por meio do bem estar da imensa maioria.”
[5]

Ou seja, nós, PLM é que daremos ao povo. Em outras palavras, não será o povo que diretamente fará a expropriação e sim o Partido Liberal, que assumirá o Poder do Estado e fará a Reforma Agrária. Sem sombra de dúvida existe ai uma grande contrariedade a todo discurso do anarquismo e em muitos momentos do próprio Magón. Seria um ato falho? Talvez. Mas que houve contrariedade a todo seu discurso, sem sombra de dúvida sim.

Mudando um pouco de assunto e indo a página 86, parece haver por parte do autor, uma crítica ao anarcosindicalismo ou ao sindicalismo revolucionário que no México estava sendo praticado pela Seção da AIT, a CGT. Seção sindical reconhecida pela AIT em 1876, a primeira Seção da América. Em uma passagem, ele diz:

“Aos que quebram a cabeça para obter de seus amos a jornada de oito horas, vemo-los com lástima; os bons não apenas rechaçam a graça das oito horas, mas igualmente o sistema de salários;”
[6]

Os maiores defensores da Jornada de Trabalho para as 8 horas diárias eram os anarcosindicalistas. Essa era uma luta que vinha ganhando conquistas gradativas e contínuas desde os anos de 1860 na Europa, conseguindo a diminuição da Jornada para 12, 10, 8 horas diárias. Pelo fato de acreditarem que o salariato não se romperia assim da noite para o dia, haviam as estratégias de se tentar diminuir sobre a Classe Trabalhadora as penúrias da atividade forçada e semi-escrava laboral dentro do trabalho assalariado. Não que os sindicalistas revolucionários fossem favoráveis ao salariato, mas aboli-lo de uma hora para outra sem mínima ou prévia organização dos trabalhadores era impossível e ainda é impossível.

Também se sabe que hoje, após um estudo mais aprofundado do movimento anarquista no México, Magón teria se distanciado do Liberalismo um pouco depois de iniciada a revolução em 1910 e pouco antes de sua morte. O que fica para a atualidade é uma grande luta deste heróico povo e de um grande líder que doou todos seus esforços e sua própria vida para a causa da Classe Trabalhadora.

Magón, Flores. A Revolução Mexicana. Editora Imaginário e Nu-Sol e Instituto de Estudos Libertários. São Paulo. 2003. Tradução de Plínio Augusto Coelho.


[1] Magón, Flores. A Revolução Mexicana. São Paulo. 2003. Editora Imaginário. Pg. 16.
[2] Op. Cit., Pg 24.
[3] Op. Cit., Pg 33.
[4] Op. Cit., Pg 86.
[5] Destaques nossos.
[6] Op. Cit., Pg 86.

Notas sobre o Anarquismo

Notas sobre o Anarquismo
Noam Chomsky

Numa série de entrevistas e alguns textos seus, o autor nos traz algumas de suas posições a respeito do imperialismo enquanto categoria econômica e política.

Indagado sobre a situação futura, ele descreve:

Entrevistador: E, finalmente, professor Chomsky, na sua opinião quais são as chances de que sociedades desse tipo [o autor falava das possibilidades do Socialismo Libertário] venham a existir nos principais países industriais do ocidente, no próximo quarto de século, aproximadamente?

Chomsky: Eu não creio que saiba o suficiente ou esteja suficientemente bem informado para fazer previsões e penso que previsões sobre questões tão mal entendidas provavelmente, e em geral, acabam por refletir mais a personalidade do que o julgamento. Mas eu creio que, pelo menos, podemos dizer que há tendências óbvias no capitalismo industrial em direção à concentração de poder em impérios econômicos restritos e no que está se tornando, de forma crescente, um Estado totalitário. Essas são tendências que vão se desenrolando por um longo tempo, e eu não vejo nada que as esteja detendo realmente. Acho que essas tendências continuarão; elas são parte da estagnação e do declínio das Instituições capitalistas.

Agora, me parece que o desenvolvimento em direção ao totalitarismo de Estado e à concentração econômica – e é claro que ambos estão ligados – levarão continuamente a uma reação, aos esforços de libertação pessoal e aos esforços organizacionais de libertação social.
[1]

Um pouco adiante, indagado sobre sua opinião a respeito do Leninismo:
Entrevistador: Lênin, considerado um conhecido exemplo, não acreditava que os trabalhadores pudessem desenvolver algo além da “consciência sindicalista” – dessa forma, eu suponho que ele quis dizer que os trabalhadores não poderiam enxergar muito além de suas necessidades imediatas. (...) Onde esse elitismo tem origem e o que ele está fazendo dentro da esquerda?

Chomsky: Temo que seja difícil responder a essa questão. Se a esquerda fosse entendida incluindo o bolchevismo, então eu me separaria completamente dela. Lênin foi um dos maiores inimigos do Socialismo, na minha opinião, por razões que já discuti.
[2]

É necessário esclarecer, que a crítica de Chomsky a Lênin, é uma crítica política e de seus métodos autoritários (considerado por muitos como traição de princípios básicos do marxismo). Porém, pelas análises do autor estadounidense, a crítica econômica tem muita apreciação. Ainda na mesma entrevista, quando lhe perguntam sobre o capitalismo, vejamos a posição do autor.

Entrevistador: Como você vê a época atual? Seria uma questão de “voltar aos fundamentos”? O esforço agora deve ser feito no sentido de introduzir a tradição libertária no socialismo e de dar ênfase às idéias democráticas?

Chomsky: Isso é propaganda em grande parte, na minha opinião. O que é chamado de “capitalismo” é basicamente um sistema de mercantilismo empresarial, com enormes e incontáveis tiranias privadas exercendo vasto controle sobre a economia, os sistemas políticos e a vida social e cultural, operando numa íntima cooperação com os poderosos Estados que intervém pesadamente na economia doméstica e na sociedade internacional.

Percebe-se nesta fala do autor que o Imperialismo não é somente de um único Estado e suas multinacionais. Ele é imposto por vários Estados nacionais (Estados no plural, portanto mais de um) e “tiranias privadas” (utilizando o termo citado pelo mesmo). Portanto, ao contrário do que se imagina, o movimento econômico, financeiro, militar e especulativo que está contido no Imperialismo não é fato isolado de uma única nação, mas sim uma dinâmica, um vetor realizado por diversos atores que influem e decidem boa parte das decisões tomadas nos países de segundos, terceiros ou quarto mundo (para utilizarmos a metodologia antiga de classificação das nações) ou subdesenvolvidos semi ou não industrializados.

O imperialismo destaca-se nacionalmente em suas políticas econômicas e sociais. Por exemplo, quando se nega que o capital não possui pátria (portanto negação do processo imperial enquanto vetor econômico), nada mais se faz do que relativizar o processo internamente, dentro de cada Nação. Se o capital não tem pátria, ele também não tem sede, se não tem sede, é virtual. O principal movimento do capital especulativo e financeiro atualmente se dá de forma virtual (processo já destacado por Lênin, numa de suas cinco características do Imperialismo, quando afirma em princípios do século XX que o comércio de capitais era crescente e chegava as Bolsas de Valores de várias Nações pobres não industrializadas). Mas não se pode negar que este processo está embasado em processos reais da economia. Ele está intrinsicamente ligado ao modelo de exploração no meio de produção, através da mais valia relativa, que vai da exploração dos trabalhadores somada a novas técnicas de produção, concentração de setores econômicos em grandes grupos Internacionais, fundindo-se com grandes Bancos, criando-se assim o capital financeiro, que faz o gira gira ou a ciranda cirandinha do capital mundial. Movimento que se volta para os países pobres com apoio militar, político, econômico e ideológico do (s) Império(s). Negar o Imperialismo enquanto categoria econômica, é negar também que existam tais atributos acima citados.

Outro argumento que se pode utilizar na defesa da tese de que o Imperialismo é econômico (principalmente), são as remessas de lucro que as multinacionais realizam em todas as Nações do mundo. Se o capital não tem pátria, porque estas empresas precisam efetuar tais remessas? Pra onde elas enviam tais lucros? Não seria para a sede primária ou original destas empresas, a matriz? Se enviam seus lucros para a matriz, significa que o Império tem Roma (além das ‘sub-Romas‘ ou as subisidiárias) e que a grande neo-metrópole mundial (ou as várias neo-Romas), a cada dia que passa se fortalece com este processo. Percebe-se ao final das contas que faz muito bem ao sistema capitalista como um todo que seja negado o processo do Imperialismo econômico. Que relativizar tal processo é também relativizar que a luta de classes não pode mais trazer saltos ou rupturas na história da humanidade, pois se não existe Império, não existe sede do capital, se o capital não tem sede, todo o sistema se torna virtual; sendo virtual, se esquece que o processo se dá materialmente (e não de forma idealista) na exploração do capital ao trabalho. O processo virtual (portanto idealista), é apenas parte ou instrumento da dominação dos Impérios, sua ferramenta e não fator determinante para negá-lo. Por mais que os processos ideológicos ou os “Aparelhos de Estado” sejam hoje absurdamente mais eficientes no que tange a dominação política, cultural e ideológica dos trabalhadores, a fonte do processo de exploração não é somente a televisão ou a Internet (para citar alguns exemplos), é material, está no cotidiano das técnicas e práticas toyotistas presentes no campo, indústria, comércio e serviços, sendo reproduzido em escala de super concentração econômica e mundial.

Entrevistador: O PT utilizou o slogan “a esperança venceu o medo” ao se referir a sua vitória nas últimas eleições presidenciais. Hoje, um ano e meio de governo do PT, constatamos: o aumento de desemprego (a proposta eleitoreira do PT era de 10 milhões de empregos); a queda contínua da renda do trabalhador (segundo índices oficiais), desde o primeiro mês do mandato; reforma da Previdência, taxando os inativos, em sua esmagadora maioria recebendo salários aviltantes, após uma vida inteira de trabalho; a reforma das leis trabalhistas (atualmente urdida pelos gênios do PT) para ser apresentada ao Congresso logo após a eleições, Reforma esta que anulará grande parte das conquistas realizadas pela Classe trabalhadora ao longo de décadas; o engessamento das Centrais Sindicais, inclusive a CUT (braço sindical do PT), como tão bem o fez o governo socialista de Miterrand, na França; a política de juros elevadíssimos, gerando lucros jamais vistos por parte das Instituições bancárias; geração do superávit primário bem acima do estipulado como meta acertada pelo FMI, provocando cortes orçamentários criminosos em setores cruciais tais como saúde, saneamento básico e educação; etc, etc. Grande parte da população está insatisfeita e desiludida.

Os anarquistas sempre advertiram, e a história sempre comprovou, que um Partido de esquerda no poder segue as regras do capital e do Estado, exatamente da mesma forma que os Partidos de direita. Como você avalia os rumos que o governo lula está tomando?

Chomsky: Lula e o PT tinham uma escolha:eles poderiam acertar as regras do jogo básicas estabelecidas pelos sistemas de poder dominantes do mundo e tentar fazer o melhor possível dentro deles; ou eles poderiam rejeitar essas regras e sofrer as conseqüências. As regras foram feitas de forma a impedir as ameaças da democracia, submetendo os governos a disciplina do “parlamento virtual” dos investidores e credores, que podem destruir uma economia de várias maneiras, entre elas com fugas de capitais e ataques especulativos as moedas, caso a política de governo for “irracional” – ou seja, dedicada as escolas e a saúde ao invés do lucro das empresas. A responsabilidade direta desses métodos de reprimir e disciplinar as sociedades e forçá-las ao obedecer aos ricos e poderosos é dos EUA, seus aliados, e seus colaboradores de outros lugares.
(...)
Talvez fosse possível para Lula e o PT seguirem o segundo caminho, como a Argentina de certa maneira o fez, e talvez tivessem tido sucesso. (...) Minha impressão,se vale alguma coisa, é de que podia ser feito.
[3]

Chomsky acredita estar no velho anarcosindicalismo a saída para reativar as verdadeiras lutas dos trabalhadores. Acredita haver um processo imperialista, que aliás, o autor já denuncia desde os fins da década de 60 e desde a Guerra do Vietnã.

É necessário se reafirmar o velho ditado popular quanto a opinião do lingüista a respeito de Lênin. “Não devemos jogar fora a criança com a água da bacia”. Em seus escritos políticos, Lênin, sem sombra de dúvida torna-se um grande autoritário. Em seus textos econômicos há sim uma boa análise do capitalismo que emergia em sua época.

Chomsky, Noam. Notas sobre o Anarquismo. São Paulo-SP. Editora Imaginário.

[1] Chomsky, Noam. Notas sobre o Anarquismo. São Paulo-SP. Editora Imaginário. Pág. 70.
[2] Idem, Pág. 80 e 81.
[3] Idem. Pág. 201, 202 e 203.

Os Sindicatos operários e a revolução social.

OS SINDICATOS OPERÁRIOS E A REVOLUÇÃO SOCIAL.

Inicialmente se percebe uma influência muito grande dos positivistas e dos deterministas históricos nesta obra. Está presente uma necessidade sobre a revolução social, uma revolução social que está em ‘marcha’. Também se nota na obra, uma influência muito grande (no que toca somente a crítica econômica) do livro ‘Imperialismo, fase superior do capitalismo’, de Lênin. Nesta obra, Lênin tenta com louvor demonstrar que no último terço do século XIX, o capitalismo entra numa situação monopolizadora e começa a associação feroz entre grandes Indústrias ou conglomerados destas com os bancos nacionais e internacionais. O processo só vem a se intensificar no começo do século XX. Tal movimento de encontro do capital bancário com o Industrial é chamado de capitalismo financeiro, que para Lênin é a terceira fase de acumulação capitalista.

No começo, Besnard também deixa claro que existem forças sociais, desde a mais antiga história do homem, que se contrapõe. Hoje, com o avanço das técnicas de produção e do meio de produção, os trabalhadores também se organizaram de modo mais estratégico. O autor aponta para táticas utilizadas pela classe dominante em tentar disfarçar ou camuflar a luta de classes. O mesmo se apressa em expressar: “considero que todo indivíduo que vive exclusivamente do produto de seu trabalho, que não explora ninguém, pertence a Classe Operária, ao proletariado”.

Besnard desmistifica os argumentos da propaganda da burguesia (que vai de encontro a idéia de que não existem Classes Sociais) de que existe um ‘interesse geral’. E neste sentido, o autor vai até Rousseau para efetuar tal crítica. No momento seguinte, efetua uma crítica ao mesmo, sem levar em consideração a conjuntura em que vivia o autor do século XVIII. Posteriormente, Besnard define que a colaboração de classes é impossível e define a receita para combater tal mal: a luta de classes.

A arma utilizada pela Burguesia e o Estado contra as organizações dos trabalhadores é o desemprego. Além de várias outras formas encontradas para manter o operariado sob o medo da perda do trabalho. Esta é uma jogada com o intuito de se manter os salários baixos, e os trabalhadores submissos às ameaças e decisões patronais e governamentais.

Também existem diversas observações sobre a origem das crises na Europa, o panorama a época do desemprego, como uma tentativa de se demonstrar a conjuntura.

Para os trabalhadores o autor destaca uma série de táticas que podem ser utilizadas como defesa e ataque a Burguesia e ao Estado. Neste momento se apresentam três reivindicações:

1-Redução da Jornada de Trabalho; como forma de paralisar a maior arma da burguesia contra os trabalhadores e colocá-la pressionada contra o muro e sem saída.
2-Salário Único; como forma de se acabar com as desigualdades presentes entre os trabalhadores.
3-Controle sindical da produção; como complementação do segundo item e início do processo de tomada do meio de produção por parte dos próprios trabalhadores. É muito difícil ser colocado em prática dentro do sistema capitalista, mas é o objetivo.

Nas páginas seguintes, o autor critica o uso de Partidos para se construir a revolução. Desmente a tese do Partido que se proclama de operário (jamais haverá partidos operários, e sim de elites intelectuais que comandam a vida dos trabalhadores, e que portanto são inimigas de classe do proletariado). Também utiliza um capítulo inteiro para demonstrar o quanto é falsa a idéia da Ditadura do Proletariado, citando Kropotkin em diversas passagens para justificar sua fala. Percebe-se que o autor utiliza da crítica econômica sobre o Imperialismo da qual Lênin também o faz. Porém Besnard se distancia de imediato do mesmo (Lênin) para demonstrar que a saída para os trabalhadores é a organização direta em Sindicatos, Uniões ou Ligas de trabalhadores por ramos econômicos da produção, no intuito claro de combater a estratégia marxista para o proletariado.

Pierre Besnard também dá ênfase ao uso por parte dos trabalhadores da greve de advertência, boicote, sabotagem, paralização e outros meios táticos de luta, estas são maneiras de se preparar o terreno para a construção da luta revolucionária. Todas tem o intuito pedagógico para os trabalhadores. O uso da Greve Geral insurrecional e expropriadora como instrumento da luta final entre classes, é amplamente defendido.

Besnard, Pierre. Os sindicatos operários e a revolução social. volume – I. São Paulo-SP. Editora Novos Tempos.

O que é Estrutura Sindical?

O que é estrutura sindical?

O autor faz uma crítica a todo o capítulo V da CLT e suas quase 100 cláusulas que restringem e controlam as atividades dos Sindicatos no país.

Também traz diversos exemplos da luta anarcosindicalista no Brasil até as atividades da oposição metalúrgica na década de 70. Cita os problemas da unicidade sindical imposta de cima para baixo pois esta, da forma como foi criada nada mais é que um golpe a organização dos trabalhadores.

Também critica o corporativismo, o assistencialismo, cupulismo, inexistência dos organismos de base, imposto sindical, controles financeiros sobre os balanços, Estatutos padrões, as cartas de reconhecimentos e tantos outros instrumentos utilizados pelo Estado para reprimir e dar vida ao peleguismo como conseqüência destas medidas. Também fala da proibição da criação de Centrais Sindicais e da filiação destas e de Sindicatos ou outras entidades a entidades internacionais do movimento sindical.

Além de efetuar toda a crítica, ele apresenta no fim do livro uma proposta como exemplo no atual modelo do Sindicalismo Espanhol depois do fim da Ditadura Nazi-fascista de Franco. Cita os comitês por empresa, delegados sindicais, assembléia de delegados, entre outros exemplos possíveis do sindicalismo espanhol.

Não que haja concordância de minha parte com a atual estrutura eleitoral sindical deste país.

Giannoti, Vito. O que é estrutura sindical? Editora Brasiliense. São Paulo-SP.

Racionalismo Combatente!

O Racionalismo Combatente: Francisco Ferrer y Guardia – Ramón Safón

Dividido basicamente em 9 textos, a obra como um todo expressa a opinião dos paralelistas, ou seja, uma crítica sem pé nem cabeça as experiências do CENU – Conselho da Escola Nova Unificada e as experiências federalistas destas Escolas chamando-as de formadores de mão de obra para as necessidades mais urgentes das Comunidades (se esquecendo que isto poderia ajudar no desenvolvimento individual e profissional dos jovens além de ajudar na transformação econômica da Espanha em guerra contra o nazi-fascismo). O que parece é que a crítica paralelista em alguns momentos deseja relativizar as necessidades dos trabalhadores naquele momento com críticas completamente desproporcionais e desapegadas a realidade política, econômica e social.

Para reafirmar ainda mais a posição da propaganda paralelista, dos 9 textos, 7 são lideranças da CNT-Vignoles e do Sindicato da Educação filiada a mesma na França. Em momento algum se dá voz ou direito de defesa a Juan Puig Elias, presidente do CENU ou aos anarcosindicalistas da CNT-AIT/Espanha para se defenderem ou exporem suas posições a respeito do tema. Os paralelistas exaltam as escolas novas fora do CENU, e nos trazem seus nomes que são homenagens a Comunistas na Espanha, Presidente da República, etc... pode uma Escola Libertária carregar o nome de Presidente da República Espanhola ou mesmo de Comunistas que traíram os anarquistas na Espanha e em todos os outros lugares do mundo?

O texto de Ramón Safón, o 2º do livro, possui alguns dados sobre a vida de Ferrer, seu pai que era Republicano na Espanha ao lado dos federalistas (que tinham um conflito com os Republicanos nacionalistas desde 1873, fundação da 1º República).

Ferrer também contou com o apoio da Maçonaria no desenvolvimento da Escola Nova por toda a Espanha (processo semelhante ocorre no Brasil, onde os Maçons além de ajudarem na criação das Escolas Novas, também apoiavam as já existentes).

O livro também traz alguns materiais da CNT-F (ou Vignoles) e do Sindicato da Educação da Região Parisiense, além da Plataforma de organização e luta dos mesmos.

Na página 37, traz dados importantes sobre o CENU.

Ferrer nasce em Alelha em 1859, cidade perto de Barcelona e adere em 1880 até 1886 à maçonaria. Poucos anos depois, quando se refugia em Paris, conhece a Srta. Meumié, a qual, quando falece, deixa toda sua fortuna para Férrer. É com esta quantia que Ferrer cria a Escola Moderna e sua Editora. De volta a Espanha há uma grande desigualdade que o autor precisa enfrentar: alto índice de analfabetismo e a presença da Igreja e do Ensino Religioso na Espanha.

A Escola Nova deve ser integral, racional, mista e libertária: integral pois deve conter todo o conhecimento necessário para potencializar o desenvolvimento do indivíduo; racional pois deve basear-se na experiência (a posteriore) e na razão, contrariando as crenças e preconceitos da Igreja; mista pois deve ter em conjunto meninos e meninas em sala; que seja libertária, pois deve ser antiestatal, antiautoritária, defendendo a liberdade do próximo como se fosse a própria. Eis o sonho de Escola para Férrer.

Safón, Rámon. O Racionalismo Combatente: Francisco Ferrer y Guardiã. Editora Imaginário. São Paulo-SP.

O caminho

O Caminho: Até o Socialismo sem Estado. Em cada passo a realidade da meta.
Luce Fabbri, Editora Achiamé, 1952.

Com prefácio de Margareth Rago, inserindo algumas pinceladas sobre a obra, a Socióloga nos traz uma pequena idéia de tão crítica é a obra de Luce. Filha de Luigi Fabbri, famoso militante anarquista da Itália, combateu o fascismo ao lado de Malatesta e tantos outros companheiros da USI-AIT até onde foi possível. A autora é Italiana, nascida em Roma em 1808 e exilada para o Uruguai em 1929, fugindo ao lado do pai das violentas perseguições do fascismo.

Seu livro é uma dura crítica ao Marxismo e a Ditadura do Proletariado implementada na Rússia e nos demais países sob a influência do Partido Comunista.

Vai a raiz da história do anarquismo, nos exemplos históricos das Revoluções Liberais burguesas e a influência do Liberalismo ao início dos Movimentos Socialistas que pudemos chamar de pai assim como o Liberalismo por sua vez seria a mãe da anarquia. Cita Bakunin em alguns momentos para efetuar a crítica ao marxismo. Acredita na existência de três Socialismos: a Social Democracia que acredita na construção parlamentar deste sistema; o stalinismo e suas diferentes matizes ou o socialismo do ano 3000 e o socialismo contra o Estado ou o libertário, o anarquismo.

Luce também é excelente quando faz a crítica ao consenso de que no capitalismo existe respeito ao indivíduo e a liberdade, quando diz que na verdade o capitalismo é o sistema mais anti-individualista que possa existir. É o sistema da aniquilação do ser. A mesma crítica ácida, ela desfere ao Socialismo Marxista, que preza pela igualdade sem esquecer que jamais haverá igualdade sem que haja liberdade.

“Na realidade o Capitalismo jamais foi individualista e não se chega ao Socialismo através da estatização”.
[1]

E continua:

“Tanto o Liberalismo quanto o Socialismo tem sido falseados, desviados pela fome de poder: os liberais não vacilaram em fazer escravos aos homens, apoderando-se de seu pão, os socialistas tendem hoje para a tirania política através da estatização da propriedade. A luta entre o falso liberalismo (bloco ocidental) e o falso socialismo (bloco oriental) é uma luta no vazio, que contudo, ameaça envolver a tudo e a todos, comprometendo a adesão em um sentido e no outro de todos os que verdadeiramente desejam um mundo mais justo e mais livre.

“A história de hoje repete, com a terrível lição dos fatos, o que os anarquistas sempre têm dito: que quem quer o socialismo deve não conquistar, e sim destruir o Estado”.
[2]

Luce descreve 5 grande fatos históricos e políticos que podem gerar complicações sobre os rumos do movimento anarquista:

1-As novas formas de se distribuir o concentrado poder das empresas capitalistas podem se tornar fortes opositoras ao movimento de destruição do Estado e do Capitalismo. Aparentemente o que se entende é que vender ações da empresa para que seus trabalhadores e a própria sociedade invistam sobre a produção da mesma, pode acabar se tornando um tiro no pé do movimento sindical e libertário como um todo. Pois seria uma forma de se “comprar” mais facilmente a resistência e a luta dos trabalhadores contra o capital.

2-Se a influência do marxismo nos diz que a liberdade deve vir como conseqüência dos avanços e reformas do Socialismo para se chegar ao Comunismo, ou seja como segunda fase da evolução histórica e ai sim conviver com a plena liberdade, Luce é clara a respeito da importância para nós deste conceito:

“Hoje, que esta degeneração autoritária se chama totalitarismo, nós também devemos pôr um acento mais forte sobre a inseparabilidade, para nós óbvia, entre a liberdade e o socialismo”.
[3]

3-O socialismo não é herdeiro natural do fim da sociedade capitalista como pensam os marxistas. A autora chega a afirmar que existe um processo de fortalecimento dos Estados Nacionais e principalmente de um totalitarismo crescente. Ela cita três exemplos desta argumentação:

a) O nascimento do nazi-fascismo.
b) O crescimento do Stalisnismo.
c) O que podemos chamar de nacional desenvolvimentismo e novas políticas de aumento da presença do Estado na economia dos respectivos países.

Também é crítica aos marxistas como defensores das burguesias nacionais de suas nações e cita como exemplo a defesa de Stálin por parte da classe dirigente em toda a União Soviética sobre exigências comuns da população mais pobre, a tentativas de conciliação com a burguesia espanhola em plena guerra civil por parte do Partido Comunista Espanhol (de orientação stalinista), a defesa do clero e da monarquia do Partido Comunista Italiano diante do avanço do fascismo. Poderíamos citar outros exemplos como o do PCB que aceitou as políticas de controle e enquadramento do movimento sindical vindas da Ditadura fascista de Getúlio Vargas, da ocasião diante do golpe de 64 que não foi capaz de abrir a boca para reclamar ou de chamar uma única greve contra os militares, entre outros exemplos históricos de políticas de conciliação de classes com a burguesia nacional não só no Brasil mas em todas outras nações a mando do PCURSS.

4-Devemos estar preparados para denunciar o totalitarismo e combatê-lo com todas as armas que tivermos. O verdadeiro socialismo (libertário) deve estar em prontidão para a construção da sociedade libertária.

5- O stalinismo visa agrupar a classe trabalhadora mundial em torno do imperialismo russo sobre as demais nações do mundo. É um imperialismo que deve ser combatido tanto quanto o imperialismo estadonidense ou yanque. Para que consiga crescer e expandir suas fronteiras, o stalinismo evocará o fantasma do nacionalismo e colocará em guerra irmãos trabalhadores de diferentes países para que se matem pela “causa da classe trabalhadora”. Devemos estar atentos a essa situação, a resposta da classe trabalhadora diante do combate as guerras é o internacionalismo proletário. A luta contra as guerras é uma luta revolucionária e não uma luta pacifista.

“Toda nacionalização é no fundo militarização!”
[4]

Luce finaliza:

“Nossa missão de militantes, que no fundo é educativa mesmo quando se desdobra através de uma atividade revolucionária, se assemelha (como dizia Sócrates, com relação a sua forma de ensinar) à da parteira: ajuda a nascer”.

Ao término, também cita os exemplos que o proletariado mundial construiu na Comuna de Paris, durante aa Revolução Russa, mesmo que esmagada pelo Estado, pela Revolução Espanhola e pelas comunidades autogeridas na Palestina e que podemos também descrever as comunidades autogeridas dos Kibutz em Israel e na Palestina. Enfim, experiências diversas que podem e devem servir de exemplo para o movimento anarquista mundial.


[1] Pg. 31. Fabbri, Luce. O Caminho: Até o Socialismo sem Estado. Em cada passo a realidade da meta. Editora Achiamé, 1952.
[2] Idem. Pgs. 35 e 36.
[3] Idem. Pg. 45.
[4] Idem. Pg. 64.

GREVES DO PASSADO E SEUS EXEMPLOS PARA O FUTURO: OS 90 ANOS DA PRIMEIRA GREVE GERAL E REVOLUCIONÁRIA NO RIO DE JANEIRO!

GREVES DO PASSADO E SEUS EXEMPLOS PARA O FUTURO: OS 90 ANOS DA PRIMEIRA GREVE GERAL E REVOLUCIONÁRIA NO RIO DE JANEIRO!

Introdução:

A importância dos eventos do passado, sejam nas nossas vidas particulares ou na nossa sociedade são extremamente sadios para nos orientar a evitarmos erros que cometemos tanto individualmente como coletivamente. E é neste cenário que se insere a pouco estudada Greve Geral de novembro de 1918 na então Capital Federal do Brasil, a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.

Conjuntura Sócio-Econômica e Política:

Em meados de 1917, mais especificamente em julho, os paulistas haviam construído o evento que ficou conhecido em toda a história do movimento sindical brasileiro, como a maior greve com mobilização de massas ocorrida em toda a história do pais se levarmos em conta o critério de participação da população além da classe operária, diretamente envolvida.

Esta Greve Geral de São Paulo sem sombra de dúvida serviu de exemplo para o operariado carioca construir o seu forte movimento grevista no ano seguinte. Também para agitar os ânimos da população, alguns meses antes, havia ocorrida a famosa revolta da vacina, que fez com que a população da cidade se armasse contra as ordens do Estado. Mesmo que hoje possamos olhar o episódio com certo lirismo, haviam sérios motivos para que a população carente da cidade desconfiasse da “boa vontade” do poder público em imunizar os pobres, já que era de conhecimento do povo que o Estado somente se lembrava dos mesmos nos recolhimentos de impostos ou na perseguição morros acima, de malandros, ladrões de galinha, sambistas ou os boêmios de plantão – realidade não muito diferente dos nossos dias. Enfim, havia motivos de sobra para que o povo se revoltasse contra as ordens de vacinação em massa.

Também paralela a esta crise, ocorreu em diversas partes do território brasileiro além da Europa, a famosa gripe espanhola que fez com que boa parte da população (principalmente a mais carente) fosse dizimada aos montes criando um estado de descontrole e pânico total entre o povo.

Diante deste caldeirão de desgraças, o operariado Brasileiro ainda sofria com a alta do custo de vida, que afetava praticamente toda a população. Os comícios de denúncia da penúria por que passavam os trabalhadores eram constantes e as greves e paralisações com intuito de melhores salários também eram comuns.

A Revolução Russa de Outubro de 1917:

Neste mesmo tempo em que ocorriam todas as atividades acima, na Rússia era realizada a Revolução Socialista de outubro de 17. Antes, a revolução de fevereiro na Rússia também havia fortalecido o papel e as decisões dos Soviets, Comitês ou Conselhos de Operários presentes em todas as Fábricas e no Campo. Os Soviets promoviam diretamente a expropriação das máquinas e dos equipamentos para a produção e gerenciavam a economia do país praticamente sem intervenção do Estado – pelo menos a princípio da revolução.

Não é de se estranhar que a experiência na Rússia também tenha influenciado os ânimos dos trabalhadores brasileiros a tentarem a sua própria revolução. E foi assim que o operariado carioca tentou.

A organização Operária:

A classe trabalhadora na época era organizada pelos anarcosindicalistas desde fins do século XIX. Estes são responsáveis pela fundação do movimento sindical brasileiro e promoviam agitações, manifestações, greves e paralisações afim de tentar melhorar a difícil situação do povo. Durante os anos de 1906 e 1913, foram realizados na capital do país os dois maiores Congressos Operários Brasileiros a época, que criaram a COB – Confederação Operária Brasileira e deliberaram uma série de lutas e estratégias para o movimento dos trabalhadores.

No Estado do Rio de Janeiro, os trabalhadores estavam organizados pela FORJ – Federação Operária do Rio de Janeiro, filiada a COB e de orientação anarcosindical assim como a FOSP – Federação Operária de São Paulo e tantas outras Federações locais e Estaduais no país.

Diante da forte repressão por parte da polícia contra a FORJ e o fechamento desta pela polícia a mando do Governo em agosto de 1917, depois de uma fortíssima onda de greves generalizadas pela cidade do Rio de Janeiro e em seus arredores, os trabalhadores resolvem fundar a UGT do Rio de Janeiro – União Geral dos Trabalhadores – RJ no mês de março de 1918. Em seus Estatutos, no Capítulo V, Artigo 19º, continha passagem de apoiar a reorganização do operariado brasileiro reativando a Confederação Operária Brasileira – COB. Esta foi uma tentativa de se escapar das repressões e das prisões por que passava a organização operária no Rio e em outras cidades do Estado sem se desistir da luta de objetivos revolucionários.

No dia 17 de setembro de 1918, mais um organismo sindical é fundado para o apoio a luta dos trabalhadores. É a União dos Empregados em Tinturarias – UET.

Preparativos da Greve:

A crise de fome agravou ainda mais a presença da gripe espanhola que varreu do mapa milhares e milhares de cariocas diante da má situação de higiene por que vivia a população carente da cidade. Diante do quadro assustador, a revolta perante a população aumentava de uma forma estrondosa: fome, doenças, mortes, ausência de condições mínimas de higiene, péssimos salários, castigos no trabalho, multas, crianças e mulheres mal tratadas e acidentadas quando não mortas por más condições de segurança no trabalho, alto custo de vida nos alimentos, aluguéis, etc, etc, etc, enfim, estavam dados todos os ingredientes para fomentar a revolta popular.

Paralelo a tudo isso, a organização dos anarcosindicalistas presentes nos preparativos da greve e nas diversas ações sindicais e populares iam educando os trabalhadores a tomarem atitudes mais radicais diante de suas duras realidades. Os comícios públicos contra a carestia da vida tornaram-se desde 1917 atividades cotidianas nos bairros, no centro da cidade e nas portas de fábrica.

O dia “D”:

No dia 18 de novembro de 1918, operários têxteis na cidade do Rio, Petrópolis, Niterói e Magé paralisaram a produção por volta das 15 horas da tarde. Outras categorias de trabalhadores da Indústria, serviços e comércio aderem a greve. A idéia inicial dos trabalhadores era a de atacar a Intendência de Guerra no Campo de São Cristóvão, se apossar das armas num primeiro ato. Partiriam então para a sede do Exército na capital e tomariam as armas contando com a confraternização dos soldados. Em seguida a idéia era a de dinamitar o prédio da Prefeitura, em seguida o Palácio da Polícia e o Quartel General da Brigada Policial. Na outra ponta da cidade, operários já em greve, na região da Gávea e do Jardim Botânico atacariam o Palácio do Catete (sede da Presidência da República, matariam os sentinelas e soldados que ali estivessem) e em seguida assumiriam a Câmara dos Deputados prendendo todos os Deputados presentes e proclamando o Conselho de Operários e Soldados.

Nesta proposta inicial de concentração dos operários no Campo de São Cristóvão, algumas ações começaram a falhar. Nas reuniões preparatórias da Insurreição Anarquista do Rio de Janeiro, havia um militar, Jorge Elias Ajus, tenente do Exercito, infiltrado nas reuniões dos sindicalistas, que repassou todo o plano acima mencionado as autoridades. Duas horas antes de iniciado o plano, ou seja, as 14 horas da tarde do dia 18 de novembro de 1918, várias lideranças anarquistas em diversas regiões da cidade haviam sido presas, entre eles José Oiticica, Astrojildo Pereira, Manoel Campos e vários outros.

Mesmo com o sumiço destas lideranças, os anarquistas continuaram o processo. Entraram em greve geral, saíram em passeata até o Campo de São Cristóvão e lá iniciaram uma aglomeração de centenas de operários armados. Como a polícia já sabia do que se tratava e do propósito do movimento, mandou a cavalaria dispersar a aglomeração. É aí que se inicia o conflito com tiroteios e a polícia se entrincheirando dentro da delegacia. Como as comunicações já haviam sido cortados, os policiais ficaram praticamente isolados e os revoltosos puderam tomar a Delegacia de São Cristóvão e se apossar das armas e uniformes que ali estavam. Depois, dinamitaram o prédio da Delegacia. Com o passar das horas, o Exército que já sabia das atividades, passo a passo, chega em grande escala a Delegacia de São Cristóvão e de lá expulsa a população que já ocupava a mesma. Não satisfeitos, os anarquistas rumam ao posto da Brigada Policial e dinamitam a sirene do posto e atiram outra dinamite sobre a sede da Brigada que explode sem causar muitos estragos. Diante da forte repressão que se abate sobre o movimento, pois as forças do Estado já estavam cientes da insurreição, coube aos operários mais combativos evitar tragédias maiores e reforçarem o movimento grevista nas fábricas que continuaria por vários dias depois.

Conclusão:

A insurreição de 18 de novembro serviu também para expor as cruéis condições de vida por que passava a classe trabalhadora no país. O custo de vida altíssimo, salários baixíssimos, más condições de trabalho, jornadas de mais de 14 a 18 horas diárias, exploração de crianças de até 6 anos de idade e maus tratos constantes as mesmas, mulheres que ganhavam menos e ainda eram muitas vezes abusadas por seus patrões, doenças, fome, enfim, um verdadeiro caldeirão de injustiças sociais rondavam a vida da classe trabalhadora.

A insurreição também serviu para forçar com que os empresários se organizassem melhor e empreendessem canais de negociação entre os trabalhadores e o Governo.

Para as diversas esferas do Governo, ocorreu uma grande pressão para que providências fossem tomadas afim de se aprovar um Código do Trabalho na Câmara dos Deputados. Já que um ano e meio antes, havia ocorrido a Greve Geral na cidade de São Paulo e no Rio de Janeiro e agora, ocorria tal levante popular.

Na consciência dos trabalhadores, ocorre o mais importante ganho desta insurreição, um movimento de massas disposto a derrubar o Estado e o Capitalismo estruturado no movimento sindical avança na sua organização e na sindicalização dos trabalhadores brasileiros.

Bibliografia Básica:

Addor, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. 2º Edição revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora Achiamé. 2002.